MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #20
“Whole New Mess”, Angel Olsen
escolha de Marcelo Costa
Artista: Angel Olsen
Álbum: Whole New Mess
Lançamento: 28/08/2020
Gravadora: Jagjaguwar
Após conquistar a atenção do mundo pop com “My Woman”, seu terceiro belíssimo disco lançado em 2016, que bateu na posição 47 dos charts da Billboard, Angel Olsen decidiu se retirar num autoexílio para compor um novo disco na tentativa de curar uma série de feridas que foram abertas conforme seu álbum mais famoso escalava as paradas e seu relacionamento se deteriorava, terminando de maneira dolorosa e levando consigo seus melhores amigos. Sozinha, Olsen pegou sua guitarra e voltou aos tempos de “Strange Cacti” (2010), seu primeiro EP lançado originalmente em fita cassete, onde soava uma caipira apaixonadamente triste tocando folks lamacentos, daqueles que o ouvinte coloca os pés e não consegue tirar mais.
Ela tinha apenas 23 anos, lançaria outro EP (“Lady Of The Waterpark”) e depois iniciaria uma parceria com Bonnie Prince Billy da qual sairiam um 10 polegadas e dois álbuns bem bonitos, “Wolfroy Goes to Town” (2011) e “Now Here’s My Plan” (2012), que influenciariam “Half Way Home” (2012), sua estreia notadamente acústica. Tudo isso seria deixado totalmente para trás em “Burn Your Fire for No Witness” (2014), o segundo álbum, que inicia uma busca pelo pop perfeito nascido das faíscas do choque do indie dos anos 90 com a sonoridade sixtie, e que se cristaliza de forma incrível em “My Woman” (2016), seu terceiro registro. Porém, assim como quando damos uma topada e, reflexo natural, soltamos um palavrão, com a vida totalmente em cacos, Angel Olsen decidiu voltar para si mesma, se despir e gravar o novo disco sozinha.
Porém, com o trabalho pronto, Olsen decidiu experimentar, e o que era um disco despido totalmente de produção ganhou teclados, orquestrações (violino, viola, trumpete, trombone e cello), bateria, guitarras, drones e se tornou “All Mirrors” (2019), um disco grandioso e grandiloquente, gritado, típico de quem alcança certa dose de fama e se sente a vontade para fazer tudo aquilo que sempre quis, mas que a inexperiência e a falta de grana impediam. Com “All Mirrors”, celebrado por grande parte da crítica, Angel Olsen aparentemente jogava uma grande pá de cal sobre aquela caipirona flagrada numa pracinha de Chicago tocando canções emocionais no começo dos anos 10.
Mas não era bem assim. Se por um lado, toda suntuosidade dos arranjos davam elegância a “All Mirrors”, por outro diminuíam o drama das letras, o principal motivo da artista se refugiar numa pequena e antiga igreja católica convertida em estúdio de gravação na pequena cidade de Anacortes, Washington. Angel Olsen chegou a cogitar lançar “All Mirrors” e “Whole New Mess” simultaneamente, mas acabou segurando o segundo rebento, que veio ao mundo em agosto de 2020, já num contexto de pandemia global. Se estávamos todos nós lutando contra nossos fantasmas, nada mais justo que Angel colocar os seus para fora do armário para vê-los debatendo-se em público. “Whole New Mess” é dolorosamente bonito, triste e amargo.
A faixa titulo foi o primeiro single do disco, e é uma canção em busca de sanidade (pessoal e comercial). A inspiração, contou Angel em entrevistas, vem dos anos que ela passou lutando contra o alcoolismo, a depressão e uma doença na tireoide. Dai que quando conseguiu comprar sua casa, percebeu que a vida que tinha escolhido não a permitiria passar mais que duas semanas lá. “Whole New Mess”, a canção, é uma tentativa de manter a cabeça limpa e de entender que ela não precisa sexualizar seu corpo para vender sua música. Já “Too Easy (Bigger Than Us)”, que aparece em “All Mirrors” numa versão de paixão cega e maníaca, ressurge aqui como nasceu, apaixonada, sincera e até feliz (até que a separação os separe).
Em “All Mirrors”, “(New Love) Cassette” tem um arranjo dub (ao modo Angel Olsen). Já em “Whole New Mess” ela ressurge simples, delicada e, novamente, apaixonada. Para Angel Olsen, em boa parte dos relacionamentos a outra parte é um “aspirador humano” que suga todas as suas energias. Aqui ela imagina o contrário, alguém que possa respirar por ela quando ela não conseguir. Seguindo, tudo que é orquestração na faixa título de “All Mirrors” vira microfonia em “(We Are All Mirrors)” (uma das canções mais fortes nos dois álbuns) enquanto “(Summer Song)” ganha muito mais impacto nessa versão despojada, que valoriza outra grande letra. Inédita, “Waving, Smiling” é aceitar o fim do relacionamento, pensar que não foi um tempo perdido.
Na vibe ensolarada da faixa anterior, “Tonight (Without You)” é sobre perceber tudo que a faz feliz sozinha, sem certas pessoas. “Estou cantando bem baixo, e para mim é a música mais forte. É tão suave e terno, mas estou dizendo: Gosto da minha vida sem você. Muito”, explicou Angel Olsen. Um dos cavalos de batalha dos dois álbuns, “Lark Song” foi composta antes de “My Woman”, e Angel diz que quase são quatro canções em uma. Para ela, é uma canção sobre abuso verbal e psicológico, falta de apoio no relacionamento e um final tão doloroso que há vontade de começar de novo, “fingir que não nos conhecemos”. Pesada. No mesmo sentimento, “Impasse (Workin’ for the Name)” soa quase doentia: “Vá em frente, diga a seus amigos que eu estava errada”, abre a letra.
A canção que fecha “All Mirrors” pra cima retorna com toda sua força ainda mais intensa em “Whole New Mess”. Há uma batidinha sixtie que pontua o arranjo de voz e que comove junto com uma letra que percebe que não somos tão fortes e imbatíveis e certos sobre a vida quanto achávamos que éramos na adolescência. Conforme crescemos e vivemos relacionamentos percebemos velhas feridas se abrindo, e temos que lidar com elas – A VIDA TODA. “Feridas que nunca serão resolvidas completamente”, observa Angel Olsen. “Nada jamais é curado completamente. Isso é o que estou aprendendo. Sempre há coisas para trabalhar. Então, quando você pensa em um final feliz com alguém, você está realmente mentindo para si mesmo. Você tem que trabalhar para chegar lá”, acredita.
Encerrando “Whole New Mess”, “What It Is (What It Is)” numa versão cativante. Se em “All Mirrors” ela é dominada por drones, teclados e cordas, aqui só uma batidinha de violão basta para passar a mensagem: “É fácil se você falar a verdade, mas saber o que é, não é suficiente / Saber que você ama alguém não significa que você já esteve apaixonado”. No fim das contas, na dobradinha “All Mirrors” / “Whole New Mess”, Angel Olsen bate e assopra ao mesmo tempo. Expurga seus demônios, mas não tenta fazer do ato um trampolim para uma nova fase. Ela quer aprender com os erros, tentar entender onde é que errou, enquanto foge de qualquer nova tentativa. “Whole New Mess” não é sobre seguir em frente, mas sim sobre entender o sofrimento para, quem sabe, poder seguir em frente. E nos moldes dos primeiros discos de Angel Olsen, é um disco lamacento que se você colocar os pés, vai ser difícil tira-los tão cedo. Não recebeu o mesmo acolhimento que “All Mirrors”, mas, de várias formas, é muito melhor.
Conselho: deixe um lenço por perto e se as lágrimas vierem, entregue-se. Chorar nunca foi tão necessário como nesses tempos…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne