texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas
Show de banda em final de turnê é que nem time campeão jogando as últimas partidas de um torneio de pontos corridos já definido: o jogo já começa meio ganho, mas ai se o espetáculo não acontecer. Para quem esteve no Teatro Sérgio Cardoso no último sábado, 19 de março, para ver a banda baiana Maglore, felizmente isso não foi um problema. Seria até uma noite normal, não fosse… o fato de que essa era uma das últimas paradas de uma jornada que precisou de quase dois anos para chegar perto de seu final. E esse tempo todo fez o reencontro de Teago Oliveira (voz e guitarra) e seus companheiros Lelo Brandão (guitarra e synth), Lucas Gonçalves (baixo e vocais) e Felipe Dieder (bateria) com o público paulistano ficar um bocado mais interessante, indo muito além dos “três pontos para mais uma vitória”.
Anunciada como um dos shows da fase final “antes do disco novo” da Maglore, a apresentação no Bixiga não foi a primeira da banda na capital paulista desde que o mundo parou. Houve uma data no Cine Joia no final de 2021, mas, antes dessa, só mesmo na sexta-feira de Carnaval de 2020, no SESC Pinheiros – quando o grupo estava pronto pra acabar de comemorar seu décimo aniversário e fechar a fatura da agenda que acompanhava o disco ao vivo “Maglore Ao Vivo”, lançado em 2019. Se ficou difícil de entender, mais fácil é seguir por outro caminho: assim como em outras oportunidades, o repertório da noite no Bixiga consistiu numa viagem pelos quatro álbuns de estúdio da banda, da estreia power pop adolescente “Veroz”, de 2011, à maturidade doída, pero colorida de “Todas as Bandeiras”, de 2017.
Foi justamente de “Todas as Bandeiras” que a banda pinçou a canção de abertura do setlist no Sérgio Cardoso, “Me Deixa Legal”. A ela se seguiram, quase sem fôlego, “Café com Pão”, “Jogue Tudo Fora” e “Ai Ai” – praticamente seguindo a sequência do disco ao vivo, sem deixar espaço para conversinha. O público estranhou, dado o espírito fanfarrão de Teago para fazer piada com a plateia sempre que possível. Até que ele explicou: “é que tem muita música para tocar e pouco tempo”, engatando a terceira e dando sequência a mais uma fileira de petardos, incluindo “Vamos Pra Rua” e “Motor” – essa última, um espetáculo à parte, com o coral da plateia carregando a canção e mãozinhas, muitas mãozinhas pra cima.
Mais do que só uma grande canção de amor, “Motor” é um dos principais elementos que fazem a percepção comum sobre a Maglore ter mudado ao longo do tempo, tornando a apresentação no Sérgio Cardoso diferente de um show qualquer. Gravada originalmente em “Vamos Pra Rua”, de 2013 (o disco veio antes do movimento homônimo com o qual a banda nada concorda, diga-se de passagem), “Motor” corria o risco de ser mais uma pérola do indie brasileiro perdida no tempo. Mas suas novas versões, gravadas pelas baianas Pitty e Gal Gosta, geraram um efeito catalisador sobre a Maglore, chamando a atenção para as composições mais antigas de Teago Oliveira.
Outro efeito catalisador que pode ser sentido em São Paulo foi a ação do próprio tempo sobre o repertório de “Todas as Bandeiras”, que por si só já havia levado a Maglore a outro patamar. Não é preciso saber juntar dois mais dois para perceber que o último disco de estúdio da trupe de Teago é um trabalho sobre reconstrução. Canções como “Eu Consegui”, “Calma” e “Hoje Eu Vou Sair” mostram, ao mesmo tempo, o baque após uma desilusão amorosa e a busca por um recomeço. No palco do Teatro Sérgio Cardoso, porém, elas ganharam um novo contorno com o verniz do tempo, sendo escutadas (e executadas, óbvio) de forma diferente após um enorme trauma coletivo.
Além disso, uma outra mudança aconteceu no lado direito do palco – e ela atende pelo nome de Lucas Gonçalves. Adicionado à banda logo antes de “Todas as Bandeiras”, o baixista ocupou durante algum tempo um lugar discreto no palco, ficando restrito ao papel de “geninho da música”, sendo responsável por lembrar as canções e informar os tons certos em meio ao teatro de Teago, que adora dizer que não lembra as músicas direito.
Mas, ao longo dos últimos dois anos, o mineiro de Passa Quatro lançou dois dos melhores discos produzidos no Brasil recentemente (“Se Chover”, de 2020, e “Verona”, de 2021), o que lhe fez ganhar holofotes. Mais que isso, ele também esteve muito mais solto no palco, em coros e dancinhas, além de ganhar elogios dedicados do público. (Um cronista exagerado poderia dizer que ele é o George Harrison da Maglore, e nada indica que ele não mereça ainda mais espaço no futuro da banda, mas essa é uma discussão muito específica).
A plateia em São Paulo pode até ter um vislumbre do futuro da Maglore: lá pelo meio do show, Teago avisou que a banda solta um novo single no próximo dia 31 de março – e veio aí a deixa para que o público pedisse uma palhinha da música. “Armei uma cilada pra mim mesmo”, disse o vocalista, que mais uma vez fez a piada de dizer que não sabia tocar direito a canção. Mas ele acabou sendo vencido, em partes, tocando a introdução de “A Vida é Uma Aventura” (que você pode assistir aqui abaixo). E para não correr o risco dos presentes pedirem mais, a banda irrompeu tocando um de seus hits de Carnaval, “Avenida Sete”, em desabalada carreira. Foi o suficiente, porém, pra saber que “a base vem forte” – se é que é possível tirar alguma conclusão de alguns poucos segundos de música.
Mas, como diz o ditado, em time que está ganhando (ainda) não se mexe, e foi o que se viu até o final do show, com a plateia empolgada levando no gogó canções como “Às Vezes Um Clichê”, “Beleza de Você”, “Calma” e “Valeu, Valeu”, que fechou o set inicial em São Paulo. O bis veio logo na sequência com “Aquela Força” e o já clássico encerramento dos shows da Maglore, “Mantra” e seu poderoso “lá, larará, larará”, mandando todo mundo para casa com um sorriso no rosto pensando que tudo passará.
Antes disso, porém, um discurso importante de Teago deu a tônica do que aquela noite significava para a Maglore: “a gente é uma banda de rock, mais ou menos, né, e bandas de rock são meio que um bicho em extinção, ainda mais nesses tempos que a gente vive, nesses dois anos. Mas é muito bom estar aqui e a gente segue”. Ainda bem: hoje, são poucas as bandas no Brasil capazes de fazer em cima de um palco o que a Maglore faz, em um clima de celebração pop-brasileira sem cair em clichês e vapores baratos. Dois anos depois, aqui estamos: valeu, valeu, valeu, valeu, valeu. Agora é hora de andar – e vamos pra rua.
Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e, desde 2006, acredita que “maturidade é uma fase, adolescência é para sempre”. É um dos responsáveis pelo Programa de Indie, na Eldorado FM, e autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.