por Paulo Pontes
Texto da época da faculdade, feito para um exercício de web rádio, mas nunca publicado. “Não é uma crônica, não é ‘real'”, explica Paulo. “Mas para um garoto que que viu seu primeiro show aos nove anos e esse show era dos caras, posso dizer que soa verdadeiro”, completa.
Impossível não reconhecer o barulho do motor. Eu sabia que estavam chegando novamente. Já ia abrir a porta quando ouvi o som da buzina, que confirmava: eram eles. Saí correndo e avistei, em frente ao portão, a insubstituível Brasília amarela. Dinho, o líder da trupe formada por cinco loucos, desceu do carro e falou com uma voz rouca e engraçada: “Atenção, Creuzebeck! Creuzebeck, meu filho!”. Foi o suficiente para eu cair na gargalhada.
Abracei cada um deles, que vestiam roupas hilárias, e comecei a ouvir, mais uma vez, tudo o que tinham para me ensinar — ou, simplesmente, o que eles tinham para me alegrar.
Talvez por eu ter apenas 9 anos de idade, algumas coisas não faziam muito sentido para mim, mas eram engraçadíssimas. Acho que era por conta da forma como Dinho soltava cada uma daquelas frases: sempre com uma voz diferente, como se quisesse imitar outras pessoas.
Eles me falaram, por exemplo, sobre a frustração em ver o “filhinho chorando querendo ter um avião”. Eu refleti: “Caramba! Choro por muito menos”. Também me contaram a respeito do dia em que foram convidados “para uma tal de suruba”. E eu não fazia a menor ideia do que era aquilo, mas, para não passar vergonha, evitei perguntar — ainda bem que à época o Google não existia. Entre outras coisas, me ensinaram que “gay também é gente” e que “a soma dos quadrados dos catetos é igual a porra da hipotenusa”.
Diversão! Essa é a palavra que melhor define os momentos que passei com eles. Não tinha tristeza por perto, apenas risos.
De repente, Bento, Júlio, Samuel, Sérgio e Dinho anunciaram que precisavam ir. Tinham um compromisso inadiável com algumas garotas na cidade de Santos. Deram partida na Brasília e saíram cantando “Sabão Crá Crá”; e eu, nem cabelo no saco tinha.
Nesse momento, acordei. Quase todas as noites eles apareciam nos meus sonhos. Acordei rindo, me virei para o rádio relógio na mesa de cabeceira, que anunciava: 6 horas da manhã. Era dia 3 de março de 1996.
Me sentei na cama e, do meu quarto, percebi que a televisão da sala estava ligada. Fui até lá, dei uma olhada e vi a foto dos meus ídolos — e amigos durante o sono. Meu sorriso deu as caras: “logo cedo vendo notícias sobre eles, que maravilha!”. Mas minha mãe não sorria, pelo contrário, chorava de maneira incessante.
“Como assim?” — pensei. Era impossível chorar quando o assunto era relacionado aos cinco. O objetivo deles era proporcionar risadas e momentos de alegria. Essa, me parecia, era a função, o papel deles na Terra. Mas, bastou ouvir o repórter — que pronunciava as palavras visivelmente magoado, abalado e perplexo —, para entender o motivo das lágrimas de minha mãe.
Meus olhos ficaram marejados. Minha mãe virou o rosto em minha direção e soluçando disse: “Eles se foram, meu filho. Os Mamonas Assassinas se foram”.
Não consegui acreditar. Voltei correndo para a cama e chorei. Mamãe foi até o quarto e, sem sucesso, tentou me consolar. E, chorando incontrolavelmente, peguei no sono. Foi aí que, novamente, ouvi o barulho do motor, da buzina e saí correndo em direção ao portão: eram eles. Dinho abaixou o vidro da Brasília e falou: “Atenção Creuzebeck! Creuzebeck, meu filho! Nós sempre estaremos aqui!”.
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash, assina a Kontratak Kultural e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
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