Texto por Daniel Tavares
Fotos por Fernando Yokota (veja galeria)
Um dos principais expoentes da música gótica, cujo auge da carreira aconteceu entre 1978 e 1983, com retornos esparsos em 1998 e entre 2005 e 2008, o Bauhaus segue vivo na carreira solo de seus principais integrantes, que vira e mexe rodam o mundo mostrando o repertório clássico da banda, que lançou quatro grandes álbuns nos anos 80 e um belíssimo esforço de sobrevivência em 2008 (o pungente “Go Away White”). De lá pra cá, os integrantes seguem espalhando a mística do Bauhaus por ondem eles passam.
E metade do grupo (o vocalista Peter Murphy e o baixista e tecladista David J) esteve em São Paulo, mais precisamente no Carioca Club, para comemorar 40 anos de banda com um show que lembra bastante o que o editor do Scream & Yell, Marcelo Costa, viu em Nova York cinco anos atrás, em 2013, festejando 35 anos. E, claro, o Carioca lotou, embora não tenha chegado à sua capacidade máxima, para ver o encontro do vocalista Peter Murphy e do baixista David J, além de um baterista e de um guitarrista de apoio.
Tendo sido divulgado o resultado do primeiro turno das eleições poucos minutos antes, seja para comemorar ou lamentar, o evento também serviu de escape para o ambiente do lado de fora, da Cardeal Arcoverde em diante. O show passeou principalmente pela fase áurea da banda, seus primeiros quatro anos. Nenhuma canção de “Go Away White”, de 2008, foi visitada. Você confere mais detalhes aqui, com fotos de Fernando Yokota em matéria publicada originalmente no Whiplash pelo mesmo autor.
Às 20h em ponto, “Double Dare” deu início ao show. Peter Murphy, com longa barba, vem logo pra frente do palco em tom desafiador, como na letra da canção. A resposta do público são gritos apaixonados. Depois, esse mesmo público cantaria junto “In a Flat Field”, um dos maiores sucessos do Bauhaus. A banda de apoio não deixa a desejar em seu desempenho, principalmente o baterista. O guitarrista não se impunha como Daniel Ash, mas não comprometia.
Com coroa na cabeça (bem que poderia ser a deixa para “King Volcano”), Murphy canta “A God in an Alcove”, precedendo a contagiante levada de baixo de “Dive”. A interpretação de Murphy é um dos pontos fortes não só da apresentação, mas de toda a trajetória do Bauhaus, a essência do gótico. Isso fica bem evidente em canções como “Spy In The Cab” ou “Small Talk Stinks”, que ele canta com megafone.
Os sucessos d banda vinham e iam, como “St. Vitus Dance”. Em “Stigmata Martyr”, Murphy chega a pegar também uma guitarra, mas não faz muito com ela. “Nerves” começou com ruídos, e o público, numa faixa etária majoritariamente superior aos 30 anos, reagiu com gritos quando a canção realmente tomou forma. Ao fim da canção, um breve susto. Depois de apenas quarenta minutos de show, eles saem do palco e deixam apenas o ruído. Aliás, o ruído e a iluminação, que combina bem com a banda.
Felizmente, logo Peter Murphy, o baterista e o guitarrista convidados (menos David J, que demorou um pouco mais) voltam para continuar a “Festa estranha com gente esquisita”. Os eduardos e mônicas (lembrem, a Mônica da canção do Legião Urbana, cujo estilo foi claramente bebeu na fonte do rock gótico/pós punk, gostava do “Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud”). A canção era “Burning from the Inside”, com Murphy cantando de perfil, como se estivesse desfilando sem sair do lugar. E depois de “Silent Hedges”, um tanto mais acústico, principalmente por ser tocada com violão ao invés de guitarra, vem o acachapante maior sucesso do grupo, conhecida até por quem não curte a banda.
Pelas batidas e ruídos o público reconhece “Bella Lugosi’s Dead”. Murphy pega um dos refletores e joga a luz em seu próprio rosto. E canta assim mesmo, o que dá um aspecto ainda mais lúgubre a apresentação. Mas na hora do refrão é o público que dá o show. Foi, claramente, uma oportunidade para estar de volta aos anos 80 e ver ali, ao vivo, como se estivéssemos numa casa suja de Londres, esfumaçada e fria, assistindo à essência do rock gótico. Ao fim, Peter, sem ter trocado palavras com o público muitas vezes durante a noite, agradece como se já fosse embora mesmo. Mas todo mundo fica ali. O público quer mais. E ele inicia “She’s in Parties” com uma escaleta. Pela primeira vez o palco é tomado por uma forte iluminação, mas toda vermelha.
O público ainda grita e pula na dançante “Kick in the Eye” e, pela empolgação das pessoas, o show poderia continuar por muito mais tempo. O próprio Peter Murphy parece querer continuar, mas David J parece não estar mais a fim. Só volta para um burocrático abraço rápido. Não se sabe se nem está assim tão feliz com a efeméride do aniversário ou se é mesmo só um esforço para manter a atitude blasé.
Talvez a aparente apatia fosse por causa do calor. Ma eles realmente voltam para mais um bis, ainda que David já se livrara da echarpe. Não deu para manter o charme. O público participa do show mais uma vez cantando junto o refrão de “The Passion of Lovers” e, para terminar o show, a tradicional reverencia ao T-Rex e David Bowie (este, talvez uma das maiores influências da banda) com as covers de “Telegram Sam” e “Ziggy Stardust”.
A festa de 40 anos foi relativamente curta. Além de sucessos como “All We Ever Wanted Was Everything”, que nem chegaram ao setlist, “Boys”, “Terror Couple Kill Colonel” e “Dark Entries”, que deveriam ter feito parte do miolo da apresentação foram limadas. Não tem problema. A banda será sempre bem-vinda para comemorar seus aniversários todos os anos. A gente garante os “parabéns a você”. Ao estilo gótico, claro.
1. Double Dare
2. In the Flat Field
3. A God in an Alcove
4. Dive
5. Spy in the Cab
6. Small Talk Stinks
7. St. Vitus Dance
8. Stigmata Martyr
9. Nerves
10. Burning From the Inside
11. Silent Hedges
12. Bela Lugosi’s Dead
13. She’s in Parties
14. Kick in the Eye
15. The Passion of Lovers
16. Telegram Sam (T. Rex)
17. Ziggy Stardust (David Bowie)
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014.