por Marcelo Costa
“Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock”, de Lobão e os Eremitas da Montanha (Radar Records)
Melhor definir alguns pontos antes de começar: posição política não significa qualidade artística, então o fato de Tico Santa Cruz ser “de esquerda” não faz do Detonautas uma boa banda tanto quanto Lobão ser o que é (seja lá o que for) não diminui a qualidade de uma bela discografia em que, tirando o período dos anos 80, em que praticamente qualquer um fazia sucesso (de Eletrodomésticos a Egotrip, de O Espirito da Coisa a “Meu Pipi no Seu Popo”), destacam-se discos sublimes como “Nostalgia da Modernidade” (1995) e “Canções Dentro da Noite Escura” (2005), seu último esforço criativo digno. Com a música deixada de lado pela verborragia política, nada mais oportuno que gravar um disco de (25) covers para levantar a carreira. Projetos assim deram certo com alguns artistas (Ira!, Inocentes, RDP, até Paulo Ricardo), mas tropeçou com outros (Titãs, Lilian e Biquini Cavadão). No caso de Lobão, sua “Antologia” atira para todos os lados, e acerta tanto quanto erra. Do lado vergonha alheia estão gritos cômicos para tentar convencer fãs de rock (cuja última novidade que ouviram foi Led e Pink Floyd) de que “rock é rock mesmo”, guitarras metalizadas e bateria atropelando melodias e letras até uma voz empostada muito acima dos instrumentos que soa, em muitos momentos, como se Pavarotti decidisse cantar Capital Inicial, Kiko Zambianchi e Legião numa gondola no Rio Tietê. Tristeza também são as revisões: “Esfinge de Estilhaços”, um “lado b” maravilhoso (ao lado de “Pobre Deus”, que felizmente ficou de fora desta antologia) do mal gravado “Cuidado!” (1988), perde sutileza e aposta na grandiloquência; já a emocional “Azul e Amarelo”, parceria sentimental com Cazuza presente em “Sob o Sol de Parador” (1989) e “Burguesia” (1989), mantém o arranjo, mas, como quase todo o disco, soa inferior a versão original. Por outro lado, merecem elogios as violas com sotaque caipira da introdução de “Planeta Água” e “Eu Sei” (infelizmente prejudicadas pela impostação vocal) e a porradaria caprichada de “Pânico em SP”, “Eu Não Matei Joana D’Arc” e “Vida Bandida” (praticamente ipsis litteris da original), com a voz melhor encaixada – se ignorar a intro, “Virgem”, de Marina, merece elogio também. Para um artista inquieto como Lobão parece pouco, mas para um influencer polêmico de rede social está bem ok. Porém, orra meu, respeitem a caducagem.
Nota: 5
“A Revolta dos Dândis: 30 Anos – Ao Vivo Pra Caramba”, Humberto Gessinger (Deck)
Com Humberto Gessinger não tem erro: dono de seu próprio caminho, o eterno Engenheiro do Hawaii segue empilhando clichês da música pop numa carreira de sucesso e shows lotados que permanece (há mais de 30 anos) a margem da critica musical culta (você já leu isso tantas vezes, né mesmo), mas enquanto os patos calam, Humberto passa (e acha graça) com mais uma festejada turnê. Desta forma, visando comemorar os 30 anos do disco que definiu para as massas o que eram os Engenheiros do Hawaii – o belíssimo “A Revolta dos Dândis”, de 1987 –, Humberto gravou, em dois dias de agosto de 2017 na capital Porto Alegre, a integra do repertório do álbum clássico com citações de outros sucessos seus (“Até o Fim” surge ao cabo de “Infinita Highway” enquanto “Piano Bar” traz, em seu cordão umbilical, “Refrão de Bolero”) e faixas completamente inéditas, um expediente que ele exercita desde o primeiro disco ao vivo dos Engenheiros, “Alívio Imediato”, de 1989. Passados 30 anos, é interessante perceber como as canções e arranjos de “A Revolta dos Dândis” continuam poderosos, seja nos hits tocados a exaustão (“Infinita Highway”, “Terra de Gigantes”, “Refrão de Bolero” – ainda que a última só tenha invadido as rádios muitos anos depois), sejam nos lados B que só os fãs mais atentos conhecem, números fortes como “Quem Tem Pressa Não Se Interessa” (que baita letra sobre ditadura e seus rescaldos), “Vozes” (um tema delicado sobre solidão e depressão), “Além dos Outdoors” (sobre globalização e hiper-informação ferrando as relações sociais) ou “Guardas na Fronteira” (que na versão original trazia Julio Reny) – o baterista Carlos Maltz se une novamente a Humberto na faixa “Filmes de Guerra, Canções de Amor”. As boas canções inéditas são cinco – “Das Tripas Coração”, “Saudade Zero”, “Cadê?”, “Pra Caramba” e uma parceria com Tiago Iorc, “Alexandria” (das frases “a gente queima todo dia mil bibliotecas de Alexandria / e eu não tiro a razão de quem não tem razão”) – mostrando que Humberto segue bastante à vontade numa estrada traiçoeira que já deixou muitos de seus pares no acostamento. Que venha a turnê de 30 anos de “Ouça o que Eu Digo: Não Ouça Ninguém”…
Nota: 7.5
“Dozes Flores Amarelas – A Ópera Rock”, Titãs (Universal)
Quando os três Titãs remanescentes (Branco Mello, Sergio Britto e Tony Bellotto) anunciaram em 2016 que estavam trabalhando numa ópera-rock (citando como referência “American Idiot”, do Green Day, e “Quadrophenia”, do The Who), o mundo pop não levou muito a sério e caçoou através das redes sociais. Ainda que o excelente “Nheengatu” (2014) tenha feito as pazes da banda com seus tempos áureos, uma ópera-rock soava um risco gratuito. Porém, apresentado ao vivo durante o Festival de Teatro de Curitiba 2018 e lançado oficialmente em três atos e 29 musicas em maio, “Dozes Flores Amarelas” está ai para quem se dispor a dar o braço a torcer (e discutir). Acompanhados por Beto Lee (que assumiu a guitarra assim que Paulo Miklos pulou fora do barco) e Mario Fabre (na bateria dos Titãs desde 2010!) além das cantoras Corina Sabbas, Cyntia Mendes e Yás Werneck com participação especial de Rita Lee (narrando introduções) e Jaques Morelenbaum (arranjos de cordas), “Dozes Flores Amarelas” soa (sim) um bom disco de rock, mas levanta a discussão sobre homens buscando o protagonismo em pautas femininas (o que, nesse caso, não soa agressivo nem oportunista – e o vídeo no Rock in Rio mais abaixo ajuda a entender o alcance do tema). Explica-se: a trama narra a história de três estudantes universitárias (Maria A, Maria B, Maria C, “interpretadas” tanto pelas cantoras Corina, Cyntia e Yás quanto por Branco, Tony e Sergio) que usam um aplicativo de celular para descobrir alguma festa para ir e, durante a noite, acabam violentadas por cinco colegas. Nesse contexto, uma das faixas mais fortes do primeiro ato, “Me Estuprem”, traz Sergio Brito cantando: “Me estuprem / A culpa é toda minha / Me desculpem / Me vestir assim / Me estuprem / Eu quis sair sozinha / Me desculpem / Por eu ser mulher”, e a canção (uma das melhores do álbum) funciona tanto como denúncia quanto reflexão. Entre os destaques (de um álbum que merece ser ouvido com atenção) ainda estão “Nada Nos Basta”, “Personal Hater”, “Essa Gente Tem Que Morrer”, “Canção da Vingança” e “O Jardineiro”. Talvez o resultado final soasse muito melhor no formato de disco conceitual, mas, do jeito que está, cumpre a função de lançar luz sobre temas que constantemente são ignorados, e precisam ser discutidos.
Nota: 8
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Entendo e concordo teoricamente com a explicação inicial. Dito isso, não há nada que me faça ouvir, ler ou ver esse senhor hoje em dia. Nem que seja o mais perfeito disco lançado no mundo. Afinal, há tanta coisa interessante pra se ouvir que dedicar tempo a essa coisa que se tornou esse senhor realmente não vai me fazer falta nem deixar lacunas. Mas sei que vc está certo. Só não é mais pra mim de jeito algum.
Meu lamento em relação ao disco do Humberto é o Carlos Maltz estragando os vocais de “Filmes de Guerra, Canções de Amor”, parece mal ensaiada.
Ficou estranha mesmo!
A capa do disco do Lobão mostra a Legião sem o Negrete – apesar de as duas músicas que ele toca serem da época em que a banda era um quarteto…
Boa sacada, Iuri!