GPWeek 2023: Assim como Verstappen na F1, Kendrick Lamar confirma favoritismo disparado em São Paulo

texto de Marco Antonio Barbosa
fotos de Fernando Yokota

O GPWeek é uma parada estranha. Formalmente, trata-se de um evento paralelo à programação do Grande Prêmio São Paulo de Fórmula 1, realizado neste ano em 4 e 5 de novembro. Mas além do patrocinador master em comum e dos nomes de algumas das áreas abertas ao público (Paddock, VIP Box etc.), não há ligação entre o automobilismo e o festival. O espaço designado ao evento – o Allianz Parque – também tem pouco (ou nada) a ver com corridas de monopostos (além de ficar a 24 km do Autódromo de Interlagos).

Estranhezas à parte, da volta de apresentação à bandeirada final, o GPWeek 2023 teve momentos de audácia e alta velocidade, azarões que largaram dos boxes e surpreenderam, barbeiragens vergonhosas e equipes de ponta que não exibiram ritmo de corrida. O favorito confirmou sua categoria e deixou todos os outros competidores bem para trás. Entre quebras e abandonos, ao menos não houve acidentes fatais.

Kendrick Lamar

O hat-trick
Nem todo mundo que compareceu ao GPWeek estava interessado em música. Quem estava, foi lá ver o show de Kendrick Lamar, que fechou o evento no domingo. Kendrickão da Massa, marrento como Max Verstappen, fez barba, cabelo & bigode do resto do grid (quer dizer, do line-up). Acompanhado apenas por uma pequena trupe de dançarinos performáticos, o rapper de Compton condensou em pouco mais de 90 minutos a complexidade e a amplitude de sua música. Deu-se ao luxo de lançar apenas recortes de hits como “Swimming Pools (Drank)” e “Backstreet Freestyle”, valorizando o repertório dos álbuns mais recentes. Dos flows supersônicos (“Worldwide Steppers”) aos hooks grudentos (“HUMBLE.”, “DNA.”, “Alright”), passando pelas slow jams (“Bitch Don’t Kill My Vibe”), Kendrick Lamar foi do bailão funky à ameaça gangsta. E provou – de novo – ser o maior nome do hip hop mainstream desde Kanye West.

Sofi Tukker

O resto do pódio
O duo Sofi Tukker, que se apresentou na tarde de domingo, convenceu primeiro pela simpatia; depois, pelos surpreendentes detalhes que adornam seu pop eletrônico dançante. Fluente em português, Sophie Hawley-Weld dispensou as, ahem, “vozes de apoio pré-gravadas” e mandou ver no gogó – além de tocar uma guitarrinha esperta, puxando harmonias inspiradas na MPB. O apertador de botões Tucker Halpern fornece o alívio cômico. Deu tempo de abrir espaço para duas cantoras locais, Sofia e Mari, descobertas pelo duo em um vídeo do TikTok; juntas, as três moças cantaram “Veneno”, música das duas brasileiras.

Machine Gun Kelly

Bem atrás, mas com um desempenho digno, chegou Machine Gun Kelly. O sujeito é pré-fabricado em cada detalhe, das tatuagens ao repertório algorítmico que alterna hip hop e punk-pop. Mas ele leva a sério sua função de entreter. Veio com banda completa (apesar de lançar mão das proverbiais, ahem, “bases pré-gravadas”) e suou literalmente o macacão rosa na quente tarde de sábado. Pareceu meio confuso geograficamente; elogiou as empanadas brasileiras (!) e soltou um cover de “Danza Kuduro” (?!). Deve ter sido o calor.

Thundercat

Faltou ritmo de corrida
O baixista/vocalista Thundercat, que se apresentou imediatamente antes do bróder Kendrick, teve uma missão difícil: entreter um estádio com um set sem grandes hits e um som com teor 0% de populismo. A sonzeira tirada pelo trio completo por Dennis Hamm (teclados) e Justin Brown (bateria) até comporta espaço para grooves dançantes. Entretanto, a incessante pirotecnia instrumental acaba por comover apenas os iniciados. Para piorar, a mixagem do PA privilegiou o som dos teclados, que encobria os tresloucados dedilhados do frontman. Apenas nos raros momentos mais pop (como na suingante “Overseas”) o trio conseguia prender a atenção do público.

Iza

Os brasileiros, como é de praxe, só tiveram espaço nas entrelinhas. Deslocado num dia de artistas brancos que trafegavam entre o rock e a eletrônica, Hodari encarou o solzão do começo da tarde de sábado e tocou pra ninguém. No domingo, as rappers Tasha & Tracie tiveram destino semelhante. IZA, mais consolidada, pôde se impor um pouco mais, trazendo um show completo, com direito a dançarinos e canja do rapper L7nnon (em “Fiu Fiu”) e uma rápida caminhada entre o público na fila do gargarejo.

JXDN

Os retardatários
O resto do grid internacional, embolado no primeiro dia do evento, ficou atrás, bem atrás. JXDN, alcunha musical do tiktoker Jaden Hossler, não é um artista de verdade: apenas faz cosplay de roqueiro. Acompanhado apenas por um baterista e um guitarrista, abusou das, ahem, “vozes de apoio” e das “bases pré-gravadas”, o que deu a seu show um aspecto de apresentação no The Voice. Uma dica: se seu som é um genérico do Machine Gun Kelly (ou seja, genérico do genérico), não divida o line-up de um festival com ele. Fica feio.

Halsey

Halsey até se esforçou um pouquinho mais, mas acabou parada no mesmo guard-rail. É uma artista shakespeariana, no pior sentido: cheia de som e fúria, significando nada. A cantora americana tenta exibir intensidade, mas sua musicalidade é pobre e repetitiva. Também se prejudicou ao dispensar uma banda completa, preferindo (PQP) usar “vozes de apoio” e “bases pré-gravadas”.

Swedish House Mafia
Swedish House Mafia

Ao fim da primeira noite, os poucos que ainda tiveram fôlego para esperar o Swedish House Mafia receberam exatamente o que esperavam. Ou, para sermos honestos, um pouquinho mais. A trinca de DJs suecos incluiu o pancadão brazuca “Naquele Pique” em meio à previsível carrada de remixes e edits de astros como The Weekend (“Moth to a Flame”) e Tinie Tempah (“Miami 2 Ibiza”). Naquele momento, o Allianz Parque meio vazio se transformou na maior filial da Smart Fit do mundo.

Bandeirada final
Um encerramento adequado para a primeira noite de um festival de ingressos caríssimos, escalação dúbia e extremos níveis de segregação social (o setor VIP tinha uma seção de “camarotes” que permaneceram vazios no sábado e simplesmente não foram montados no domingo). Tudo adequado para um público majoritariamente branco, que parecia mais interessado em “produzir conteúdo” com seus celulares do que em prestar atenção aos shows.

Uma imagem da tarde de sábado ficará na mente: uma menina bem jovem, morena e de cabelos encaracolados, cantando a plenos pulmões as músicas de Machine Gun Kelly. Estava tão emocionada que parecia incapaz de encarar o cantor: preferiu ficar de costas para o palco, de olhos fechados, enquanto as lágrimas corriam. Pra ela sim, o GPWeek valeu a pena. Espero que ela tenha pago meia entrada.

Todas as fotos por Fernando Yokota exceto Kendrick Lamar e fotos gerais de público por Pridia

– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br). 
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

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