por Marcos Paulino
Se você não trabalha com música, é muito provável que nunca tenha ouvido falar de Eric Silver, mas com toda certeza já ouviu alguma canção composta, produzida, tocada ou arranjada por ele. Norte-americano radicado em Nashville, a capital mundial do country, Eric tocou bandolim em um dos álbuns mais vendidos dos anos 90, “Come On Over”, de Shania Twain (com 40 milhões de cópias vendidas) e calcula que cerca de 120 composições suas tenham sido gravadas por artistas brasileiros.
Além de compor, ele também canta e toca vários instrumentos, além do bandolim, Eric toca guitarra, violino, banjo, contrabaixo e piano, e já trabalhou com pesos-pesados como Dixie Chicks, David Grisman, Cindy Lauper e Kim Carnes, além, claro, de Shania Twain. Nos anos 80, ao conhecer Almir Sater, apaixonou-se pelo Brasil e se tornou amigo também de Renato Teixeira, Sergio Reis e muitos outros. E produziu bandas como CPM 22, Fresno, NX Zero e Titãs, só para ficar em alguns exemplos.
Em 2012, Eric estreou solo com “When You’re Here”, que contava com a participação de Di Ferrero (NX Zero) e agora lança o álbum “Bridges, Friends and Brothers” (2016), no qual faz versões em inglês para clássicos caipiras como “Tocando em Frente”, que virou “Moving on”, e “Luar do Sertão”, rebatizada de “Moonlight in the Countryside”. Entre as participações estão nomes como Paula Fernandes, Sergio Brito (Titãs) e, claro, a trinca Sergio, Almir e Renato. Nesta entrevista, Eric fala mais sobre o projeto.
Em 2012, quando lançou “When You’re Here”, você disse que, apesar de ter uma ligação estreita com Nashville, sua música pendia naturalmente para o pop, já que seu timbre e suas melodias não combinavam com o country. Agora, você apresenta um álbum com uma temática bem voltada ao mundo rural. Você mudou de ideia?
Acho que meu álbum é muito mais folk do que country. Chamo de folk pop, mas as melodias e letras são do Brasil. Eu não conseguiria cantar como um artista country de hoje. O novo álbum está mais acústico, tem pouca bateria, é meio indie. É bem diferente a visão que os brasileiros e os norte-americanos têm do que é música country. O meu estilo é mais parecido com o do James Taylor, que é meu herói, do que com o country, que hoje em dia é como o sertanejo universitário, mais pesado, mais agitado. Não queria fazer algo parecido com o que tinha feito no primeiro álbum. O Almir, o Sergio e o Renato me sugeriram músicas, e eu quis gravar no meu estilo, como se fossem minhas.
Então o que te fez escolher as músicas que entrariam no disco foi apenas o seu gosto? Ou você procurou seguir alguma linha?
Não vou dizer que foi sem direção. Pedi a cada artista ideias, sugestões, e aí fui pesquisar a história de cada música. Engraçado que todos me diziam que, se fossem eles, não gravariam “Romaria”, ou “Vida Boa”, ou “Luar do Sertão”. Porque há pessoas que pensam nessas músicas como hinos, e poderiam pensar que eu tinha estragado. O [autor] Victor [da dupla com Leo], por exemplo, nunca tinha dado permissão pra ninguém gravar “Vida Boa”. Mas gravei como um desafio, e ele adorou. Só o Almir não tinha sugerido nada e nem queria cantar em “The Guitar Player Plays (“Um Violeiro Toca)”, porque ele gosta da minha voz. Mas no fim cantou. O que mais me preocupou mesmo foi a tradução.
Qual a maior dificuldade que você encontrou pra traduzir essas músicas tão brasileiras para o inglês, de modo que o norte-americano entenda esse universo caipira?
As palavras que não existem em inglês, como berrante, jiló e sertão. Então jiló mudei pra alguma coisa amarga. Mas, em “Romaria”, que não é só uma canção, é uma história, decidi deixar o refrão em português, porque talvez ficasse brega. Cheguei a passar a letra inteira pro inglês, mas não achei legal. É impossível mudar uma imagem tão forte como de Nossa Senhora de Aparecida para o inglês. Já “Luar do Sertão” tem uma linguagem bem antiga. Então meu modo de trabalhar foi, primeiro, fazer uma tradução literal, palavra por palavra. Depois fui colocando rima e ritmo. Não foi rápido, cheguei a demorar duas semanas numa canção.
E você acha que um norte-americano, mais do que a letra, consegue compreender o universo em que as histórias se passam?
Claro. A música country começou do mesmo jeito, quando era chamada de country and western, porque era do oeste do país, onde os caubóis trabalhavam. Até hoje há quem use essa expressão. O nosso oeste é o nosso sertão, e esse universo sempre existiu nas músicas. Essa parte não foi complicada, o difícil foi achar palavras pra traduzir sertão, porque ela traz consigo muitas imagens. Mas no final gostei. Tenho muitos amigos daqui que falam inglês e conhecem as músicas e me disseram que gostaram, que guardei as três coisas básicas: significância, melodia e suavidade. Foi um processo muito interessante, mas não quero fazer todo dia, porque é muito cansativo. [Risos]
Na maioria das músicas, você manteve o clima da versão original. Mas em “Menino da Porteira” a mudança foi radical, ela virou um country pesado. Por que você decidiu por essa releitura?
Tentei, do meu jeito, reconstruir um pouco cada música. É quase impossível melhorar alguma coisa que originalmente foi feita muito bem, que fez muito sucesso. No caso de “Menino da Porteira”, como eu e Sergio somos muito amigos, sabia que ele iria gostar se fizesse algo diferente. Ele é muito flexível, gosta de improvisar. Comecei minha carreira tocando bluegrass, tocava rabeca, bandolim. Nessa faixa, só não toquei bateria. E nesse álbum queria criar um arquivo da minha carreira, com instrumentos que tocava lá na minha infância.
O Sérgio, o Almir e o Renato gravaram juntos em “Epitáfio”. Trata-se de um registro inédito das três vozes. Como você conseguiu?
É, foi a primeira vez. Tenho muita amizade com os três. O Almir raramente grava coisas fora da carreira dele. Tive essa oportunidade de colocar os três juntos, mas não queria escolher uma música deles, pra não parecer que estava dando mais atenção pra um do que pros outros. Como já tinha gravado “Epitáfio”, que é um clássico, anos atrás com o Sergio Brito, então pensei que poderia ser bem interessante colocar todo mundo junto. Até a esposa e a enteada do Sergio [Reis] cantaram. Foi uma homenagem, porque a música é sobre vida. Pra mim, fez sentido colocar todos nós juntos.
Ao que consta, você tem cerca de 120 músicas gravadas por artistas brasileiros. Mas se é bem conhecido dos músicos, ainda não é pelo público. Você pensa em mudar essa situação?
Todo mundo quer que seu trabalho fique conhecido, mas não estou preocupado com fama. Quero fazer shows, que mais gente conheça meu trabalho. Isso é alimento para o ego. Mas não sou rico, não tenho como parar de trabalhar como produtor. Mesmo assim, hoje estou fazendo menos trabalhos no geral e colocando mais foco no meu. E também nos projetos em que estou ajudando o Almir e o Renato. Porque só tem 24 horas no dia. [Risos]
Você vai fazer shows com esse novo repertório?
Estamos planejando isso agora, mas esse é o foco pra mim. Temos ciclos na vida, e quando comecei a trabalhar como músico, era tudo show ao vivo, nos Estados Unidos. Mudei pra Nashville e fui fazer turnê com outros artistas tocando nas bandas. Depois, até os anos 90, fiquei compondo, trabalhando nos estúdios, com produção, gravações. E chegou um momento em que comecei a sentir falta de tocar ao vivo, com a energia do palco, as coisas que acontecem na hora, sem planejamento, uma coisa bem legal que só acontece no palco. Não quero viver o resto da minha vida trancado entre quatro paredes, gravando sem interação com pessoas. É muito legal a energia que você recebe imediatamente na interação com o público. Por muitos anos, gravei coisas do NX Zero ou do Fresno, e todos falando que foi um sucesso, mas fiquei em meu mundo. Não sabia como era até fazer um show com o NX Zero, quando eles fizeram 10 anos de banda, e pela primeira vez vi essa reação das pessoas. Se for possível, quero ir a cada final de semana pra uma cidade mostrar meu trabalho.
– Marcos Paulino é editor do caderno Plug (www.mundoplug.com), da Gazeta de Limeira.