texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota
Música ao vivo é, na maioria das vezes, algo mágico. E, adaptando um personagem de Salman Rushdie, “é um mistério tão alquímico quanto a matemática, ou o vinho, ou o amor”. Principalmente o rock & roll. Porque uma das caracteristicas do rock ao vivo é sua imprevisibilidade, e ainda que bastiões do mainstream tipo Strokes seja um poço infeliz de tédio e previsibilidade, quando uma banda boa de verdade está no palco, tudo pode acontecer… de bom ou de ruim.
Se você gosta de música ao vivo já deve ter presenciado alguma apresentação em que o artista fez o diabo a quatro em cena, mas a plateia não conseguiu se conectar. É bem comum: a banda faz um show antológico, e a plateia, em transe, aplaude timidamente enquanto pensa na fatura do cartão de crédito. O contrário também é bem comum: existem noites em que o show é um barril de pólvora pronto para explodir e incendiar tudo, e a banda só precisa riscar o fósforo. Turnstile no Cine Joia faz parte do segundo grupo.
Também, pudera. Estamos vivendo uma pandemia (sim, ela não acabou) há 24 meses e a grande maioria de nós que ama a música de verdade (aparentemente, negocionistas não gostam de cultura) se protegeu com máscaras, isolamento, vacinas e toda sorte do mundo, represando dentro da alma toda angústia, depressão, raiva e revolta que um brasileiro pode sentir num periodo tão nefasto quanto esse, em que dois virus desejam acabar com nossas vidas. Dessa forma, é natural que em um show de hardcore os demonios saltem pra fora. E havia muito demônio pogando, flutuando entre as cabeças e cantando na pista do Cine Joia.
Ao Turnstile – escalado uma semana atrás para o lugar de King Lizzard, cancelado, nessa Lolla Parties – coube a tarefa de construir a trilha sonora para o expurgo de nossas almas, e quem já teve a sorte de ver um vídeo ao vivo deles sabe que de caos eles entendem bem. Em pouco mais de uma hora, o quinteto de Baltimore tocou 22 canções, metade delas presente em “Glow On”, 17º disco mais votado no Melhores de 2021 Scream & Yell – e o disco só tem 15 faixas –, e a outra metade com faixas dos dois primeiros álbuns, “Nonstop Feeling” (2015) e “Time & Space” (2018), além de músicas do EP “Step 2 Rhythm” (2013).
A sensação, ouvindo as três primeiras músicas no fosso aos pés da banda, era de que os caras estavam tocando hits número 1 da Billboard, pois o público sabia tudo de cor, e ousava cantar tão alto quanto o som violento que saia das caixas. Cada música era recebida de forma consagradora pela audiência, que não se fez de rogada e, após vários pedidos do baixista e do guitarrista fazendo gestos de círculo no palco, abriu grandes (e violentas) rodas de pogo na pista do antigo cinema da Liberdade. Estava bonito de ver, ainda que a sensação de perigo também estivesse presente (com certeza havia pessoas na pista que não esperavam tanta violência).
Enquanto a banda arrebentava tudo no palco com sua “mistura da estética meio new wave anos 80 que tá na moda (guitarra com chorus e tal) com punk e crossover” (aspas do fotógrafo Fernando Yokota), um cara da entourage era vaiado por estar vestindo a camisa amarelinha da seleção da CBF (sou a favor de tomarmos a camisa de volta pra nós, ainda que seja difícil apoiar um time que tenha Neymar como “estrela”), fato que fez ecoar alguns #ForaBolsonaro no ambiente. Isso faz pensar que é preciso criar uma regra de etiqueta pra avisar aos produtores gringos que, na ansia de mostrar amor pelo Brasil, é melhor optar por outro caminho (ao menos por enquanto) que não seja a camisa canarinho.
Alheio a isso tudo e ao calor intenso (as paredes do Cine Joia estavam suando!), o Turnstile fazia um show consagrador, daqueles com potencial para aparecer em diversas listas de melhores de 2022 no final de ano, e que pode ser ilustrado com a transcrição de uma rápida conversa com Jake, o técnico de som da banda, ao final do set matador da banda: “Por favor, você poderia me dar esse set list colado na mesa de som?”. “Nãooooo, esse é meu!!!! Vou guardar de recordação porque esse foi o melhor show de todos os tempos do Turnstile”. Se ele está dizendo, quem somos nós para discordar, não é mesmo?
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
queria muito ter ido!
mas o preço não era condizente com a minha situação financeira.
então fico apenas com os videos na internet e quem sabe num futuro próximo tenha segunda chance, apesar de que esse era o momento ideal dessa banda.
Caraca, eu e minha namorada aparecemos ali no canto da foto! Ela sorridente e eu de máscara (que tolo, pois 2 dias depois acordei com febre em são paulo e quando cheguei em casa testei positivo pra covid). Fui de Floripa pra São Paulo de ônibus e valeu cada centavo! Um dos melhores shows que já fui fáááácil!!!! Turnstile é fod*!!!!!! TURNSTILE TRIBE, TURNSTILE LUV CONECTION! Obrigado pela resenha e pelas fotografias, parabéns.
Tem como me enviar por e-mail esta última foto? Gostaria de mandar revelar. Meu e-mail é: fh.dsgn.art@gmail.com – mas claro, só se tu quiser! Me fale quais as condições. Essa foto ficou histórica! Parabéns e muito obrigado.
Que legal! Fala com o fotógrafo Fernando Yokota no Instagram dele, que ele deve ter essa foto em alta qualidade: https://www.instagram.com/fernandoyokota/