por Fábio Torres Balsemão
O domingo (05/06) passa cinza e frio na capital gaúcha. A temperatura não atinge dois dígitos quando um sorriso abre a grade que separa a rua da longa escadaria da Casa Frasca. Embora seja bem cedo, um bom número de pessoas já circula pelo local. Tocas, mantas e luvas fazem parte da indumentária geral, que é bem diferente das camisetas coloridas e dos grandes copos de chope presentes num tão longínquo junho de 2015, na Casa do Flu, quando um verãozinho passou pela cidade e a banda Apanhador Só iniciava os trabalhos da turnê nacional “Na Sala de Estar”, que percorreu mais de duas dezenas de cidades, contabilizando mais de 100 shows e que fecharia seu ciclo este fim de semana, mas, com ingressos esgotados em menos de uma hora, forçaram a banda a repetir a dose no próximo fim de semana. Mais quatro shows. Ingressos novamente esgotados. É a Apanhador Só de volta a Porto Alegre.
Alexandre Kumpinski está terminando de organizar a micro arena na sala do espetáculo. Banquinhos menores na frente, cadeiras mais altas atrás, assim todo mundo pode enxergar, ele explica, com a experiência de quem já montou dezenas de vezes o pequeno circo. Em clima de bate papo, Alexandre conta um pouco da viagem, do quanto a banda amadureceu, o quanto a estrada fez com que os integrantes se reconhecessem no que os une e no que os diferencia. Tudo vai ser mostrado em breve num documentário com as imagens captadas durante a turnê. Agora a banda pretende dar um tempo dos shows e se concentrar na produção do próximo disco, que não deve demorar, assim como o show, afinal a sala já está lotada e a festa precisa começar.
O palco é pequeno e a quantidade de instrumentos e fios espalhados por todos os lados não ajuda em nada. Para aumentar o desafio, a banda troca de instrumentos quase a cada música, o vocalista vai pra percussão, o baixista pega a guitarra, o guitarrista toca bicicleta, o baterista deve estar agachado em algum canto do palco fazendo algum efeito maluco. É impressionante ver o malabarismo e a agilidade da banda que, depois de tantos shows, está afinadíssima. Mas não é o mesmo show do início da turnê, um ano atrás, as músicas evoluíram, ganharam novos arranjos, e a pegada é pesada, mesmo na mais delicada das canções. A Apanhador Só é a guitar band mais bem disfarçada do Brasil.
Na medida em que o show avança, fica cada vez mais difícil permanecer sentado. O público, acostumado a buscar suas músicas preferidas na internet, vai entoando uma a uma as canções. Em “Nado”, do segundo disco, são distribuídos instrumentos percussivos pra participação se tornar mais efetiva, brincadeira essa que se repete em quase todos os shows. Até que em “Maria Augusta”, do álbum de estreia, ninguém mais resiste e a sala vira um grande salão de baile – as pessoas já esqueceram o frio da noite a muito tempo. O show termina e a plateia pede o óbvio bis. Eles nem saem do palco, acatando a sugestão do público e das músicas pedidas: “Nescafé” e “Vila do Meio Dia”, ambas do primeiro disco, encerram o espetáculo. Sorrisos abertos em rostos iluminados. A banda agradece a presença do público e convida a todos para permanecerem. E todos se sentem em casa.
Tirando a marca “independente” é muito difícil colocar qualquer outro tipo de rótulo na Apanhador Só. Música brasileira, nova MPB, rock, samba, noise, rock gaúcho, tudo isso e muito mais, mas ninguém mais dá bola pra isso: o importante é a música, bem executada, com ótimos e inovadores arranjos, numa linguagem que fala sobre o que está acontecendo agora, que toca o coração e o cérebro da geração que está na rua, que está se mexendo. Não aparece em rádio comercial, nem TV aberta, mas toca na internet e na esquina. Nem bem a memória do show do domingo frio se esvai, e a banda anuncia nas redes sociais um show surpresa, no Instituto de Educação, uma das escolas ocupadas por estudantes que lutam por um melhor ensino e por condições básicas nas escolas do estado. O show vai ser de graça pra eles. Eles merecem. A Apanhador Só faz por merecer.
– Foto 1 por Denise Wochnicki / Foto 2 por Fábio Torres Balsemão
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