por Marcelo Costa
“Baby Driver – Em Ritmo de Fuga”, de Edgar Wright (2017)
Os primeiros segundos de “Baby Driver” são simplesmente sensacionais: de fones de ouvido e mãos no volante, um adolescente canta e interpreta (como se estivesse em um chuveiro) a potente “Bell Bottoms”, da Jon Spencer Blues Explosion, faixa que abre o clássico “Orange”, de 1994. Enquanto ele canta, seus três “amigos” saem do carro, atravessam a rua, invadem um banco, o assaltam e saem em ritmo de fuga validando o bestinha subtítulo nacional. Dai em diante é perseguição e fuga. Baby Driver é o nome do garoto, um ás do volante que precisa pagar uma dívida para um chefão do crime (Kevin Spacey, excelente) que organiza assaltos com os bandidos mais variados (estrelando Jon Hamm, Jamie Foxx e até o baixista Flea, do RHCP). A trilha continuará fenomenal durante toda a projeção (Beck, T.Rex, Bob & Earl, Carla Thomas, Beach Boys, The Commodores, Martha and the Vandellas e muito mais – ouça no Spotify) e se você desligar o botão do “deja vu” encontrará um filme divertidinho e absolutamente esquecível indicado a três (merecidos) Oscars: Montagem, Mixagem e Edição de Som. Nos mesmos moldes de “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, que Edgar Wright adaptou e dirigiu em 2010, “Baby Driver” repete clichês de uma centena de outros filmes e funciona como entretenimento fugaz enquanto dispara boas canções na trilha e participações especiais (tão esquecíveis quanto o próprio filme): Sky Ferreira é a mãe de Baby Driver, Jon Spencer é um dos guardas da prisão, Paul Williams (que criou alguns clássicos dos Muppets e até concorreu a Oscar por Melhor Trilha Sonora em 1976) é um policial corrupto enquanto os rappers Big Boi e Killer Mike trabalham na mesma lanchonete da amada de Baby. Para ver, sorrir, cantar e bocejar.
Nota: 6
“Corra!”, de Jordan Peele (2017)
Suspense inteligente com jeitão de filme B, não deixa de ser uma agradável surpresa a escalada de “Get Out!” (no original) nas bilheterias (custou US$ 4.5 milhões, arrecadou US$ 255 milhões) e premiações: duas indicações no Globo de Ouro, no SAG e no BAFTA mais cinco no Critic´s Choice e no Independent Spirit e quatro no Oscar (incluindo a de Filme do Ano, título que venceu na votação do Scream & Yell) mostram que o comediante Jordan Peele acertou a mão neste suspense atualíssimo que subverte os clichês do estilo para aprofundar a discussão sobre racismo na América. Em “Corra!”, o jovem fotógrafo Chris (Daniel Kaluuya, excelente) está se preparando para conhecer os pais de sua namorada, Rose (Allison Williams, da série Girls, também impecável), mas algo o incomoda: ele é negro, ela é branca, e ele não sabe como será recebido pela família da namorada. “Se pudesse, meu pai votaria no Obama pela terceira vez”, diz a garota, tentando acalma-lo. Peele (que se inspirou num esquete de Eddie Murphy de 1983 sobre o quão aterrorizante poderia ser o fato de ser negro e visitar a casa de uma família branca no subúrbio) então arremessa o público numa história exemplar de filme B, mas com a temática do racismo norteando a trama. O roteiro acrescenta alívios cômicos um tiquinho exagerados numa trama tensa, mas seu grande mérito, premiado no Critic’s Choice e indicado ao Oscar, é a construção, cena a cena, de uma ideia que será explorada na cena final, como se Peele tivesse feito todo o filme para jogar o racismo institucionalizado na cara do público: assim que a polícia chega à casa da família, presencia o cenário de uma chacina. Chris será culpado ou inocente? Antes que você pense em responder, Peele arremata o filme encerrando um dos grandes filmes da temporada de maneira genial.
Nota: 8
“Paterson”, de Jim Jarmusch (2016)
Paterson é uma pequena cidade do estado de New Jersey com uma população de cerca de 150 mil habitantes a cerca de 40 minutos de um dos epicentros do mundo, Manhattan, mas cuja vida dos moradores segue um ritmo totalmente contrário ao da correria desenfreada da Big Apple: Paterson, a cidade, é docemente bucólica, uma sensação que parece “contaminar” de paz seus moradores. Nesta peça cuidadosa moldada por Jim Jarmusch, o espectador acompanhará a rotina de um deles, o motorista de ônibus Paterson (sim, ele tem o mesmo nome da cidade), interpretado por Adam Driver, durante uma semana inteira. Assim, na segunda-feira, Paterson acorda, olha o relógio (ele não tem celular, por opção própria), ouve a esposa falar de um sonho, toma seu desjejum sob o olhar severo do cão da amada e parte para o trabalho. Antes de ligar o ônibus, arrisca alguns versos, que registra em um caderninho. No intervalo para o lanche, escreve mais alguns versos. Em casa, a esposa busca um vocação e se alterna entre pintar, fazer cookies e aprender a tocar violão. De volta a casa no final do expediente, Paterson arruma o poste do correio, que todo dia entardece torto, leva o cão para passear e bebe algumas cervejas… sempre no mesmo bar. Foi-se um dia na vida, e outros iguais virão a seguir. Na via contrária do acelerado “Baby Driver”, “Paterson” é calmo, lento, sutil e delicadamente deliciosamente poético. A poesia, inclusive, é um dos elementos chaves da narrativa, balizada não apenas na escrita de Paterson, mas também do renomado poeta local William Carlos Williams, e de uma garotinha que cruzará o caminho deste herói dos dias comuns. Jim Jarmusch exibe o encanto das coisas mais simples, algo que muitos acreditam ser raro no mundo moderno, e devolve ao espectador um filme que soa uma belíssima poesia.
Nota: 9
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne