MEU DISCO FAVORITO DE 2023 #6
“Super Terror“, El Mató a un Policía Motorizado
escolha de Marcelo Costa
Lançamento – 07/07/2023
Selo – Nacional Records
Ouça – Spotify / Youtube
2023 foi, particularmente, um dos anos mais difíceis para eu me conectar com música. Vi mais de uma (talvez duas) centena(s) de shows, muitos deles maravilhosos, mas os discos, essa grande bobagem que me trouxe até aqui me expondo com meus vícios sei lá desde quando na minha vida, eles foram passando por mim sem que eu me apagasse tanto a eles… como eu costumava me apegar.
Tenho leves certezas sobre os motivos desse infortúnio musical, uma combinação de fatores que destaca, como item principal, a maneira de ouvir música: ainda não consegui largar os discos físicos num mundo que ‘prensa’ em vinil e CDs algo em torno de 1% de sua produção mensal – é um chute, mas tanto faz se é 1% ou 20%, o que importa é que a maior parte da produção jogada todos os dias nos portais de streaming não me pega como antes a música me pegava. Finalmente envelheci (sorriso desconcertado).
Daí que nesse cenário inóspito de velho rabugento com uma vasta coleção de discos competindo por espaço com lançamentos virtuais pouco sedutores e algoritmos malfeitores, algo chamou a minha atenção, não necessariamente… positivamente. E aqui mergulhamos em outro buraco negro pessoal, do qual espero que encontremos uma saída ao final destas mal digitadas linhas: hypes me incomodam mais do que uva passa na farofa e ketchup na pizza (hummm, ok, o segundo item é pau a pau), me dão quase enxaqueca (algo que raramente tenho, afinal, anos de abstração) e me tiram do sério.
Sigamos em frente porque dentro desse buraco negro há uma chuva de meteoros: nessa coisa toda de hype, lá no começo dos anos 2000 (voou, hein) criei uma birra estratosférica com os Strokes, uma bandinha cafajeste que lançou um primeiro disco fenomenal (“Is This It” é realmente importante?), uns dois bons discos posteriores com singles matadores até chafurdar na lama do tédio jurássico que acomete bandas medíocres com o passar dos anos. Reconheço o valor deles, tenho amigos que gostam (hehe) e me divirto colocando “Juicebox” para tocar na pista, mas não estava preparado para ouvir uma das minhas bandas favoritas deste milênio soando como eles. Foi um choque.
“Un Segundo Plan”, música que abre “Super Terror”, o belísismo quarto disco da carreira dos platenses do El Mató a un Policía Motorizado, poderia figurar facilmente em “Room of Fire”, o segundo disco do grupo de Julian Casablancas, lançado 20 anos atrás. Ou ao menos a estrutura da canção e, principalmente, da introdução, remete a isso. E esses poucos segundos introdutórios da música causaram uma avalanche de sentimentos, alguns dos quais ainda não consegui me livrar. Fato é que, após algumas audições receosas naquela vibe “estão pregando uma peça em mim, né”, “Super Terror” foi ficando, se aconchegando e ganhando um espaço carinhoso nesses dias em que muitos discos novos passam, e quase nenhum fica.
A coisa toda rolou com uma intensidade tão grande e de tal forma que quando me coloquei frente à banda no Primavera Sound São Paulo, a ficha demorou a cair: nos meus fones, “Super Terror” era um universo em expansão, algo tão explosivo que conseguia me tirar da letargia diária. Canções como “Medalla de Ouro” e “Diamante Roto” me faziam ter vontade de gritar, pular e sacudir as pessoas sonolentas nos vagões do metrô. E ali, no autódromo de Interlagos, essas canções soaram… líricas, cristalinas e delicadas (como boa parte das canções soam nos shows do El Mato… SEMPRE), números para se cantar sem vergonha com olhos fechados debaixo de um sol do caralho. Alguma coisa havia se desconectado… ou estava se reconectando.
Sei lá quantas vezes vi o El Mato ao vivo (só no Primavera Sound Barcelona foram duas, a primeira 15 anos atrás), o que denota uma certa zona de conforto musical, afinal a gente vai ao show sabendo tudo que vai acontecer (num showbusiness cuja certeza não apenas se sobrepõe a surpresa – vide Titãs, Macca e tantos outros – como é enfaticamente esperada: grande parte do público “paga” esperando obviedade) na busca por uma emoção planejada, pequenas injeções de animo num mundo que constantemente nos desanima.
Dai que o fato de um disco entortar essa narrativa pode dizer (e diz) muito mais sobre a maneira (ou o momento pessoal) que o ouvinte o recebeu do que, necessariamente, sua qualidade, ainda que “Super Terror” seja um discaço, com mais ecos de Strokes do que eu gostaria de admitir, mas com a capacidade de trazer lágrimas de felicidade em meio a gotas de suor numa tarde ensolarada. Já experimentou a sensação? É uma das coisas mais maravilhosas que a arte, em geral, e a música, em particular, pode fazer por nós, humanos demasiadamente humanos.
Muitos diriam: “é só um disco”. Sim, é só um disco, o meu disco favorito de 2023. É bom demais ainda se conectar emocionalmente com um álbum, uma banda. Obrigado, El Mató.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne
Lindo o texto!
É um dos meus discos preferidos do ano passado também