Bandas e músicos que viraram personagens de histórias em quadrinhos

texto de João Pedro Ramos

Na minha adolescência, lá nos anos 1990, música e quadrinhos eram dois dos meus principais focos da vida. Ora estava com os olhos vidrados na MTv para assistir o clipe novo do Aerosmith no Disk MTv, ora correndo até a banca para descobrir se o Bane realmente ia quebrar a coluna do Batman. Por mais que eu não imaginasse na época, os dois focos têm muito em comum e se interligaram por diversas vezes.

O rock, em particular, sempre flertou com o universo das HQs. Seja por meio de mascotes icônicos das capas de álbuns, como Eddie, do Iron Maiden, ou de álbuns conceituais que contam histórias cinematográficas, como as criações de Coheed and Cambria, o gênero é um terreno fértil para o mundo dos gibis. Além disso, muitos artistas do rock possuem uma abordagem quase mitológica de sua imagem, o que facilita (e muito) a transição para os quadrinhos. Personagens como Alice Cooper e Kiss já eram praticamente figuras de quadrinhos antes mesmo de ganharem suas próprias histórias.

Nos últimos dois anos, a editora gaúcha hipotética colocou vários títulos musicais no mercado, como “Deusas do Rock”, de Barbi Recanati, e “Nick Cave: Piedade de mim”, que Reinhard Kleist escreveu sendo aconselhado pelo próprio bardo austrliano, entre outros. A seleção abaixo flagra alguns títulos “mais antigos”. Confira algumas das mais memoráveis parcerias entre a música e os quadrinhos, que vão do punk nacional ao heavy metal global, passando até por uma inusitada incursão de uma dupla que você deve conhecer:

RATOS DE PORÃO

O Ratos de Porão foi pioneiro no Brasil ao unir punk e quadrinhos com a RDP Comix. Lançada nos anos 1990, a HQ nasceu da colaboração com o quadrinista Francisco Marcatti, conhecido por seu humor ácido e escatológico (que também tinha sido responsável pela clássica arte da capa do disco “Brasil”, do Ratos). O primeiro volume adapta músicas como “Vídeo Macumba”. Já o segundo número narra as desventuras da banda em histórias fictícias. Em 2016 e 2018, Marcatti relançou o material em edições comemorativas, garantindo que essa obra cult continuasse acessível a novos fãs.


PLANET HEMP

No auge do sucesso, o Planet Hemp foi personagem da revista “Hemp Family Comix”, lançada em 1997 pela Taquara Editorial. A publicação transformou os integrantes da banda em personagens principais de aventuras cheias de psicodelia, enquanto explorava temas como a legalização da maconha, repressão policial e questões sociais que permeavam as letras do grupo. A revista tinha uma pegada mezzo fanzine, mezzo Chiclete com Banana, incluindo entrevistas, matérias e muito mais. Com tiragem inicial de 15 mil exemplares, ela circulava no eixo Rio-São Paulo, principalmente, e durou poucas edições.


RAIMUNDOS

A irreverência dos Raimundos em sua formação clássica ganhou vida nas páginas de quadrinhos em 1996, quando o cartunista Angeli adaptou uma das músicas mais famosas da banda de Brasília, “Puteiro em João Pessoa”, com a fábula da perda da virgindade de Rodolfo Abrantes. A história foi publicada como parte do box “Cesta Básica”, no formato compacto de 13,5 x 19 cm (que incluia um CD com sobras e, ainda, um VHS). Com o humor ácido característico da banda e o traço icônico de Angeli, essa HQ destacou o estilo provocador que marcou a trajetória dos Raimundos nos anos 1990.


COHEED AND CAMBRIA

Poucas bandas integram tão perfeitamente música e quadrinhos como Coheed and Cambria. Toda a discografia do grupo está baseada na série de HQs “The Amory Wars”, criada pelo vocalista Claudio Sanchez. A saga de ficção científica acompanha dois protagonistas que enfrentam um tirano em um universo composto por 78 planetas conectados por raios de energia. Cada álbum corresponde a um capítulo da história, oferecendo aos fãs uma experiência imersiva que vai além da música.


IRON MAIDEN

O mascote Eddie, símbolo inconfundível do Iron Maiden, expandiu sua presença além das capas dos discos dos ingleses para protagonizar a graphic novel “Legacy of the Beast”. Nessa obra, Eddie se une a um alquimista para enfrentar forças sobrenaturais no leste de Londres. Com uma narrativa que mistura fantasia e horror, a HQ é um presente para os fãs do heavy metal clássico e da arte visual que sempre caracterizou a banda.


SLAYER

A brutalidade do Slayer foi transposta para os quadrinhos em “Repentless”, lançada em 2017. Inspirada no videoclipe homônimo, a HQ explora a violência e a crueldade humanas, temas recorrentes na obra da banda. O roteiro é de Jon Schnepp (Metalocalypse, The Venture Bros., The Death of Superman Lives), e a arte do incrível Guiu Vilanova.


GWAR

Conhecidos por suas apresentações teatrais, divertidas e grotescas, o GWAR criou uma mitologia rica que abrange diversos meios, incluindo até uma participação do jogo de Beavis e Butt-head para Mega Drive… e é claro, as HQs. Nos quadrinhos, suas histórias expandem a fantasia surrealista da banda, apresentando seus integrantes como alienígenas homicidas que desafiam convenções artísticas e narrativas. É uma experiência única para quem aprecia a mistura de música, ficção científica e humor absurdo.


MOTORHEAD

A história do Motörhead e de seu lendário vocalista Lemmy Kilmister foi imortalizada na graphic novel “Motörhead: The Rise of the Loudest Band in the World”. Publicada em 2021, a obra narra a trajetória da banda desde os primeiros passos até o status de ícones do rock, combinando biografia e ficção em um formato inovador. Com arte dinâmica, a HQ celebra o espírito rebelde e a música explosiva que definiram a carreira do grupo.


ALICE COOPER

O mestre do shock rock Alice Cooper foi homenageado em diversas HQs ao longo de sua carreira. Sua primeira aparição nos quadrinhos foi em uma edição especial da Marvel em 1979, mas sua presença se expandiu para colaborações com séries como Os Simpsons e até uma minissérie exclusiva. Essas histórias exploram a teatralidade e a persona assustadora de Cooper, consolidando-o como uma figura icônica da cultura pop.


MOTLEY CRUE

A vida excêntrica dos integrantes do Mötley Crüe foi reinventada na graphic novel “The Dirt: Declassified”. Lançada em 2021, a obra transforma a banda em agentes secretos, misturando suas histórias reais com aventuras fictícias cheias de ação e humor. A HQ não é exatamente igual ao filme, mas por ter o mesmo material como base, tem várias semelhanças.


KISS

No auge de sua popularidade, em 1977, a banda deu um passo além ao se unir à Marvel Comics para criar “A Marvel Comics Super Special!: Kiss”, um dos crossovers mais memoráveis entre música e HQs. Na ocasião, Gene Simmons, Paul Stanley, Peter Criss e Ace Frehley viajaram até a fábrica de impressão da Marvel em Buffalo, Nova York, acompanhados pelo lendário criador de quadrinhos Stan Lee, e lá o sangue dos integrantes foi coletado e então misturado à tinta vermelha usada na impressão da revista, garantindo que cada exemplar carregasse literalmente um pedaço da banda.

A HQ apresentou os membros do Kiss como super-heróis enfrentando ninguém menos que o vilão Dr. Doom, com participações de peso como o Homem-Aranha, o Quarteto Fantástico e os Vingadores. O resultado foi um sucesso estrondoso: a revista vendeu 500 mil cópias, tornando-se um dos maiores sucessos da Marvel na época. Além desta colaboração histórica, o Kiss continuou a aparecer em diversas HQs ao longo das décadas. Um destaque recente é “Kiss/Zombies”, que coloca a banda em um cenário pós-apocalíptico onde lutam para restaurar a música após sua proibição em meio a uma invasão zumbi. Seja como super-heróis ou sobreviventes de um mundo devastado, o Kiss prova que seu lugar é tanto no palco quanto nas páginas dos quadrinhos.

KISS

Até o sertanejo teve sua vez no mundo dos quadrinhos. Em 1992, no auge do sucesso de “Pense em Mim”, Leandro e Leonardo ganharam um gibi próprio, seguindo a tendência de artistas populares que marcavam presença nas bancas de jornal (até o Faustão tinha um gibi na época!) Em uma época pré-internet, os gibis eram uma forma poderosa de conexão com os fãs e mostravam como a cultura sertaneja estava dominando o Brasil. As histórias se assemelhavam aos roteiros clássicos da turma do Chico Bento, porém com mais foco em paixonites e menos foco na vida da roça. E é claro, a versão HQ da dupla principal não tinha nem 10% do carisma do Chico Bento.

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– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecJionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui

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