texto de Ananda Zambi
fotos de Alex Vitola
Em qualquer coisa que envolva Legião Urbana, já esperamos algo intenso e sensível, afinal, apesar de haver vários artistas icônicos no rock brasileiro dos anos 1980, o líder da banda brasiliense, Renato Russo, é um dos poucos nomes messiânicos do gênero. Os integrantes originais Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá buscam manter o legado da Legião vivo até hoje, e o projeto da vez é a turnê “As V Estações”, show que dá destaque para músicas presentes nos álbuns “As quatro estações” (1989) e “V” (1991). A apresentação, que estava prevista para o dia 24 de junho e que foi adiada devido a problemas de saúde do Bonfá, enfim desembarcou em Porto Alegre na última sexta-feira (28/7), no auditório Araújo Vianna. Com ingressos esgotados, o show não foi apenas um simples tributo com a presença de alguns músicos da formação clássica e de fãs uniformizados cantando em uníssono todas as músicas. Foi uma celebração carregada de uma emoção impactante.
A plateia estava ávida pelo show, e após quarenta minutos de atraso, Mauro Berman (baixo e direção musical), Pedro Augusto (teclado), Lucas Vasconcellos (guitarra) e André Frateschi (vocal) entram no palco, seguidos de Dado e Bonfá, ambos vestidos de branco. O espetáculo, que é dividido em cinco blocos – representando cinco elementos: terra, fogo, água, ar e espiritualidade –, começou com “Há Tempos”, e já aí deu para perceber que não era um show onde as pessoas querem apenas se divertir, mas também se emocionar: em um canto do auditório, três pessoas, de gerações diferentes, choravam copiosamente. Ao longo do show, também chamou a atenção o número de homens emocionados. Uma verdadeira “Religião Urbana”. Claro que havia um clima de homenagem e de nostalgia, além de que a última vez que essa formação pisou em Porto Alegre foi em 2018, com a turnê “Legião Urbana XXX”, dedicada aos discos “Dois” (1986) e “Que País É Este” (1987). Com Renato nos vocais, a última vez da banda na capital gaúcha foi em 1994, num Gigantinho lotado.
“As Quatro Estações” foi um dos discos de maior sucesso da Legião (se não o maior), e teve um tom diferente dos anteriores, ou seja, um disco mais lírico e menos crítico, rendendo o saldo de nove das onze músicas do álbum tocando nas rádios no seu ano de lançamento. O show também foi marcado com a execução de quase todas as músicas do disco, como, além da primeira, “Meninos e Meninas”, “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto”, “1965 (Duas Tribos)”, “Sete Cidades”, “Se Fiquei Esperando o Meu Amor Passar”, “Pais e Filhos” (com participação especial de João Pedro Bonfá, filho do baterista, na guitarra) e “Eu Era um Lobisomem Juvenil”, canção que reúne inúmeras referências religiosas (Bíblia, a Doutrina de Buda, Tao-Te King, Livro de Mórmon) evidenciando a espiritualidade presente na obra e também na nova turnê.
Já o disco “V” tem um clima mais melancólico e introspectivo, influenciado pelo confisco das poupanças no governo Collor e pela reabilitação de Renato, onde descobriu ser portador do vírus HIV, quando o tratamento da doença ainda era precário e visto como uma sentença de morte. Marcaram presença na apresentação “Sereníssima”, “Vento no Litoral”, “O Mundo Anda Tão Complicado” e “O Teatro dos Vampiros” – talvez uma das músicas mais atuais de toda a discografia da banda, já que vivenciamos uma situação política e econômica parecida nos últimos anos, no governo Bolsonaro. Nos fundos do palco, imagens de protesto pelo descaso do ex-presidente com a Covid-19, que resultou em 700 mil mortos pela doença no país.
Ao longo de toda apresentação, via-se que os músicos estavam emocionados, animados e muito à vontade, interagindo e brincando entre eles. Isso deu um brilho a mais em uma noite de celebração entre banda e público, entre gerações anteriores e atuais. E claro que outros clássicos da Legião também tiveram espaço no setlist, como “Eu Sei”, “Quase Sem Querer”, “Tempo Perdido”, “Será” e “Faroeste Caboclo”. Em algumas canções, Frateschi dá espaço para Dado e Bonfá cantarem, como em “Índios”, em “Por Enquanto”.
Mas por mais louvável que seja os legionários defenderem os clássicos da Legião e honrarem a memória de Renato Russo nas suas vozes, o grande destaque da performance é, de fato, André Frateschi. Desde a primeira frase, o ator e cantor exala um carisma próprio, sem mimetizações naturais. Com simpatia e alteridade, Frateschi não só tem domínio do palco como também é generoso com seus colegas e, principalmente, com o público. Desde o início da apresentação é possível visualizar que o artista é um fã de Legião, e ele aproveita a sua posição de destaque para representar todos os fãs da banda, desprovido de qualquer ego ou pretensão. Isso é muito bonito. E talvez a escolha de um artista com essas características seja um dos fatores determinantes para o sucesso do show.
Terminar a apresentação com “Monte Castelo” foi um ponto fraco, mas logo a banda retornou trazendo um pano com uma foto da banda nos anos 1980, com Dado, Bonfá e com os saudosos Renato Russo e Renato Rocha, evocando a memória de Russo e tocando, enfim, “Metal Contra as Nuvens”, para fechar a noite do jeito que ela merecia: Explosiva, crítica, sensível. “Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá: As V Estações” mostra que a Legião Urbana continua viva. E vai permanecer, sempre.
– Ananda Zambi é jornalista musical e assessora de imprensa. Também colabora para o site Hits Perdidos. Fotos de Alex Vitola
O lance foi punk. Em 1994 meus pais não deixaram eu ir ao show do Gigantinho pois me consideravam jovem demais e depois daí não tive mais oportunidade de assistir a Legião Urbana ao vivo. Depois de todo esse tempo, quase 30 anos depois, pude presenciar Dado e Bonfá
juntos no palco tocando todos aqueles hinos, eu berrei todas do início ao fim junto com aquele bando de gente, eu olhava para os lados e via todo mundo chorando se esgoelando para acompanhar a banda. Já
fui a muitos shows e não sei se vou ter uma experiência, sequer parecida, novamente.