texto por Fernando Yokota
Quase quatro anos depois do segundo álbum, “How Did We Get So Dark” (2017), o duo inglês Royal Blood volta às prateleiras com o aguardado “Typhoons” (2021), lançado em abril. A identidade visual em cores do novo trabalho contrasta com o resto da discografia, até em então monocromática, com a mudança permeando os quase quarenta minutos do álbum.
“Trouble’s Coming” foi a carta de apresentação do novo trabalho, tendo sido lançada como primeiro single em setembro de 2020, seguida de um clipe sombrio dirigido por Dr. Lix e da inclusão na trilha dos games da EA Sports NHL. Evocando o Chic de “Le Freak”, os primeiros segundos de “Trouble’s Coming”, que abre “Typhoons”, colocam o globo luminoso para girar e anunciam o começo de baile.
Na sequencia vieram os singles e clipes da faixa título (com vídeo dirigido por Quentin Deronzier em janeiro), “Limbo” (março, que posteriormente ganhou um vídeo com orquestra gravado em Abbey Road) e “Boilermaker” (abril), dirigido e estrelado por Liam Lynch. Menos garageiro e muito mais dançante, a volta do Royal Blood é um oásis pulsante em meio ao deserto da pandemia.
Liricamente, no entanto, o tema recorrente é o da luta pela sobriedade e um relato dos tempos de descontrole que espelham a relação do baixista e vocalista Mike Kerr com o abuso de substâncias de forma franca como é evidente na faixa-título e em “Trouble’s Coming” ou os perigos de supostas amizades em “Who Needs Friends”, formando a interessante relação dicotômica com a música pulsante.
“Boilermaker”, tema que a banda vinha executando em shows anteriormente e que é coproduzida por Josh Homme, e a já citada “Who Needs Friends” são os momentos que remetem àquilo que até então tornara a banda conhecida: o baixo submerso em distorção e modulação de Kerr e a mão pesada de Ben Thatcher na bateria.
Mas com exceção da última faixa, “All We Have Is Now” (um inusitado “piano e voz”), “Typhoons” é um instrumento de possessão de corpos, fazendo pés baterem no chão ao som do arpegiador hipnotizante de “Million And One” e levando corpos a se acabar ao som de pancadas como “Oblivion” ou a irresistível “Hold On”.
A inclusão de toda uma nova paleta de timbres, das palmas ao piano, contudo, não é mero jogo de cena para reapresentar uma versão recauchutada de si próprio. Em “Typhoons”, a banda passa ao largo da tentação de se esconder atrás de um pretenso “minimalismo” e se arrisca nessa nova sonoridade cujo exemplo mais claro está no refrão de “Limbo”, com o baixo passeando com “disco octaves” ao estilo Bernard Edwards por cima do chimbal.
Além das 11 faixas do álbum (que está sendo lançado em vinil, cassete, CD e digital), “Typhoons” conta com duas faixas bônus (ambas produzidas por Josh Homme): “Space”, presente na edição especial japonesa do álbum e também na versão deluxe digital, que ainda traz “King” (que chegou a ser tocada em shows em 2019, mas ficou de fora da versão oficial) – as duas com uma pegada muito mais Royal Blood “das antigas”.
Como Dorothy no Mágico de Oz, o duo de Brighton sai do preto e branco dos dois primeiros discos e mergulha de cabeça no technicolor em “Typhoons”, abraçando novos sons e descobrindo infinitas novas possibilidades. Equilibrando o irresistível som dançante com os temas sombrios das letras, o Royal Blood cria o coquetel perfeito para lidar com as mazelas da vida naquele que é, sem dúvida, seu melhor trabalho.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
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