Boteco: 11 cervejas nacionais

por Marcelo Costa

Abrindo uma sequencia de cervejarias nacionais com a excelente cervejaria carioca Quatro Graus, que marca presença com a Entertain Us!, uma Imperial Indial Pale Lager que empresta uma frase da letra de “Smells Like a Teen Spirit”, do Nirvana, para homenagear o período grunge do começo dos anos 90 com uma cerveja alcoólica (8%) e bem lupulada. De coloração amarela dourada cristalina com creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Quatro Graus Entertain Us! apresenta um aroma tropical e espetacular, com notas cítricas deliciosas (abacaxi e maracujá) e doçura maltada bem suave presente. Na boca, replicação perfeita do que o aroma adianta já no primeiro toque, que equilibra doçura e notas cítricas com álcool batendo ponto, de maneira suave e sem incomodar, na sequencia. O amargor é bem leve para o estilo (a casa não divulga, mas deve ficar entre 50 e 55 IBUs) enquanto a textura começa leve e vai ficando suave e depois sedosa, com picância bem leve. Dai pra frente, um conjunto adorável para derrubar o freguês sem timidez: álcool maravilhosamente inserido, muito cítrico e doçura leve para não enjoar. Uma delicia que finaliza levemente cítrica e amarguinha. No retrogosto, abacaxi, maracujá e doçura suave. Bem boa!

Do Rio de Janeiro para São Paulo, mais precisamente Itupeva, casa da Cervejaria Blondine, que retorna ao site com sua Circus, uma English IPA produzida com maltes, lúpulos e levedura de origem inglesa. De coloração âmbar caramelada e creme bege de média formação e retenção, a Circus exibe um aroma Bitter com bastante presença de maltado sugerindo caramelo levemente tostado além de herbal e terroso. Na boca, maltado caramelado trazendo doçura ao primeiro toque e, na sequencia, leve amargor (40 IBUs) com tosta, herbal e chá. A textura é levemente picante e um tiquinho metálica. Dai pra frente, uma cerveja notadamente inglesa, com muita percepção de caramelo e chá, mas um leve desiquilíbrio que a deixa levemente arisca numa escola que prima pela elegância. O final é maltado e levemente amargo. No retrogosto, chá, caramelo e um pouco de nozes.

Ainda em São Paulo, mas saindo de Itupeva e indo para Cotia, mais precisamente para a fábrica da Mea Culpa, responsável pela produção da 3.0, terceira versão da linha Hoppiness, da Molinarius, do cervejeiro Sérgio Muller, uma New England IPA com os lúpulos Citra e Amarillo (ambos made in USA), os maltes Pilsen, Vienna, Munich, Dark, Carapils e trigo mais levedura Vermont. O resultado é uma cerveja de coloração amarela turva, juicy, como manda o estilo, de creme branco de ótima formação e média alta retenção. No nariz, bastante frutado cítrico (maracujá e manga) e uma leve presença de harsh advinda dos Cryo-Hops de Citra e Amarillo – aparentemente. Na boca, uma pancada cítrica deliciosa no primeiro toque seguida de um harsh mais suave do que o aroma provoca e de um amargor deliciosamente limpo, 35 IBUs que não são a estrela aqui, mas sim o sabor caprichado e o equilíbrio. A textura é suave com discreta picância e, dai pra frente, surge um conjunto caprichadíssimo, com bastante cítrico e um leve harsch querendo incomodar até no final, amarguinho. No retrogosto, leve harsch, cítrico e doçura. Boa!

Continuamos em São Paulo, mas saímos de Cotia para Nova Odessa, onde fica a fábrica da Cervejaria Bergreen, responsável pela produção da cigana Landel, aqui representada pela Shepherd, uma American Wheat Ale que recebe adição de camomila e destaca o uso dos lúpulos El Dorado e TNT. Na taça, uma cerveja de coloração amarelo levemente palha com belo creme branco de ótima formação e média alta retenção. No nariz, floral, herbal remetendo a chá (com a camomila bem sutil), trigo e cereais. Na boca, doçura de trigo e de camomila no primeiro toque acrescidas de leve acidez seguida de floral, cítrico bastante suave e amargor bem suave. A textura é cremosa com leve picância metálica e uma discreta percepção sobre a língua de limão (novidade no percurso). Daqui pra frente, o limão se une a camomila e ao trigo na definição dessa boa American Wheat paulistana, que finaliza seca e condimentada. No retrogosto, limão e camomila. Gostei.

De São Paulo para o Distrito Federal, ainda que a cigana Micro X tenha produzida esta Tropicalista (da linha da chef Guga Rocha) em Ribeirão Preto. Trata-se de uma Fruit Beer que recebe adição de açaí e de cupuaçu, frutas típicas da região Norte brasileira. De coloração avermelhada desbotada meio alaranjada com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Micro X Tropicalista exibe um aroma com percepção de açaí em destaque além de floral, cupuaçu na retaguarda e leve doçura de trigo além de sugestão de azedume suave. Na boca, doçura frutada (puxada para frutas vermelhas) no primeiro toque se abrindo deliciosamente na percepção de açaí na sequencia, depois cupuaçu em um leve azedinho. A textura é levemente picante com acidez se destacando e um leve metálico. Daí pra frente, uma Fruit Beer um tiquinho mais rebelde do que se conhece do estilo (o que é bom), com açaí encantador, floral e cupuaçu. No final, acidez leve, secura e frutado. No retrogosto, açaí, doçura de trigo, floral e cupuaçu. Bem interessante.

A sexta cerveja da sequencia também vem de São Paulo, mais precisamente Indaiatuba, da Farm Escola Cervejeira, responsável pela produção desta colaborativa entre a brasileira Avós e a norte-americana Jack’s Abby, uma Imperial Pale Lager que recebe adição de tapioca, café e lactose e atende pelo nome de Good Morning Granny. De coloração dourada suavemente turva com creme branco de média alta formação e retenção, a Good Morning Granny apresenta um aroma com café verde em primeiro plano além de percepção discreta de láctico, doçura, malte tostado e herbal. Na boca, doçura rápida no primeiro toque com café verde surgindo no microssegundo seguinte, e aumentando a potência logo na sequencia, trazendo consigo herbal, chá e tosta de malte. O amargor é baixinho enquanto a textura é suave com picância baixinha. Dai pra frente, uma Imperial Pale Lager com bastante café verde, mas tapioca e lactose discretas. No final, amargor sutil com café verde. No retrogosto, mais café verde, chá e herbal.

Seguindo na estrada, agora saindo de São Paulo em direção a Campo Bom, no Rio Grande do Sul, casa da cervejaria Imigração, que marca presença com sua Citrus & Juice, uma American IPA que combina os lúpulos Citra, Mosaic, Cascade e El Dorado. Na taça, a Imigração IPA Citrus & Juice apresenta coloração dourada levemente turva (mas nada Juice, padrão do estilo New England IPA) com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, bastante cítrico (manga, abacaxi, laranja e tangerina) sobre uma base doce, mas não remetendo a malte caramelo, e levemente condimentada. Na boca, doçura cítrica deliciosa no primeiro toque, puxando para manga e tangerina, que surgem mais intensas na sequencia com leve condimentação seguida de amargor bem leve (56 IBUs, mas parece menos). A textura é cremosa, quase uma Cream Ale, com sensação de cryo hops e picância leve. Dai pra frente, uma bela (New) American IPA num custo beneficio caprichado finalizando com frutado cítrico delicioso e, trazendo no retrogosto, manga, abacaxi, tangerina e leve picância. Uma baita surpresa boa!

Do Sul do país voltamos ao interior paulista, mas agora em Araras, com a primeira Hausen Bier a marca presença por aqui, a Dunkel, uma Schwarzbier que já arrebatou medalhas no World Beer Awards, no Festival Brasileiro da Cerveja e na Copa Cervezas de América. Trata-se de uma cerveja de coloração marrom escura translucida de creme bege claro de boa formação e media alta retenção. No nariz, caramelo, tosta, café e chocolate ao leite bem suaves. Na boca, doçura caramelada com leve tosta no primeiro toque seguida de café bem suave e chocolate ao leite na sequencia. O amargor é baixinho (22 IBUs) e a textura é suave, quase cremosa. Dai pra frente surge um conjunto extremamente correto que entrega tudo o que estilo promete com chocolate, café, caramelo e tosta bem equilibrados, e quase nada dos 4.7% de álcool. No final, carameladinho e tosta bem suave, que se estende ao retrogosto.

De volta ao sul do país com uma colaborativa entre a Narcose, de Capão da Canoa (RS), com a Synergy, de Sorocaba (SP), a Half Blind Peach Gose, uma Gose com adição de pêssego. De coloração amarelo palha com creme branco de boa formação e média retenção, a Half Blind Peach Gose exibe um aroma cujo destaque é uma sugestão láctica que causa certa estranheza no nariz, dominado a atenção do bebedor. Na boca, porém, o conjunto surpreende desde o primeiro toque, com a doçura do pêssego se destacando para, logo na sequencia, brigar por espaço com a acidez, num conjunto que se mostrará bastante equilibrado, ainda que a salinidade seja baixa demais para o estilo. Sobre a língua, a textura exibe acidez leve e cremosidade. Dai pra frente, uma Gose levemente Gose, com pouco sal, muita doçura da fruta e bastante refrescancia. No final, secura seguida de adstringência suave. No retrogosto, acidez puxada para limão siciliano e pêssego mais refrescancia. Delicinha.

Do Rio Grande do Sul para Minas Gerais com a 10ª da sequencia, e mais uma receita produzida pela mineira Wäls especialmente para o Pão de Açúcar, que foi precedida pela Wäls 65 Anos Pão de Açúcar 2013 (uma Witbier que festejava a data do Grupo Pão de Açúcar) e pela Wäls 58 Anos Pão de Açúcar 2017 (uma Pale Lager que comemorava o aniversário do supermercado). Agora é a vez da Wäls 59 Anos Pão de Açúcar 2018, uma Session IPA com perfil definido pelos lúpulos Amarillo e Galaxy. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção, a Wäls 59 Anos Pão de Açúcar 2018 exibe um aroma com notas cítricas suaves sugerindo discretamente manga, tangerina e maracujá além de herbal, suave. Na boca, doçura cítrica e leveza no primeiro toque seguido de cítrico e herbal suaves e amargor baixo (os 35 IBUs declarados soam até muito, 25 está de bom tamanho). A textura é leve, com discreta cremosidade. Dai pra frente, uma Session IPA popular que segue a boa qualidade da Session Citra, também da Wäls, num bom custo beneficio. No final, secura com um toque cítrico e herbal. No retrogosto, um pouco de maracujá, tangerina e pinho, suaves e refrescantes. Boa.

Do Sudeste para o Nordeste, mais precisamente Fortaleza, que fecha essa série com uma colaborativa entre a cervejaria local 5 Elementos e a paulistana Cuesta, de Botucatu. Trata-se da Storm Mountain, uma Barley Wine envelhecida por cinco meses em barris antes usados para maturar Bourbon, que exibe uma coloração âmbar escura translucida com creme bege clarinho de baixa formação e rápida dispersão. No nariz, percepção antecipada dos 14% de álcool junto à doçura média de caramelo, madeira, laranja e coco, ambos bem suaves. Na boca, doçura caramelada suavemente alcoólica no primeiro toque com aumento de percepção de álcool e doçura na sequencia sem tantos acompanhamentos em um primeiro momento. A textura é sedosa, quase licorosa, com percepção e picancia de álcool bem suave. Dai pra frente segue-se um conjunto caramelado, com leve remissão a Bourbon, álcool presente (ainda que não de maneira que incomode) e final picante (de álcool). No retrogosto, caramelo, álcool e madeira. Boa, mas esperava mais.

Balanço
Abrindo os trabalhos com uma excelente Imperial IPL, a Quatro Graus Entertain Us!, cítrica, saborosa e citando Nirvana. Uou! A Blondine Circus é uma English IPA interessante, mas que surpreende pouco. Seguindo com a Molinarius Hoppiness 3.0, uma deliciosa New England IPA bem cítrica, e com a Landel Shepherd, uma American Wheat Ale bem gostosa, com um toquinho de Witbier. Do Distrito Federal, a Micro X Tropicalista é uma Fruit Beer interessante e provocante, ainda que a secura excessiva e a acidez tentem tirar o brilho do açaí, grande estrela da receita. Gostei. Já a Avós Good Morning Granny, o café verde domina todo o percurso e deixa migalhas de espaço para a lactose (a tapioca pouco aparece). Esperava bem mais no que soa uma decepção, ainda que com seu valor. Já a Imigração Citrus & Juice IPA eu não tinha tanta expectativa, mas foi uma surpresa das melhores, e com um custo beneficio incrível: bem cítrica, frutada, suave e refrescante. Quero mais. Já a Hausen Bier Dunkel é uma Schwarzbier correta e simplesinha. A Narcose & Synergy Half Blind Peach Gose exibe um aroma meio estranho, mas o gosto é bacaninha! Bacaninha também é a Wäls Pão de Açúcar 59 Anos, uma Session IPA leve e refrescante com Amarillo e Galaxy na linha da Session Citra. Já a 5 Elementos & Cuesta Storm Mountain é uma pancada de 14% de álcool que ainda traz caramelo e madeira suaves, mas não aprofunda tanto outras nuances. Ainda assim, bela Barley Wine.

Quatro Graus Entertain Us!
– Produto: Imperial IPL
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,81/5

Blondine Circus
– Produto: English IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 2,84/5

Molinarius Hoppiness 3.0
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 3,86/5

Landel Shepherd
– Produto: American Wheat Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,24/5

Micro X Tropicalista
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,22/5

Avós Good Morning Granny
– Produto: Imperial Pale Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,21/5

Imigração Citrus & Juice
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,1%
– Nota: 3,52/5

Hausen Dunkel
– Produto: Schwarzbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.7%
– Nota: 3,01/5

Narcose & Synergy Half Blind Peach Gose
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.7%
– Nota: 3,27/5

Wäls Pão de Açúcar 59 Anos
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,25/5

5 Elementos & Cuesta Storm Mountain
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 14%
– Nota: 3.72/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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