Texto por Janaina Azevedo, Marcelo Costa e Renan Guerra
Fotos – Divulgação Lollapalooza
DIA 1 – 25 de março de 2022 – Sexta-feira
introdução por Marcelo Costa
Saiba como foi o Dia 2 e o Dia 3
Oficialmente, a Covid-19 foi detectada no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 – há relatos dela ter chegado ao país ao menos dois meses antes. Ainda assim, a OMS caracterizou a distribuição geográfica da doença como “pandemia” apenas em 11 de março de 2020. Ou seja, são 24 meses em que palavras como isolamento, máscaras, álcool-gel e vacina se tornaram comuns no nosso cotidiano em sociedade, exigindo de (quase) todos nós um esforço grandioso para que a tragédia que se avistava fosse a menos danosa possível – nesse momento estamos com 658 mil mortos confirmados, fora os não notificados.
Com a pandemia ainda levando gente embora, sair de casa para ir a um megaevento de música continua sendo muito arriscado, ainda que seja um risco aparentemente calculado (precisamos confiar na ciência e na eficácia de três doses de vacina nos braços), pois a alma e o coração e o sistema nervoso também precisam de alegrias que só a música e os amigos podem nos dar nesses tempos infelizes. Daí que o Lolla Brasil 2022, primeiro evento de grandes proporções no país durante a pandemia, chegou para colocar um sorriso no nosso rosto novamente, além do desejo de que estejamos chegando ao fim desse período assustador da história.
Nesse primeiro dia, o Lolla começou muito bem. A entrada do público foi a mais organizada de todas as edições e havia muitos espaços para comer e beber no festival, facilitando a estadia do público no ambiente. Na escalação de artistas teve de tudo um pouco. Mas também teve chuva forte batizando os mais de 100 mil presentes por longos 10 minutos que serviram para encharcar os desavisados que ignoraram os ambulantes no trem vendendo capa de chuva e garantindo “vai chover, vai ser temporal” (os palcos chegaram a ficar parados por mais de 40 minutos, atendendo a normas de segurança, importantes demais em um evento com essas proporções).
O saldo final foi bastante positivo, ainda que os nossos relatos abaixo comecem com Detonautas e terminem com Strokes (risos) – nem tudo é perfeito. Mas celebrar a vida em 2022 é algo que todos devem fazer em algum momento em que se sintam seguros. No Lollapalooza Brasil 2022, mais de 100 mil pessoas se sentiram aparentemente seguras, e ainda que a morte de Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters falecido aos 50 anos na Colômbia (a banda seria a headliner de sexta no festival Estereo Picnic, parceiro do Lollapalooza), tenha sido uma tragédia, também deixa a sensação de que a vida é curta e precisamos aproveitá-la ao máximo… e sermos felizes. Saiba, então, como foi o primeiro dia do Lollapalooza Brasil 2022.
Detonautas (BUD – 13:05 – 13:50)
por Marcelo Costa
O mundo aplica umas peças na gente que fica difícil entender, tipo por que artistas com obras legais com Roger (Ultraje a Rigor), Marcelo Nova (Camisa de Vênus), Eric Clapton e Van Morrison são desgraçados negacionistas e Detonautas não é? O grupo de Tico Santa-Cruz produz um pastiche sonoro de variantes de rock que poderiam embrulhar o estomago, mas, nesses tempos de terra sem lei, também opina sobre coisas com sobriedade rara na música brasileira. O show no Lolla, porém, deixou os ataques ao governo Bolsonaro de lado (seria legal ter ouvido “Micheque” ao vivo) e concentrou-se numa sessão de autoajuda de 45 minutos com Tico bradando “Deus é Amor” (depois de dizer que o amor não está na igreja nem no pastor), gritando “sobrevivemos” e pedindo pra todo mundo abraçar o/a amigue do lado, pois isso era uma revolução. Em homenagem a Anitta, número 1 no Spotify mundial, Tico fez o challenge da música “Envolver”. O bom público presente cantou os hits num show que é ruim, mas, depois de 24 meses trancado em casa, foi bom.
Edgar (ADIDAS – 13:05 – 13:50)
Por Janaina Azevedo
Metido dentro de um vestido da marca nova iorquina Vaquera, Edgar deu o pontapé inicial no palco Adidas, primeiro dia de Lollapalooza. Ágil, esquio e rápido, o Novíssimo Edgar comanda um espetáculo multimídia, com o telão e a performance cenica conectados com a mensagem política de alta voltagem de suas letras. Quando toca “Plástico”, do EP “Ultrassom”, de 2018, Edgar entra dentro de um grande saco de lixo e canta toda a música ali, fechado pelo coadjuvante, uma pessoa fantasiada com quem interage por toda a apresentação. O instrumental bate pesado no peito, com a baterista Sthe Rodrigues e o DJ Pancho Trackman. Mas é Edgar que atrai toda atenção pra si: entre batidas e mensagens anti-sistema, o público ainda pequeno não tirou os olhos do rapper de Guarulhos. O melhor ficou pro final: a debochada Bíblia, Boi e Bala, que fechou o show curto, mas em alta voltagem do Novíssimo Edgar.
Turnstile (BUD 14:45 – 15:30)
Por Janaina Azevedo
De tempos em tempos surge uma banda que pega um estilo já clássico e faz uma espécie de atualização, com novos elementos. Foi o que Turnstile fez, em “Glow On”, lançado há menos de seis meses, e trouxe o groove para o meio da pancadaria punk. A mistura levou a banda já veterana pras listas de melhores do ano e foi assim que o Turnstile subiu ao palco já aclamado, ainda durante a tarde do dia 1. Duas noites antes eles já haviam esgotado um side-show no Cine Joia. Quem estava sedento por um show paralelo do Idles ou do Black Pumas acabou levando uma amostra do show insano do Turnstile. A banda pede roda punk: o baixista insandecido Franz Lyons faz o gesto girando o dedo e o público obedece.
The Wombats (ONIX – 15:35 – 16:35)
por Marcelo Costa
Cinco minutos pra sair do palco principal (BUD) e ir pro palco Onix é bem injusto, o que vitimou algumas canções (e pernas), mas ainda deu tempo de ouvir “This Car Drives All by Itself” e “Lemon to a Knife Fight” antes do show ser interrompido na metade da quinta música (“Kill The Director”) devido a pancada de chuva que pegava o palco de frente (o palco da Pabllo, na lateral, foi menos prejudicado). Uma pena porque o trio é bem legal ao vivo e o show estava bom até ser interrompido e, posteriormente, cancelado. Ficou pruma próxima.
Pabllo Vittar (ADIDAS – 16:40 – 17:40)
por Renan Guerra
Pabllo Vittar teve que puxar o público após o susto que a chuva forte trouxe. E ela fez isso de forma muito boa: fez o pessoal correr na lama pra chegar até seu palco e transformou seu show em uma máquina de hits. Canções de seus quatro discos fizeram a platéia lotar o menor palco do festival, provando que ela deveria estar em um palco maior. Com um show formado de bases eletrônicas, a força estava na figura de Pabllo e no seu corpo de baile. Canções como “Buzina”, “Bandida” e “Rajadão” fizeram bonito, mas o destaque fica para o remix de “Fun Tonight”, que Pabllo fez para Lady Gaga. Pra completar, após levantar a platéia, ela desceu no meio do público, ostentando uma bandeira com o rosto de Lula, candidato a presidência em 2022 – tudo isso, diga-se de passagem, transmitido ao vivo pelo canal Multishow.
Marina (ONIX – 17:45 – 18:45)
por Renan Guerra
Marina era a antiga Marina and the Diamonds e em 2015 ela havia cancelado sua participação no Lollapalooza de última hora. Porém, hoje ela tirou essa má impressão e mostrou um show pop redondinho, do tipo que agradou fãs de diferentes fases da artista. Seu show passeou por canções desde o seu primeiro disco, “The Family Jewels” (2010), até seu mais recente, “Anciente Dreams In A Modern Land” (2021). Após cantar a faixa “Man’s World”, de seu mais último disco, a cantora falou sobre a força de um show pop poder ter canções mais românticas e outras mais políticas e aproveitou para gritar um “fuck Putin, fuck Bolsonaro”. O show de Marina é bastante coeso e bem resolvido, porém parece também extremamente programado, de todo modo funciona muito bem dentro de um esquema de grande festival e foi um alento para os fãs que esperavam ela de forma ansiosa.
Caribou (ADIDAS – 18:50 – 19:50)
por Renan Guerra
Parecia curioso que o Caribou tocasse no palco menor e não no palco de música eletrônica, porém essa dúvida foi sanada assim que o show do artista começou. Diferente daquele esquema de bases pré-prontas e um artista solo no palco, Caribou trouxe banda completa e tranformou o palco menor em uma rave mais forte do que muitos shows do palco eletrônico. Três músicos se revezavam no palco em diferentes instrumentos para acompanhar o artista, em uma perfomance que conversa com a força de um show de rock, mas que mantem a estranheza de uma perfomance eletrônica. Misturando canções de diferentes discos e contando com uma iluminação intensa, Caribou mostrou a sua força, que ganha outra cara no palco. Certamente um dos melhores shows do primeiro dia.
Machine Gun Kelly (BUD 18:50 – 20:05)
por Janaina Azevedo
Com todo respeito ao pop punk, eu fui pro show de um dos headliners da sexta, Machine Gun Kelly, pronta pra falar mal. Um artista confuso, que faz uma mistura esquisita de rap com punk, e surfa na onda do revival do emo nunca me convenceu. Mas o show não foi de todo ruim. Lançando o disco “mainstream sellout”, Colson Baker estava de ressaca da noite anterior (quando fez um show fechado pra convidados de uma das patrocinadoras do festival) e mesmo assim, enlouquecido pra mostrar as músicas novas. Bom de palco e carismático, MGK corre de um lado pro outro, segura bem os vocais, joga a guitarra rosa pro roadie várias vezes (que depois vai lá e devolve o instrumento pro vocalista). No show, as músicas saem mais pesadas e sujas do que a sonoridade limpinha, mais pop do que punk. Mesmo assim, algumas guitarras melosas remeteram a sons como os do The Calling. Como eu disse, MGK é um tanto confuso. No meio disso tudo, ele canta um rap. Por mais que seja bom rimando, MGK soa deslocado: nem tão pesado quanto o punk, nem tão contundente quanto um bom rapper. Mas o público não se importa. É um show pra saudar os órfãos do emo, que cantam especialmente os hits do disco Tickets to My Downfall, que inclusive abre o show. MGK tem o público, tem a cara de pau e a conexão com o tempo em que vivemos. Ele pode ser tudo, só não é especialmente bom em nada. Porém, o show funcionou. Ponto pra ele.
Doja Cat (ONIX – 20:10 – 21:10)
por Renan Guerra
Doja Cat é para muitos uma estrela de TikTok, suas canções são hits de internet e parecem não ir muito além, porém ao vivo ela prova o contrário. Com uma banda potente, Doja faz um show grandioso, ao estilo rockstar, em que ela não obedece coreografias e nem regras, aparentemente se divertindo no palco. Seus hits mais recentes, como “Woman” e “Kiss Me More” levantaram uma platéia que sabia de cor suas canções e, inclusive, o telão fazia questão de mostrar a presença de celebridades como Ludmilla e Bruna Marquezine bem na frente do palco. De todo modo, o público brasileiro ainda cobrava no palco a presença de Danny Bond, o que não rolou. Para quem não sabe, há no TikTok um remix em que o hit “Say So” foi mesclado com “Tcheca”, de Danny, e essa versão se tornou um viral internacional, porém não foi dessa vez que o encontro entre as artistas aconteceu.
Strokes (BUD – 21:15 – 22:45)
por Renan Guerra
2022 e parece um pouco fora do nosso espaço-tempo que se fale em Strokes. Os últimos discos deles nem são horríveis ou detestáveis, porém apenas parece parado no tempo que tenhamos Strokes ainda como headliners de um grande festival. Será que os grandes headliners acabaram? Não temos artistas mais pulsantes para colocar no palco principal de um grande festival? Essas são perguntas complexas, porém o que podemos responder agora é que Strokes como headliner é algo completamente ultrapassado. E isso se responde no palco: com um show monocórdico, com intervalos estranhos e uma luz escura, os Strokes não conseguiram cativar o grande público que se reuniu no palco principal ao final da noite. Mesmos as canções mais clássicas lá dos primeiros discos ainda pareciam anêmicas e estranhas. The Strokes não é um grande artista de palco e por isso não se esperava um grande show, mesmo assim o que se viu ainda foi mais desanimador do que o previsto.
– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.
Saiba como foram as demais edições do Lollapalooza Brasil:
2012 – 2013 – 2014 – 2016 – 2018 – 2019
Com todo respeito ao Scream & Yell que eu adoro e acompanho há anos, achei que ficaram meio superficiais as resenhas dos shows. Não sei explicar, mas senti uma má vontade na escrita dos textos.
Má vontade é uma palavra forte, Rodrigo, mas é que há no line do Lollapalooza muito artista que não faz sentido, musicalmente, estar ali. E, como editor, não senti essa superficialidade que você levanta. Se a gente comparar com coberturas que fizemos em outras edições do festival (estão todas linkadas no fim do texto) ou de outros festival (Coachella, Oya, Primavera) que vc já deve ter lido aqui, está no mesmo padrão. Talvez o diferencial foi que tentamos cobrir mais shows dessa vez porque não dá pra ver tudo, fato, mas se organizar direitinho a gente consegue ver e falar de mais coisas. E dai a gente acaba vendo e escrevendo de coisas que, necessariamente, não iria ver e escrever se fossemos focar só no que achamos que deveriamos ver. Talvez seja isso, afinal, é impossível escrever as resenhas tradicionais que escrevemos de 5 mil toques sobre 30 shows, porque a cobertura iria se transformar num livro 🙂
Vi parte do show do Strokes pela TV. “Vi” enquanto lavava louças e fazia outros afazeres domésticos. Esse show foi muito, mas muito sem graça. Paumolescência sonora iluminada por strobos potentes.