Meu disco favorito de 2023: Hataalii, por Leonardo Vinhas

MEU DISCO FAVORITO DE 2023 #9
“Singing Into Darkness”, Hataalii
escolha de Leonardo Vinhas

Lançamento – 30/06/2023
Selo – Dangerbird Records
Ouça – Spotify / Youtube / Bandcamp

Meu disco favorito de 2023 é um que ouvi… no primeiro dia de 2024. Como costuma ser, as coisas demoram a chegar até a mim, por escolha própria. Gosto de me demorar na audição dos discos que me chamam a atenção. E em um ano que teve álbuns excelentes de velhos conhecidos (Los Espiritus, PJ Harvey, Cowboy Junkies, El Mató a Un Policía Motorizado) e de gente mais nova (Jalen Ngonda, YPU), o álbum que bateu forte foi o de um garoto de 20 anos de ascendência Navajo.

Hataałiinez Wheeler cresceu em Window Rock (Arizona), a capital da Nação Navajo. Começou a tocar baixo aos 14 anos usando um instrumento velho que seu pai comprou numa loja de pechinchas e recorrendo a um tutorial do Youtube. Com 16, lançou o primeiro álbum, “Banana Boy” (2019), resultado de um desafio autoimposto: compor uma canção por dia. Escolheu Hataalii como seu nome artístico e com essa assinatura lançou três outros álbuns e alguns singles até chegar a esse “Singing Into Darkness”, de 2023.

Por que esse disco foi bater forte? “Frescor” talvez seja uma boa palavra para começar. Hataalii não é o primeiro a gravar todos os instrumentos no quarto, muito menos a se arriscar a fazer uma música que destoa do que seus contemporâneos escutam. Mas rapaz, como a coisa soa fluida e espontânea!

Durante a adolescência, Wheeler só ouvia “música suave e meio esquisita”, além de uma boa dose de New Order, The Cure e congêneres, trazidos por influência paterna. Só que sua música não soa como nada disso, e as comparações com Lou Reed e Jim Morrison que ele tem ganhado na imprensa gringa são decorrentes de uma mistura de preguiça e hype. O que o moço faz é um pop cheio de lassidão, em que você não identifica muito bem o que é refrão, parte A, parte B, mas fica com aquele som, aqueles timbres na cabeça.

Dá para pescar algumas referências aqui e ali, mas é pouco provável que na sua dieta de “música suave e esquisita”, Hataalii tenha ouvido “Mirage”, dos Meat Puppetts, ou “Dressed Up Like Nebraska”, do Josh Rouse – discos que vêm à mente quando se ouvem algumas canções desse álbum. Mas isso diz mais sobre o ouvinte do que sobre o autor.

“Eu sou apenas um garoto, e eu cometo um monte de erros o tempo todo. Sempre digo a mim mesmo que isso é exatamente porque eu sou um moleque, e realmente não sei nada de nada ainda”, declarou Hataalii em uma entrevista à Spin. Nessa era de assepsia sonora e músicas literalmente formulaicas, é uma alegria imensa encontrar alguém que se predispõe a compor e tocar pelo simples prazer de fazer essas coisas, e que trata tudo – até o contrato com o selo Dangerbird, que lançou o álbum em questão – sem muita seriedade.

As canções do disquinho soam definitivas em seus registros – graças, em grande parte, ao primoroso trabalho de Joel Morales na produção e de Howie Weinberg na masterização. Mas também soam como trabalhos em progresso, mudando de forma e tom diante do ouvinte. Como é possível?

Uma das razões para isso é a voz de Hataalii, que vai da fala grave a um canto agudo e espaçado sem qualquer cerimônia. A outra é a enorme cara-de-pau de seus riffs, que se valem de pouquíssimas notas mas se permitem brincar por várias paragens, aceitando uns baixos no contratempo em algumas ocasiões, pairando em midtempo sob batidas levemente mais ligeiras… É como se cada canção estivesse procurando se acomodar em seu próprio corpo enquanto é tocada.

“Laugh Out Loud” talvez seja o exemplo mais direto dessa “receita” altamente pessoal. Mas se você quiser começar pela delicadeza de “Story of Francisco” ou pelo climão à Cure de “Shouter’s Shame” ou pela vibe quase dream pop de “Once More”, tudo bem. Todos os caminhos levam à mesma estranheza, à mesma beleza.

Uma outra explicação para o enorme carisma desse disco é dada, tentativamente, pelo próprio Hataalii. “Acho que minha habilidade é deixar as coisas caírem onde elas têm que cair”, conforme a mesma matéria da Spin.

Sim, eu sei: colocar um disco que tenho ouvido (obsessivamente, é verdade) há apenas dois dias como meu favorito do ano, enquanto tantos outros ótimos discos me ocuparam a cabeça em 2023? Aí é que está… a maioria desses álbuns me falou à cabeça. “Paranoar”, da YPU, e “La Montaña”, dos Los Espiritus, me falaram ao coração. “Singing Into Darkness”, por sua vez, falou com os dois, e ainda deu um jeito de conversar com aquela parte que o apreciador de música reza para nunca morrer: aquela que se permite se empolgar com o novo, que se entusiasma com algo que é simples e envolvente, que faz você acordar querendo por “aquele” disco (e não aquela canção ou aquela playlist). O xamãzinho do Arizona conseguiu falar principalmente com essa parte.


– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. 

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