entrevista por Marcelo Costa
Daniel Groove é daquelas pessoas que você pode nunca ter ouvido sua música ou trocado uma palavra com ele, mas que, assim que conhece, pode passar horas papeando e jogando conversa dentro. Não apenas simpático, mas atencioso no trato com as pessoas, não é surpresa Daniel conquistar públicos que estejam com o coração aberto procurando por música boa e olho no olho, como as plateias de Rio Branco, Sobral ou de Porto Velho, sendo que na última ele fez três shows em quatro dias do Festival Casarão 2022, em maio.
“Eu não sei explicar por que acontece”, refletia um Daniel Groove notadamente feliz e completamente rouco no backstage do festival em Porto Velho sobre o carinho recebido do público local. “Sei que fazer um show bom marca, mas você estar aberto, ouvir as pessoas, isso cria um laço. E existem alguns cantos do Brasil que eu tenho um laço muito forte”, clareia o músico cearense que tem três belos discos na carreira e já fez show tanto em bares pequenos da capital paulista quando no palco do Lollapalooza Brasil, edição 2017.
Numa conversa rápida que você lê abaixo, Daniel Groove reflete sobre a relação com seu público (no festival rondoniense, a todo momento ele era parado para uma foto, um abraço ou um elogio), relembra seu primeiro disco, “Giramundo”, que completa 10 anos em 2023 e ganhará reedição em vinil, e fala sobre o vindouro quarto álbum, ainda em fase de maturação: “Acho que fiz bem o meu ‘Love Me Do’ e agora quero fazer meu “Sgt Peppers”… Quero meio que chutar o balde”, confessa o artista dizendo, ainda, que está num processo de descobrir o que quer fazer, mas prometendo: “Eu vou fazer”. Fala, Daniel!
Vamos começar por Porto Velho, Festival Casarão: o pessoal gosta de você aqui, hein. Como foram esses dias para você? Foram três shows em quatro dias?
Foram três shows… A princípio, eu vinha me apresentar no sábado (segundo dia do festival), mas um mês antes do evento, o Vini (Vinicius Lemos, produtor responsável pelo Casarão) me convidou para fazer o esquenta (em um bar da cidade) na quinta-feira. Ele perguntou se eu poderia vir mais cedo, e eu disse que tudo bem. Depois houve um certo percalço no line-up (Beto Bruno, que seria o headliner do dia gratuito do evento, cancelou de última hora) e eu assumi o domingo. E é uma coisa muito louca, porque eu não sabia que a relação da galera daqui (de Porto Velho) estava assim comigo. Foi um carinho muito forte, muito bom, (resultado de algo) que foi plantado lá atrás, e que tem muito a participação de um cara que você conhece bem, que é o Diogo Soares, do Los Porongas. Quando chegamos em São Paulo para morar, a nossa família era o Los Porongas, a gente montou o (estúdio) Cambuci Roots, e tudo era uma mistura da gente. Então, por algum motivo, eu furei uma fila gigantesca do circuito tradicional para ir tocar em Rio Branco pela primeira vez. E lá em Rio Branco tinha gente de Porto Velho, porque quando tem show aqui vem gente de lá, e quando tem show lá vai gente daqui. Aqui, agora, deve estar cheio de gente de Rio Branco. E então rolou o convite do Festival Casarão, em 2014, a gente tava junto. Nevilton, Bruno Souto, Los Porongas… foi um ano bem especial. E foi naquele dia, naquele festival, que a gente plantou essa semente aqui. Eu militei a minha vida inteira no (circuito) independente. E sei que fazer um show bom marca, mas você estar aberto, ouvir as pessoas, isso cria um laço. E existem alguns cantos do Brasil que eu tenho um laço muito forte… Por exemplo, o Prêmio Dynamite que eu ganhei com o álbum “Giramundo” (2013), eu ganhei por causa (do apoio) de Rio Branco e de Porto Velho. Foi bem na época dessa lua de mel que eu estava vivendo com o povo daqui, e na hora que abriu a votação, o pessoal estava todo fazendo campanha. É muito bacana, mas eu não sei explicar por que acontece… sem querer tirar o mérito da música em si, do trabalho em si. E tem uma outra questão: eu tive público em Rio Branco, Porto Velho e Sobral antes de ter em Fortaleza. Aquela máxima do santo de casa não faz milagre… Então estou muito contente com essa vinda pra cá e fiquei muito emocionado, tive muitos momentos de emoção nesse fim de semana. Mais uma vez a gente veio, mais uma vez a gente tocou, mais uma vez a gente deixou um laço pra desatar mais tarde.
“Giramundo”, seu primeiro disco, vai completar 10 anos em 2023 e eu queria que você pensasse nele hoje, 10 anos depois. E me dissesse se vem alguma comemoração por aí?
Esse disco é uma aberração da natureza porque eu nunca mandei um e-mail sequer pra ninguém sobre ele. Nem pra Marcelo Costa, do Scream & Yell, nada! Eu sou a raspa do tacho da geração x do rock Brasil, entende. Eu nasci marginal como aqueles caras lá. A geração que veio depois já é uma geração que sabe se gerir. Hoje em dia eu tenho uma equipe pra lidar com essas coisas, corri atrás do prejuízo. Mas é engraçado (como esse disco) é de um outro lugar. Porque a gente é de uma geração que não pegou gravadora e também não tem preparo nenhum para lidar com esse mundo digital. Estamos no meio de um crepúsculo. O “Giramundo”, quando saiu, ele mal foi resenhado. Passou em branco. E aos poucos, aleatoriamente, de vez em quando, um Bruno Dias (jornalista do Urbanaque), um Marcelo Costa, começou a falar “olha, isso é bom!”. E a trajetória desse disco de quando ele saiu até a indicação ao prêmio… num ano que tinha disco do Tom Zé, do Castelo Branco, do Silva, do Metá Metá… quando eu vi a lista, pensei: “impossível ele ganhar”. Tanto que fui à entrega do Prêmio Dynamite para beber de graça (risos). E ele ganhou! E foi a partir daí que eu comecei a ter uma voz em São Paulo. Ele completa 10 anos no próximo ano e eu escuto muito que ele é um disco importante pruma virada dessa questão da música romântica rock daquela geração, que era eu, Helio Flanders, Bruno Souto, essa coisa mais passional, e é uma honra para mim ouvir isso. É um disco de que eu gosto muito e a gente quer lançar uma edição comemorativa em vinil no próximo ano – todo mundo me cobra muito isso. Depois virão (as reedições d)os outros discos…
E o disco novo de inéditas?
Começo no próximo ano também a pensar no quarto álbum, e daí já é uma outra busca porque eu acho que fiz bem o meu “Love Me Do” e agora quero fazer meu “Sgt Peppers”… Quero meio que chutar um balde. Acho que fechei uma trilogia legal com “Giramundo” (2013), “Romance Pra Depois” (2016) e o “Levante” (2018) e agora quero sair da zona de conforto. Penso em fazer ele não como um disco tradicional porque eu já tenho discos. A gente não vive mais no mercado das gravadoras e eu vejo muita gente pensando como se vivesse na época do mercado das gravadoras. “De dois em dois anos eu tenho que ter um disco”. “Eu tenho que guardar uma música porque ela é um hit”. E nada disso faz sentido mais. Existem músicas minhas que estão sendo gravadas por outros cantores, músicas que em outro tempo eu teria deixado guardado na gaveta. “Jardim Suspenso”, por exemplo, já tem sete gravações. E a música só anda com isso. Para o quarto disco eu quero fazer ¼ de cada vez. Quero fazer quatro experiências. Quero fazer um disco ao vivo gravado lá no (estúdio do) Ricardo Prado, em Piracaia. Quero fazer um disco que é um curta-metragem, uma trilha sonora para um filme. Quero fazer um disco com quatro produtores que eu nunca trabalhei e que não são do meu métier, sei lá, com Pupilo, com Bruno Buarque, com (Júnior) Tostói… então estou num processo de descobrir o que eu quero fazer. Ainda não cheguei no ponto de saber como eu vou fazer, mas eu vou fazer. E é próximo ano.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Bruno Capelas (e aqui ele conta em detalhes como foi o Festival Casarão 2022).
amo esse cara e aguardo por novos trabalhos….quem brilhou em Porto Velho que tal vir em Porto Alegre….