Entrevista: o “Zeitgeist” de Phillip Long

por Renata Arruda

Quando entrevistei Phillip Long para este site três anos atrás, ele “só” tinha dois discos em seu currículo: “Man on a Tightrope” (2011) e “Caiçara” (2012). De lá pra cá, o músico natural de Araras gravou outros sete álbuns, assinou com um selo e rompeu com o folk que marcava seu trabalho, se voltando para as bandas inglesas dos anos 1980 ao compor “A Blue Waltz” (2014). Segundo o músico, seu “modo de produção industrial” se deve tanto a uma inerente ansiedade – que faz com que em quatro meses ele já tenha conseguido compor, produzir, gravar e lançar um álbum – quanto ao fato de, até então, ter permanecido como um músico de estúdio, sem sair em turnês ou trabalhar muito cada um de seus registros.

E, além de seus próprios trabalhos, Phillip ainda encontrou tempo para participar de diversos tributos com versões bem-sucedidas, como a de “Sentimental”, que contou com mais de 315 mil downloads e foi elogiada pelos próprios Los Hermanos, além de “Como Nossos Pais“, de Belchior, e “Terra de Gigantes“, do Engenheiros do Hawaii, estas últimas em coletâneas promovidas pelo Scream & Yell. Ele avisa, porém, que as coisas agora serão um pouco diferentes: a ideia é lançar um disco por ano e, com o apoio do selo Grama Records, conseguir levar suas músicas para respirar nos palcos pelo Brasil afora.

O álbum da vez é também aquele que pode ser considerado o seu melhor: “Zeitgeist”, produzido por Eduardo Kusdra e disponibilizado gratuitamente em seu site oficial para download (www.philliplong.com.br) e em todas as plataformas de streaming em julho deste ano, volta a flertar com o folk, mas mantém o rock dos Smiths e da Legião Urbana como base principal, criando uma atmosfera que é assumidamente referencial ao mesmo tempo em que possui identidade própria. Com a dica dada já no título, em “Zeitgeist”, Phillip Long buscou abordar assuntos que refletem o momento social e político em que vivemos, abordando temas como homossexualidade, machismo, identidade de gênero e opressão. “Quero contar a nossa história, mas a verdadeira, aquela que acontece nas ruas. Não acho justo e nada transformador, considerando tudo que estamos vivendo em termos políticos e sociais, que o ‘artista’ brasileiro siga dizendo amenidades”, afirma.

Percebendo que, provavelmente devido às letras em inglês, alguns de seus fãs pareceram não entender a mensagem contida em “Zeitgeist” (como o episódio em que ao trocar sua imagem de perfil no Facebook por uma com as cores do arco-íris, símbolo do orgulho gay, um seguidor mandou uma mensagem privada dizendo que ele “poderia ser curado” e que iria bloqueá-lo), Phillip já começou a dar forma ao que será seu décimo disco – mantendo os mesmos temas, mas em português (“Comecei a pensar se o meu posicionamento estava claro o suficiente. É lógico que não espero que as pessoas sejam obrigadas a compreender um idioma estrangeiro, sou eu quem tem que quebrar isso e começar a cantar em minha língua materna”).

Em uma conversa que virou a madrugada, Phillip Long falou sobre este espírito do nosso tempo, o que pensa sobre a produção musical brasileira atual, o convite que recebeu para participar do programa “The Voice” e sua relação com a música. Confira a seguir:

Bom, eu queria começar falando sobre essa guinada no seu som. Você começou fazendo um folk fortemente influenciado por Bob Dylan, mas seus álbuns mais recentes, “A Blue Waltz” (2014) e o recém-lançado “Zeitgeist” (2015), já têm o rock dos anos 80 como maior referência. Para o próximo você manifestou o desejo de fazer diferente, talvez post rock. Como foi que se deu essa mudança?
Acho que isso foi acontecendo de forma gradativa. Eu havia explorado muita coisa dentro do universo folk e senti que isso estava de certa forma me limitando, eu queria me mover, sair da zona de conforto e ampliar as referências. E isso não significa que o folk morreu em mim ou que perdeu a importância, eu volto a fazer folk quando terminar o que tenho para fazer aqui, nesse momento. Tem sido incrível testar novas possibilidades.

Mas até que o “Zeitgeist” mantém a influência do folk, o que o “Blue Waltz” não tinha tanto. Rolou algum incômodo com a possibilidade de ficar rotulado apenas como “cantor folk”?
Sim, o “Zeitgeist” ainda flerta com o folk, mas já não é como antes, onde tudo respirava folk e a instrumentação era basicamente voltada para o violão. O “Blue Waltz” é um disco de ruptura e esse é um disco de transição. De verdade não tenho problema com o rótulo de cantor folk, isso não me incomoda nem um pouco. O lance dessa transição é uma questão pessoal mesmo, eu tenho buscado evoluir em cada disco, encontrar novas formas de dizer as coisas, novas atmosferas, é um pacto que tenho comigo, enquanto compositor. E acho que é por isso que faço tanta coisa, porque estou sempre procurando por algo.

E como foi a concepção do “Zeitgeist”? No “A Blue Waltz” você dividiu a coprodução com Enzo Petrucci e Danilo Carandina, rompendo pela primeira vez a tradição de trabalhar com Eduardo Kusdra. Na época você me disse que tinha chegado o momento de ambos trabalharem em outras frentes, mas no “Zeitgeist” a parceria está de volta.
É, no fim acho que a gente se ama demais para não trabalharmos juntos. Comecei a pensar o “Zeitgeist” sozinho e chamei o Eduardo para ajudar nas gravações, no fim estávamos de volta. Trabalhar com o Kusdra é algo que eleva o meu ritmo, ele força os meus limites e adoro trabalhar com gente assim. Ambos somos compulsivos e profundamente apaixonados por essa coisa de se fazer música. No “Zeitgeist” resolvi deixar de falar apenas da minha perspectiva e passei a falar sobre o outro. Como a vida na nossa geração afetava as pessoas, daí a escolha do título e todo o resto. O Jocê Rodrigues e o Ebbios Lima abraçaram a causa e foram os responsáveis pela identidade visual do disco que tem como principal referência à obra de Bauman. Foi um disco melhor elaborado, admito, nós pensamos melhor em todas as coisas, pensamos melhor nas atmosferas, nos detalhes.

Foi trabalhado com mais calma?
Sim, foi trabalhado com muito mais calma. Meus discos costumam levar de dois a quatro meses para ficarem prontos, contando desde o processo de composição até as gravações, mixagem e masterização. É bem acelerado e quando a gente conta isso, muita gente não acredita. O “Zeitgeist” levou nove meses.

O álbum foi lançado há pouco tempo e você já vem mostrando material do próximo nas redes sociais. Vendo isso, eu me lembrei do Momo contando que quando termina um disco, ele perde o sentido para ele, como se apagados da memória. Com você também é assim, quando finaliza um álbum sente que o trabalho foi encerrado?
Exatamente. Quando finalizo o disco, aquela história está contada, mas a vida segue e continuo tentando resolver coisas em mim e só a música me salva disso, então já começo a trabalhar de novo e de novo. Música é a coisa mais importante da minha vida. O fato de até então eu nunca ter feito uma turnê ou trabalhado um disco de verdade, contribuiu para que eu pudesse agir assim, pensando em disco atrás de disco, como antes não havia um trabalho específico em minha carreira, não havia um planejamento, eu pude fazer coisas como fiz em 2012 quando lancei quatro discos. Hoje ando bem mais tranquilo, considerando que o disco em português que anunciei recentemente, só sairá ano que vem.

E dessa vez, você pensa em sair em turnê e trabalhar melhor esse disco? Aproveitando o gancho, queria saber também se você não acha arriscado que, em um cenário em que a todo o momento um artista está lançando um trabalho à distância de um clique, o álbum não tenha tempo de maturar e o público em geral possa se sentir um pouco sobrecarregado de informação, sem conseguir digerir as músicas o suficiente?
Para o “Zeitgeist”, o Grama Records tem planejado uma turnê, sim. Devo tocar em alguns lugares que nunca pude antes e isso pra mim é algo bem diferente, tendo em conta que nesses últimos anos me especializei em gravar canções, então pouco levei meu trabalho para respirar em palcos. Acho que não falei pra ninguém, mas há duas versões alternativas de canções do “Zeitgeist”. Uma versão acústica de “Lake Of Lovers” e uma versão que pende mais para o eletrônico de “Going With The Wind”. Eu ando me segurando para não divulgar. Sobre o lado comercial, as coisas se tornaram mais palpáveis agora que estou em um selo, existe um planejamento a fim de explorar melhor o meu trabalho. Então, sim, a ideia é chegar a mais pessoas, fazer mais shows e conseguir sobreviver. Fazer música é sempre um risco, durante esses quatro anos trabalhando com isso cheguei a conclusão que é preciso trabalhar bastante, se tivesse lançado um disco por ano, por exemplo, talvez eu nem existisse mais. Acredito muito que a cada nova produção você mantém a chama viva e segue dando passos. Se você não tem a grife que alguns artistas da cena possuem você tem que se sobressair de outra forma e trabalhar muito é o caminho mais viável.

Então a cada lançamento os laços com o seu público se estreitam mais?
Sim, a cada lançamento eu os trago pra mais perto e me aproximo na mesma proporção. Nós vamos criando um pacto e um ritual.

Inclusive você tem uma histórias bonitas sobre o carinho dos fãs, não é?
Sim, agradeço todos os dias por essa comunicação. Quando você se coloca verdadeiramente nas coisas que você faz você cria essas pontes, essas trocas. E essas trocas são o que fazem a luta valer a pena.

Ainda sobre o volume de composições, como é seu método de criação? E como você decide o que merece ou não entrar no álbum?
Crio de forma completamente terapêutica, curo as minhas feridas, de verdade. Hoje mesmo eu estava com o violão e essa semana foi um verdadeiro desastre, mas hoje quando peguei o violão e comecei a escrever sobre tudo, por um momento nada mais era pesado, eu estava tranquilo enquanto dizia as coisas mais difíceis para mim. Estava iluminando os meus quartos escuros, essa é a única salvação que conheço. A música ainda vai me colocar no lugar, a música e o amor verdadeiro. Sobre a seleção de material, nunca vetei uma música, todas as canções que escrevi foram gravadas e entraram em discos. Quando começo a escrever não costumo escrever uma música, penso logo em disco, vou escrever um disco e é isso que faço. Preciso contar essa história, esse momento, isso que estou sentindo.

Não há nada que não te agrade o suficiente na hora de pensar um álbum ou que você olhe pra trás e pense, “essa podia ter ficado de fora”?
Tem coisas que não me agradam, sim. Quando já não começa bem descarto, nem chega a ser música de verdade, corto no início. Hoje quando ouço meus discos (em raros momentos) sempre penso que podia ter feito algo melhor, podia ter editado uma letra, ter explorado uma outra ponte, mas no fim sempre compreendo que aquilo faz parte da história, e é tão importante quanto todo o resto.

Você não costuma ouvir suas músicas?
Ah, não gosto de ouvir não. Wou muito exigente comigo e sempre vou encontrar algo para melhorar. Escuto durante o processo de gravação e tudo mais mas depois disso não costumo ficar me ouvindo não.

Tem algum dos seus discos que é o predileto?
Eu amo o “Gratitude” (2013), é o meu predileto, na parte musical e na ideológica também. É um disco que narrou meu dia a dia com uma pessoa extremamente importante pra mim, um diário sobre esse encontro.

Recentemente você revelou ter sido convidado para participar do The Voice, mas não aceitou? Pode contar essa história?
Não aceitei participar do The Voice porque não acredito na proposta e, principalmente, porque não podia ser hipócrita e mentir para as pessoas que se envolveram comigo e com meu trabalho. Não podia ser uma mentira, não é isso que defendo. Faço música para o coração, para o espírito, acredito que isso muda as coisas, o amor muda as coisas. The Voice não se preocupa com esse tipo de coisa.

Então você vê esses programas televisivos basicamente como a promoção de uma mentira?
Sim, não acho que esses programas tenham preocupação com a transformação e com a arte. Aquilo é mero entretenimento, é um jogo, um esquema. Tem exposição? Tem. Mas não tem verdade. Quero que minha música chegue completa e minha mensagem seja ouvida por quem precisar, sem intermediários, formatos, versões ou outras coisas que não condizem com o que digo.

Vou te fazer uma pergunta que eu já fiz para o Onagra Claudique, em entrevista publicada neste site. Enquanto eles fizeram um álbum mais heterogêneo, que aponta para vários caminhos, você diz que, ao compor, não pensa em uma música, mas no disco todo. Você acha que ainda faz sentido o conceito de álbum hoje em dia com o download e os serviços de streaming, em que o ouvinte pode selecionar suas faixas preferidas em playlists ou ouvir tudo em modo aleatório?
De verdade, fazer música hoje em dia quase já não faz mais sentido. Amar alguém pra vida hoje em dia quase já não faz mais sentido, mas tem gente louca o suficiente para acreditar que faz. Eu sou um desses. Ainda tento fazer aquilo que acredito. Cresci ouvindo discos, isso foi muito importante pra minha formação. Tomei um pé na bunda e corri pro “Blood On The Tracks”, tinha um sujeito ali dizendo tudo que eu queria dizer, era uma história. Quando me apaixonei pela primeira vez eu ouvia sem parar o “Pet Sounds”, aquilo era a minha bíblia. Esse tipo de conexão com um trabalho é muito verdadeira. Não sou tão old school a ponto de resistir a toda e qualquer mudança do mundo, mas algumas coisas ainda gosto de preservar porque acho um absurdo de lindo. É um ritual particular, as pessoas podem fazer o que elas quiserem depois disso, podem separar as faixas, misturá-las, mas pra mim aquilo é uma história violentamente verdadeira.

Foi com isso em mente que decidiu dedicar o “Zeitgeist” às pessoas que se sentem sozinhas”?
Sim. Sempre me senti muito sozinho, nunca fui o garoto popular, era o baixinho com nariz grande, praticamente invisível, o ensino médio quase acabou comigo. Tive que encontrar uma forma de existir e a música fez isso comigo. Em “Nothing Happens”, faixa do meu primeiro disco, falo sobre isso, sobre se sentir completamente invisível. E ao longo desses quatro anos senti que as pessoas que se relacionavam com o meu trabalho também sentiam essas coisas, acho que o pilar fundamental da nossa troca é isso, a gente não se sente tão sozinho quando a gente compartilha nossas experiências. Então fiz esse disco e dediquei a eles porque é a forma mais bonita que conheço de retribuir a comunicação e o entusiasmo com que eles carregam a nossa bandeira.

É uma mensagem muito bonita, ainda mais quando a gente olha as letras, que falam de homossexualidade, machismo, opressão, inadequação. A gente não tem visto muito esses temas na chamada música popular brasileira atual.
Poxa, Renata. Isso foi direto no coração. Você foi a primeira pessoa a falar sobre isso do “Zeitgeist”. Eu andava até meio grilado porque parecia que ninguém tinha sacado que eu estava falando de outras coisas.

É interessante você tocar nesse ponto da mensagem, porque eu ia mesmo perguntar sobre a batida questão do idioma. Será que as letras em inglês ainda podem ser uma barreira para a mensagem chegar? Pensei nisso depois de você ter compartilhado uma mensagem privada de um seguidor que criticou seu posicionamento a favor do casamento igualitário, que aconteceu justamente na época em que você estava lançando o “Zeitgeist”.
Nesses últimos meses me questionei muito sobre isso. Principalmente por conta desse episódio que você citou. Comecei a pensar se estava claro o suficiente para quem acompanhava meu trabalho o que eu estava dizendo, o meu posicionamento. É lógico que não espero que as pessoas sejam obrigadas a compreender um idioma estrangeiro, sou eu quem tem que quebrar isso e começar a cantar em minha língua materna, mas costumo ser veemente quando defendo as coisas que acredito nas minhas redes sociais, não fico em cima do muro. Então por conta disso resolvi dar um tempo com o inglês. Já escrevi quase todas as canções desse disco que será totalmente em português e ele vai sair o ano que vem. As letras são políticas e falam sobre tudo isso que já falei no “Zeitgeist”.

A respeito da situação da música brasileira, você fez uma declaração bem contundente, dizendo que “há pouquíssimas coisas que verdadeiramente significam algo na música autoral brasileira de agora. Quase tudo cheira a engodo. Onde é que está a verdade capaz de nos transformar? Não é uma questão de estética, é uma questão de verdade. Ninguém está contando a nossa história”. Com o “Zeitgeist”, parece que também com o próximo, sua intenção é tentar contar essa “nossa história”?
Totalmente, quero contar a nossa história, mas a verdadeira, aquela que acontece nas ruas. O compositor popular deve ser um cronista do seu tempo, deve empunhar uma bandeira. Não acho justo e não acho nada transformador, considerando tudo que estamos vivendo em termos políticos e sociais, que o “artista” brasileiro siga dizendo amenidades. Colocando isso em um contexto mais óbvio e claro: mulheres são assassinadas, homossexuais são apedrejados em praça pública, gente que se mata por se sentirem inadequados, líderes religiosos comandando hordas contra tudo que é diferente, uma guerra ideológica super pesada batendo em nossas portas e a gente falando sobre amenidades? Nós estamos perdendo gente aqui, e abandono é coisa muito séria.

Você também disse que “na música brasileira moderna é necessário ter talento pra oferecer anestesia e não reflexão”. Isso pode ser um reflexo do nosso tempo, de bombardeamento de informação e entretenimento excessivo, que pode fazer com que as pessoas se sintam um pouco desorientadas e acabem se voltando para si mesmas ou rumando para o escapismo?
Sempre tenho fé nas pessoas. Acho que as pessoas são doutrinadas a não olhar para dentro. E a gente vai vivendo nessa superficialidade toda até ter uma crise, porque a gente sempre acaba em crise quando não cuida da parte interna. Acredito que o tato com a vida de agora, essa questão do bombardeamento de informação e entretenimento, da dissolução dos laços, do jogo rápido, vai nos arrastando tanto para essa superfície que vai ficando cada vez mais impossível não se jogar do oitavo andar. Nós estamos começando a entrar em crise e a crise aponta uma solução.

Que crise seria essa?
Um colapso total dos nossos sentidos, talvez? Algo como começarmos a vomitar tudo que soterramos de uma vez só. Um colapso da forma como pensamos a sociedade. Não dá pra seguir num ritmo tão acelerado quanto esse por mais tempo sem causar dano algum a nossa psique. Nós estamos arrasados.

Você vê algum paralelo entre este “colapso da forma como pensamos a sociedade” e o aumento da intolerância?
Penso que a intolerância e o conservadorismo no país não aumentaram, na verdade isso sempre existiu nesse mesmo nível, o que acontece é que agora eles vieram para a luz, saíram da escuridão. E nós sabemos onde eles moram e as festas que eles frequentam. Nós começamos a mostrar o que realmente somos e eles começaram a mostrar do que são feitos. E sim, tem um profundo paralelo com o colapso da forma como pensamos sociedade.

E quem são os artistas de hoje que você admira?
Sobre artistas que admiro, tem um cara que talvez seja desconhecido pra muita gente mas que mora no meu coração porque é verdadeiro, ele é o Rafael Elfe. Mas a vida pra gente verdadeira como ele é sempre dura. É preciso ter a tão famigerada “grife”.

Voltando ao disco, “Tired of Being a Boy” fala sobre papeis de gênero e a vontade de romper com eles. Existe algo de autobiográfico nessa faixa?
Sim, é completamente autobiográfica. Desde muito cedo aprendo sobre isso, meus pais sempre foram os melhores nessa questão. Graças ao universo cresci em uma casa onde isso pouco importava. O conceito de gênero limita tudo, é um desastre total, você fica preso dentro de um estigma que não permite se auto conhecer, você já vem pro mundo todo embalado e engessado. Nos últimos três anos me relacionei com uma pessoa que me fez expandir em todos esses aspectos, ela me ajudou muito romper com tanta coisa. Essa canção veio muito desse encontro e do que me proporcionou. Essa coisa mata as pessoas.

Mas apesar dos temas pesados, o álbum também tem um lado mais pra cima, em faixas como “Happiness Comes by Morning” e “Moonchild”, que me chamaram a atenção pela semelhança com os Smiths. Foi intencional?
Sim, é referencial. Eu sempre carreguei minha música de referências, não foi diferente dessa vez. Smiths tem sido a maior nesse momento. Essas duas canções são bem mais pop do que o resto do disco, é uma tentativa de fazer algo que fosse mais dançante, triste, mas dançante. São duas canções completamente governadas pela linha de baixo, que era uma coisa que eu queria muito, que as linhas de baixo mandassem nas músicas.

E quais são as outras influências do “Zeitgeist”?
Bauman foi uma referência enorme no conceito, o conceito de liquidez. De como a gente acessa as pessoas por esses portais, essa virtualidade, a gente perde o contato real com as coisas e com as pessoas, essa coisa dos laços. Tem também uma coisa de Legião Urbana, eu andava escutando muito “A Tempestade” e isso me atingiu muito. Acho um disco extremamente lindo.

Falando sobre os shows, você disse que pretende sair em turnê, e até já tem algumas datas marcadas (06/09 em Belo Horizonte; 12/09 em Araras). Com tanto repertório, o que você pretende priorizar nesses shows?
Nossa. Isso tá sendo um problema gigante, nós montamos uma banda e estamos tentando mesclar um set acústico com o elétrico. Tenho muita vontade de tocar as coisas novas, de repente até tocar algumas desse em português. Vai ser um apanhado geral daquilo que é especial para os fãs.

Nesses quatro anos foram poucas as oportunidades que você teve de fazer shows. Muitos artistas costumam se mudar para a cidade de São Paulo, onde encontram maiores oportunidades. Você acredita que no futuro acabe precisando ir também? Tem essa vontade?
Talvez aconteça de ser necessário ir pra lá um dia desses. Por enquanto estou evitando, sou do interior, tenho medo de cidade grande, dizem por aí que elas engolem a gente.

– Renata Arruda (@renata_arruda) é jornalista e assina o blog Prosa Espontânea. A foto que ilustra a entrevista é de Ciro Bertolucci

Entrevistas:
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