Meu disco favorito de 2022: Midnight Oil, por Leonardo Vinhas

MEU DISCO FAVORITO DE 2022 #4
“Resist”, Midnight Oil
escolha de Leonardo Vinhas

Artista – Midnight Oil
Álbum – “Resist”
Lançamento – 18/02/2022
Selo – Sony
Ouça: Spotify / Youtube

“Resist” é o 13º álbum do Midnight Oil, lançado em fevereiro de 2022. Quem sempre detestou a banda vai encontrar nele munição de sobra para continuar atacando: estão aqui os riffs que misturam power chords e notas em staccato, as letras cheias de militância ecológica, vocais em coro e afins (mas ok, não tem a gaita de duas notas). Quem já é adepto não vai ter problema em reconhecer que esse é um dos melhores discos da banda. E aqueles que não caem nessa divisão binária podem muito bem se surpreender com uma excelente coleção de canções.

O último álbum de inéditas propriamente dito havia sido “Capricornia”, de 2002. A banda ficou inativa entre esse período e 2017, fazendo apenas reuniões esporádicas para um ou outro show pontual, quase todos em prol de alguma causa defendida pelos integrantes. Em 2017, se reagrupam definitivamente para a turnê mundial “The Great Circle Tour” (que passou também pelo Brasil, relembre aqui), e então Peter Garrett (voz), Rob Hirst (bateria e vocais) Jim Moginie (guitarra e teclados), Martin Rotsey (guitarra) e Jim Moginie (guitarra e teclados) decidiram compor e gravar canções novas.

Parte delas vieram à tona em 2020 em “The Makarrata Project”, um “álbum colaborativo” que é, na verdade, um EP com seis canções e uma longa faixa de spoken words, todas com participações de diversos músicos da Oceania, como a cantora Jessica Mauboy, o rapper Tasman Keith, integrantes das bandas Yothu Yindi e Coloured Stone, entre outros. Porém, exceção feita à excelente “First Nation”, o disco era um tanto insípido e até mesmo um pouco piegas, como costumam ser os projetos fonográficos que colocam uma causa (no caso, a dos povos originários do seu continente) à frente da música.

Esse, definitivamente, não é o caso de “Resist”. Embora ele também seja um álbum com uma “causa”, ele está longe de ser insípido ou piegas. Pelo contrário, é um dos álbuns mais contundentes e melancólicos da banda, onde mesmo as canções de poder rítmico mais bruto não escondem a frustração e a desilusão com a futilidade dos esforços em deter a degradação do planeta. E sim, ele tem todas as características que fizeram o som do Oil famoso no mundo, a ponto de ser elogiado e tido como referência por gente tão diferente quanto R.E.M., Green Day, Pearl Jam, Silverchair e Cranberries.

“Rising Seas”, primeiro single e também faixa de abertura, traz uma letra apocalíptica sobre o aumento dos níveis dos oceanos, com a voz de Garrett à frente e subindo ainda mais no refrão, tudo sobre um riff que, à melhor moda dos veteranos, só faz sentido com a presença das duas guitarras. É o Oil de sempre, e ao mesmo tempo, há algo diferente. Tal impressão continua em “The Barka-Darling River”, praticamente duas canções em uma, de tão distintas entre si que são as duas partes: a primeira, um daqueles “cavalos de batalha” enguitarrados para fazer bonito nos shows, e a segunda, um tema delicado conduzido pelo piano, cujo refrão afirma que “as pessoas boas são esquecidas”.

“Tarkine”, na sequência, é exemplar do lado mais melódico e semiacústico da banda. Mesmo tendo cara de hit instantâneo, ela enfim ajuda a entender o que está diferente: os Oils estão cientes de que a militância e o ativismo do qual fizeram parte pouco fez para deter a destruição do meio ambiente (no caso dessa faixa específica, a floresta de Takine, na Austrália), ou para frear o avanço de mineradoras, petrolíferas e outras empresas que sugam até a última gota de recursos naturais para garantir um lucro que enriquece a pouquíssimos e empobrece muitos.

Esse tom desolado das letras persiste ao longo de todo o disco, porém contrabalançado por uma abordagem mais épica das composições, como que enfatizando a urgência dessa que pode ser a última mensagem da banda. Essa contraposição é evidenciada à perfeição em “At The Time of Writing”, É até difícil sintetizar as muitas camadas da excelente letra, mas o riff encorpadaço (e reforçado com o saxofone de Andy Bickers) já é suficiente para colocar essa canção no panteão de clássicos do Midnight Oil, e ainda servir como uma espécie de síntese do novo disco.

A veloz “Nobody’s Child” é quase um respiro antes de “To The Ends of The Earth”, um entrelaçamento de guitarras acústicas e percussão marcante com diversos efeitos eletrônicos e de guitarra, um desesperançado e desesperado pedido de ação concreta. Depois dela, “Reef” parece um alívio praiano em seu arranjo ensolarado. Mas ela não é nenhuma trilha de campeonato de surfe: é um réquiem para os recifes de corais ao mesmo tempo que um chamado às armas contra governos e corporações, que mesmo assim não deixa de reconhecer que “o céu é um espelho de interesse próprio e ganância”. De brinde, o melhor e mais ruidoso solo do álbum.

E o melhor é que, até aqui, foi apenas metade do disco. Tem “We Resist”, um épico semieletrônico cheio de acordes esparsos que vão crescendo lentamente sem jamais aliviar a tensão, tem as reminiscências sonoras do Oil mais cru do começo dos anos 80 de “Lost At Sea” (que se fazem presentes também para reforçar o cinismo de “Undercover”), tem o ritmo marcial e os tons sombrios pontuados por um violoncelo de “We Are Not Afraid” e tem, por fim, os quase sete minutos de “Last Frontier”, a canção mais longa da discografia da banda, enriquecida pelo piano de Jim Moginie e, novamente, pelo sax de Andy Bickers, enquanto o resto da banda conduz a canção quase em clima de jam session.

“Resist” foi composto e ensaiado durante a The Great Circle Tour, e a força dos palcos se faz sentir – seria até mesmo fácil acreditar que algumas faixas, como “Reef” e “At The Time of Writing”, tivessem sido registradas ao vivo. Mas não: foi tudo gravado nas mesmas sessões de “The Makarrata Project”, capitaneadas pelo produtor Warne Livesey, parceiro de outros quatro álbuns (“Diesel and Dust”, “Blue Sky Mining”, “Redneck Wonderland” e “Capricornia”), extremamente hábil em entender e captar o momento da banda e convertê-lo em uma sonoridade particular e marcante.

Já no seu lançamento, o álbum ganhou peso maior por trazer as últimas gravações do baixista Bones Hillman, vitimado por um câncer em novembro de 2020, aos 62 anos. O músico entrou na banda em 1987, substituindo Peter Gifford, mas sua presença de palco carismática, seus backing vocals e contracantos expressivos, e suas linhas de baixo poderosas e pouco óbvias sempre fizeram com que a maioria dos fãs do Oil o admirassem.

A banda anunciou a turnê de “Resist” como a última. Tamanha foi a lacuna deixada por Bones que ele foi substituído não apenas por um baixista (o australiano Adam Ventoura), mas também por duas vocalistas de apoio. A tour se encerrou em Sydney em outubro de 2022, e a banda garante que nunca mais fará outra. Segundo Jim Moginie, o Midnight Oil continua existindo, mas apenas como projeto de estúdio, que pode reaparecer muito esporadicamente para algum show na Austrália.

Seja como for, “Resist” é um álbum digno, poderoso e – por que não dizê-lo? – necessário. Quantas vezes você viu um artista reconhecer que os esforços aos quais se dedicaram durante a maior parte da carreira pouco adiantaram? E quantas vezes isso foi feito com grande música acompanhando? “Resist” é uma obra forte, apesar (ou por causa) de seu desencanto, e que lembra que, por mais fútil que pareça, agir ainda é melhor que se resignar.


Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).

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3 thoughts on “Meu disco favorito de 2022: Midnight Oil, por Leonardo Vinhas

    1. Opa, se tem! O Oil incomoda o mesmo pessoal que chama o U2 de “banda ruim” porque não gosta da militância do Bono, ou o pessoal que diz que “não suporta” Rush mesmo tendo ouvido no máximo Tom Sawyer e Close To The Heart.

      1. Oxxi piro no Midnight Oil e não gosto nem um pouco do U2 hehehe sou mais o CRASS; THE MOB e NMA hehehe excelente resenha …

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