Resenhas por Adriano Mello Costa
“O Circo Mecânico Tresaulti”, de Genevieve Valentine (Darkside Books)
“O Circo Mecânico Tresaulti” (A Tale Of The Circus Tresaulti, no original) apresenta um mundo pós-apocalíptico sem definição de tempo ou de lugar, onde a única realidade sabida é que guerras e mais guerras devastaram quase tudo e a humanidade regrediu anos e anos sem direito a tecnologia que experimentou em outrora e se esconde ou em pequenas vilas ou em cidades muradas protegidas a todo custo. A obra da escritora Genevieve Valentine foi lançada em 2011 e logo com esse primeiro romance já ganhou indicação ao prêmio Nebula relativo a livros de ficção científica e fantasia. Teve edição aqui pela Darkside Books e em 2016 saiu em outra versão, mais luxuosa e com capa dura (que a editora chama de “Limited Edition”) com ilustrações do brasileiro Wesley Rodrigues que servem para dar amplitude à obra, deixando que um pouco da imaginação se concretize mesmo sem revelar nada da trama. O primeiro terço do livro é um pouco arrastado enquanto a autora situa os fatos e os personagens e a maneira que conta a história sem amarrar tanto as coisas, acaba prejudicando o leitor mais preguiçoso. Contudo, a partir disso, a trama flui muito bem. Mesmo que se imagine onde tudo vai chegar, a maneira com que os personagens são construídos com seus dramas pessoais e histórias passadas, faz com que isso seja relevado. O circo comandado por Boss roda o mundo para conferir um pouco de esperança, alegria e paz em cenários tão tristes, ao mesmo tempo em que recupera pessoas prestes a morrer ou fugindo de algo para dar uma nova chance, uma nova vida, construída através do uso de engrenagens e ferramentas. Com as personagens femininas, mulheres fortes e decididas, dando o tom do livro, Genevieve Valentine cria um trabalho repleto de bons momentos.
Nota: 7
“À Sombra de Gigantes”, de Leandro Vignoli (Independente)
Em tempos de um futebol tão globalizado (e gourmetizado) onde é cada vez mais frequente um adolescente encher a boca afirmando ser torcedor do Real Madrid, do Barcelona, do PSG ou de quem quer seja no seleto grupo dos biliardários times do esporte, ainda assim existem aqueles que optam por um time menor, de tradição, que hoje está lá pela segunda ou terceira divisão e que vão para o estádio ver os jogos que (quase) ninguém mais quer ver. Isso acontece tanto em Madrid, Barcelona e Paris, quanto em Belém, São Paulo, Rio de Janeiro ou outra cidade do país. O futebol é algo inexplicável e mesmo com o clichê gasto que já cansamos de ouvir realmente não é só futebol. O jornalista gaúcho Leandro Vignoli, que usa o Twitter para de modo bem humorado ir contra os superlativos e excessos desse futebol tão alardeado do velho continente, se lançou no final de 2017 em uma campanha de financiamento coletivo para publicar um livro que narra 50 dias de viagem onde visitou 13 clubes em 10 cidades diferentes da Europa. No cardápio somente clubes que habitam a mesma cidade ou localidade de gigantes do mundo da bola. “À Sombra de Gigantes” tem 224 páginas e já nasce com status de leitura obrigatória para quem gosta de futebol, pois além de falar muito disso com o jeito de corneta do autor, é uma viagem também pela história e costumes de cada local. Ao assistir o Rayo Vallecano em Madrid pela segunda divisão da La Liga ou o St. Pauli pela segunda divisão da Bundesliga, Vignoli apresenta um passeio extremamente prazeroso em estádios históricos, torcidas apaixonadas e um futebol que insiste em sobreviver mesmo após cada venda de zagueiro mais ou menos por milhões e milhões de libras. “À Sombra de Gigantes” é um libelo de resistência.
Nota: 8,5 (https://www.facebook.com/asombradegigantes/)
“O Vendido”, de Paul Beatty (Todavia)
Morador de um subúrbio que simplesmente teve o nome apagado em Los Angeles, Eu (sim, esse é o nome do protagonista) começa a narrar os fatos de “O Vendido” direto da Suprema Corte dos Estados Unidos onde está para ser julgado por, entre outras coisas, reinstaurar (ou pelo menos tentar) a segregação racial em Dickens, o referido subúrbio. De início avassalador, com prosa rápida e mordaz, cheio de referências das mais diferentes áreas, “O Vendido” exibe em igual escala acidez e bom humor. Confronta o leitor constantemente com explanações sobre raça e identidade e derruba sem medo o fino manto que cobre a sociedade americana (e tantas outras) no que se refere a um racismo permanente e nem tão velado assim. Eu teve uma formação singular, para dizer o mínimo. Durante a infância não frequentou escolas, pois era a parte principal dos estudos e experimentos do pai, um sociólogo cheio de ideias bem incomuns. Após o assassinato do pai “por engano” pela polícia, começa a cuidar da fazenda da família investindo em frutas de sabor único, como também em novas espécies de maconha. Se junta a Hominy Jenkis, o mais famoso morador da localidade por ser o último astro vivo da série “Os Batutinhas” e com ele embarca no inusitado projeto que o levou até a Suprema Corte. “O Vendido” (The Sellout, no original) ganhou o prestigiado prêmio britânico Man Booker Prize de 2016 e seu autor, Paul Beatty, participou da FLIP de 2017 aqui no Brasil – também foi eleito Melhor Livro de 2017 na votação do Scream & Yell. Com 320 páginas, tradução de Rogério Galindo e publicação pela Todavia Livros, “O Vendido” é o tipo de obra que ao chocar e cutucar, enquanto diverte sabiamente, se coloca como extremamente necessária para o tempo em que habita.
Nota: 9,5
– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br