por Renato Beolchi
É preciso admitir: todo e qualquer roqueiro cresceu cercado pelas capas dos discos do Iron Maiden. Mesmo quem não gosta da banda aprendeu a conviver com a imagem de Eddie nas lojas de discos a cada lançamento da banda britânica. É claro que outros grupos também têm seus personagens: Motörhead, Megadeth, etc. Mas Eddie é único. Por isso, um lançamento do Maiden nunca é apenas musical. Há sempre uma curiosidade sobre como estará o bom e velho Eddie, the Head, no novo registro.
“The Final Frontier” (leia a resenha aqui), o 15º disco do Iron Maiden, foi lançado oficialmente no último dia 16 de agosto. Mas, antes, para entender todo esse processo sobre a “cara” do novo disco do Maiden, é preciso voltar no tempo: exatos dezoito anos.
Quem assina a ilustração em “The Final Frontier” é Melvyn Grant. Alguém aí se lembra dele? Uma dica: “Fear Of The Dark”, 1992. Grant é o pai da primeira capa do Maiden não desenhada por Derek Riggs. Na época, a ilustração causou estranheza: eram mais de dez anos convivendo com o traço marcante de Riggs em desenhos grandiosos e abarrotados de detalhes e brincadeiras escondidas. Todo fã do Maiden já gastou horas observando os detalhes de capas como “Powerslave” e “Somewhere In Time”, ambas de Riggs. E mais, Riggs pariu Eddie, o fez evoluir ao longo dos anos e criou toda a identidade do personagem.
E aí veio 1992 para quebrar essa tradição. Entre 1993 e 1995 o Maiden viveu anos bem conturbados. A saída de Bruce Dickinson criou um clima de dúvida na banda e nos fãs. Teve gente que chegou a chamar Grant de pé-frio: logo na sua estreia a banda começou a ruir. Sim, na época era isso que parecia acontecer.
Basta de fatalismo. O Maiden sobreviveu e escolheu um novo vocalista. A conturbada e criticada chegada de Blaze Bailey quase escondeu toda a inovação na capa do álbum seguinte: “The X-Factor” (1995). O guitarrista Dave Murray sugeriu, e o artista Hugh Syme acatou: pela primeira vez, Eddie deixou de ser um desenho e ganhou ares reais como um boneco com a cabeça aberta no melhor estilo “Piece Of Mind” (1983). A iniciativa foi válida, mas a arte não mostrou muita vida no boneco. Ele pareceu mais um cadáver sendo necropsiado.
Com o tempo, a arte de “Fear Of The Dark” foi ganhando espaço e elogios. Despindo-se do “fundamentalismo ironmaideniano” dá pra dizer que a capa é até inovadora para a época: um Eddie diferente, o nome da banda na vertical. Isso tudo ajudou para que, em 1998, Grant fosse novamente escalado. E foi aí que ele perdeu a mão: sete anos depois de sua estréia com o Iron Maiden, ele assinou a capa de “Virtual XI”. E se alguém aí disser que acha essa capa bonita, estará mentindo.
Em “Virtual XI”, Eddie volta a lembrar o mesmo de 1992, mas a mistura de informações ridiculariza a capa. Eddie com orelhas gigantes, estilo Dumbo; menino com videogame no colo e óculos de realidade virtual; campo de futebol no canto com um time parecido com a Seleção Brasileira? Não rolou, Melvyn, sério! Mas é preciso esclarecer: capa feia não significa disco ruim: musicalmente, o disco em si é bastante razoável.
Seja como for, a banda (leia-se Steve Harris, o Don Corleoni do Iron Maiden) deve ter percebido que a arte de “Virtual XI” era realmente medonha. Ao menos é o que indica o lançamento de “Brave New World” (2000). O disco marcava o retorno de Bruce Dickinson aos vocais. E ele trazia na sacola o guitarrista Adrian Smith, que havia deixado o grupo em 1989. Agora o Maiden tinha três guitarras. Com tantos nomes antigos voltando à banda, nada mais óbvio do que Derek Riggs voltar a assinar a capa do registro, certo?
Mais ou menos. Riggs é responsável por apenas metade da capa. O Eddie nas nuvens é dele. Mas a metade inferior da capa, que mostra Londres no futuro, é do artista Steve Stone. E encerra-se aqui a participação de Riggs nas capas do Iron Maiden. O divórcio não chegou a ser um escândalo, mas pela acidez dos comentários dele em seu site, a separação não deixou muita saudade no artista. Se você é xiita, e acha Steve Harris um verdadeiro Gandhi do heavy metal, não acesse. Mas se você, além de bom senso, tiver um pingo de senso de humor, eu recomendo uma visita ao site (leia aqui).
Como diz o ditado: nada é tão ruim que não possa piorar? Pois é. E em 2003 o Iron Maiden apelou. Imagine o processo: a banda decide lançar um disco e contrata um artista digital. A encomenda do trabalho demanda meses de criação, esboços, rascunhos, tentativas, experimentações. Um desenho desse porte, que vai ilustrar a capa do novo disco de uma banda como o Maiden, é quase um filho. Mas, nesse caso, bastardo. A capa de “Dance Of Death”, de David Patchett, é tão feia que ele próprio pediu para não ser creditado por esse atentado trabalho.
Sem a opção de chamar Riggs para salvar o dia, a carta na manga era dar um telefonema para Grant e encomendar a arte. Afinal ele tinha um desenho bom (“Fear Of The Dark”), e um ruim (“Virtual XI”): 50% de chances. Parecia bom. O trabalho iria para a capa de “Death On The Road”, álbum ao vivo lançado em 2005. E aí a maionese desandou. A arte não é tão ridícula quanto a de ‘Virtual XI”, mas é simplista ao extremo. Chega a parecer um daqueles desenhos que fãs do Iron Maiden mandam pra revistas de rock.
Não! Melhor retirar a frase: isso é uma tremenda ofensa a um fã em especial. Felipe Franco mora em Bogotá, Colômbia e ama o Maiden. Ah, ele também desenha pra caramba. Tanto que em 2008 venceu um concurso promovido pela revista americana Kerrang!, e um desenho seu ilustrou o CD de tributo ao Iron Maiden que a publicação lançou no mesmo ano. A ilustração de “Maiden Heaven” é mais bonita que qualquer capa que Grant tenha feito (até então). E foi de graça.
Mas voltemos a 2006. O Iron Maiden vai lançar “A Matter Of Life And Death”. Fãs do mundo inteiro, temei… Mas veio uma boa notícia. A banda contratou os serviços do americano Tim Bradstreet, responsável por dezenas de capas, mas nenhuma de disco. Bradstreet é famoso entre os fãs de quadrinhos por capas históricas de revistas do Justiceiro e Hellblazer. No currículo, uma indicação ao Eisner Award, um dos prêmios mais importantes dos quadrinhos.
O desenho não chega a ser inovador, já que ele usa o legado de Riggs para caracterizar o seu Eddie, escondido ali em cima do tanque. Mas o traço com uma pegada HQ consegue modernizar a capa. Além disso, Bradstreet criou uma insígnia para o exercito de Eddie e deu uma identidade visual muito bacana ao conceito.
E aí pulamos para 2009 com “Iron Maiden: Flight 666”. O documentário aborda a turnê que o Maiden fez tocando apenas de clássicos dos oito primeiros discos. Passou por aqui: “Somewhere Back In Time”. Repertório irretocável com músicas lançadas apenas entre 1980 e 1989. Coincidentemente, todas as faixas são de discos com capas de Derek Riggs. Que momento para uma reconciliação, não? E lá foi o Maiden atrás de seu velho artista. Riggs aceitou o trabalho e foi à prancheta.
O resultado abre esse texto e é brilhante, digno dos velhos tempos. O avião caracterizado com o logo da banda aparece voando em alta velocidade, rasgando o céu. Um Eddie gigante está grudado na parte de cima, arrancando parte da fuselagem. Na janela do piloto, Bruce Dickinson, desesperado (ele de fato era o comandante do vôo). Um passageiro é arremessado violentamente para fora.
O que? Você tem esse DVD, mas a capa é diferente? Calma. É que, quando Riggs estava quase finalizando o trabalho, o escritório da banda ligou e fez uma nova proposta: só pagariam pelo desenho se ele fosse utilizado. Riggs recusou, e a arte foi descartada. E o tal passageiro arremessado para fora? Era o próprio Riggs. Sacou a ironia?
E era uma vez a reconciliação.
Nova década, tempo de renovação. Mas com cautela. E aí o Maiden lança “The Final Frontier” com capa novamente assinada por Melvyn Grant. Fãs do mundo todo, temei… Em vão. A arte não é histórica, mas nem de longe pode ser comparada a outros fracassos trabalhos do artista. O Eddie orelhudo de olhos redondinhos foi deixado de lado. Em seu lugar, Grant usa um Eddie baseado no desenvolvido por Riggs.
Chega a lembrar a criatura esguia e cabeçuda da capa de “A Real Live One”, coletânea lançada nos anos 90 com desenhos de Riggs. A nova ilustração de Grant tem muitos detalhes. Bem mais que “Fear Of The Dark” e “Death On The Road”. Mas são desenhos que interagem bem, ao contrário da mixórdia de Virtual XI. Em resumo a nova capa é bonita? Não! Mas vindo de Grant, podia ser bem pior.
Ah! E Grant garante que não gosta do estilo de Derek Riggs. Sei…
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– Em “The Final Frontier”, o Iron Maiden surpreende… por quatro minutos (leia aqui)
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Renato Beolchi é jornalista e você pode conversar sobre amenidades com ele no Twitter
As capas de Virtual XI E Death on the road sairam diferente do desenho original.No site do Grant
tem os desenhos iniciais que são melhores que a arte final.
Interessante demais a matéria…Um cara que tem desenhado bem também é o Herve Monjeaud, ele está fazendo a arte com os temas das ultimas tours do Iron. Eu até pensei que ele fosse o novo desenhista da banda..rs.