Texto por Daniel Tavares
Foto de Liliane Callegari
Humberto Gessinger, vocalista, escritor e multi-instrumentista gaúcho está viajando por todo o país com a turnê “Louco Pra Ficar Legal”, versão repaginada da tour “Insular” (2013/2014), que celebrava seu primeiro lançamento totalmente solo em mais de 30 anos de carreira divididos entre Engenheiros do Hawaii (1985/2008), Pouca Vogal (2008/2012) e, o mais próximo que chegou de uma carreira solo, Humberto Gessinger Trio (1996).
O mote para a nova turnê é o lançamento do compacto em vinil “Pra Ficar Legal”, uma canção “que chamou pouca atenção à época do seu lançamento no disco ‘Surfando Karmas & DNA’ (2002). Ela parece fazer mais sentido hoje, onde um pouco de loucura parece necessário para ficar legal num mundo tão careta”, explica Humberto na entrevista abaixo. No lado B do compacto, “Faz Parte”, outra (bela) canção esquecida, esta do álbum “Minuano” (1997), que também reaparece em novo arranjo.
“Na tour ‘Insular’ (resenhada pelo Scream & Yell aqui) era central pra mim mostrar as canções do disco recém lançado. Agora estou mais livre para passear por todas as fases da minha carreira e, inclusive, mostrar algo do trabalho que lançarei em 2017”, avisa Humberto às vésperas de um show em Fortaleza, comentando ainda sobre artistas nordestinos que admira, a volta da Legião Urbana e o que está ouvindo no momento.
Humberto e os Engenheiros foram tema de um tributo no Scream & Yelll lançado em novembro de 2014, e que já ultrapassou a marca dos 25 mil downloads. Conheça “Espelho Retrovisor“
Como está sendo a turnê “Louco Pra Ficar Legal”?
Um sonho! Um aprofundamento da tour “Insular”, que marcou meu retorno ao baixo e ao power-trio depois de dez anos mergulhando em projetos acústicos (Acústico MTV, Novos Horizontes e Pouca Vogal). As novidades, agora, estão no repertório, em alguns arranjos e no cenário. Na tour “Insular” era central pra mim mostrar as canções do disco recém lançado. Agora estou mais livre para passear por todas as fases da minha carreira e, inclusive, mostrar algo do trabalho que lançarei em 2017. Em termos de formato musical, a espinha dorsal do show é guitarra, baixo e bateria. Mas há um set acústico com acordeon, violão e percussão. E algumas canções onde teclados entram pra trazer outras cores. Três trios, na real.
De onde veio esse nome da turnê?
Fui buscar “Louco Pra ficar Legal” numa canção que chamou pouca atenção à época do seu lançamento no disco “Surfando Karmas & DNA” (2002). Ela parece fazer mais sentido hoje, onde um pouco de loucura parece necessário para ficar legal num mundo tão careta. Acabo de lançar um compacto em vinil (o primeiro da minha carreira) com “Pra Ficar Legal” e “Faz Parte”. As duas canções estão em momentos chaves do show.
E nas cidades onde você já se apresentou, como tem sido a reação do público ao novo formato de algumas canções?
Sensacional. Meu público já conhece e se relaciona bem com minha maneira de retrabalhar os clássicos.
Existe algum plano para algum registro dessa turnê? Algum DVD ou disco gravado ao vivo, como aconteceu na turnê “Insular”.
Sim, há muita vontade de fazer este registro audiovisual, mas também há um disco de inéditas sendo composto… sinceramente, não sei qual dos projetos tomará a dianteira.
Por falar em DVD, nós somos do tempo das fitas cassete e hoje dá pra ver qualquer coisa no YouTube, enquanto arquivos de áudio podem ser baixados, legal e ilegalmente, com grande facilidade. Como você vê a indústria fonográfica hoje e os desafios de ter uma banda neste novo milênio?
É outro mundo, de fato. Muita água passou sob a ponte. Mas, no fim, é o mesmo rio: mudam os formatos e alguns elos na corrente, mas o principal permanece: a música, o diálogo entre quem emite e quem capta. Não perco muito tempo pensando na indústria e no mercado, não por soberba: por pura falta de talento para estes assuntos.
E sobre a decisão de voltar a gravar vinis (com esse novo compacto). É um formato que tem muitos fãs, mas muito pouca gente tem vitrolas hoje em dia. Como você vê isso?
As canções estão disponíveis também em formato digital. Temos cada vez mais que aprender a conviver com diversos suportes para as canções.
Nesta turnê você não deve estar cantando “Fé Nenhuma”, do disco aniversariante “Longe Demais das Capitais” (1986), cuja letra dizia “Você quer me pôr no agito / no movimento estudantil / Mas eu não acredito / No futuro do Brasil”. Nós estamos vivendo um momento político delicado. E você sempre foi uma pessoa engajada e interessada em tudo a sua volta, embora evite falar em suas letras de forma tão aberta dos problemas específicos da época em que as canções foram compostas. Como você tem visto as mudanças (se é que houve alguma) que aconteceram recentemente no cenário político brasileiro?
Eu acho que falo bem diretamente, talvez o que eu tenha a dizer é que não seja muito linear (hehehehehe) afinal, é assim a vida para quem resiste à tentação de criar atalhos e resumos. Não acho animadoras as perspectivas para nosso país, mas não quero espalhar meu ceticismo e minha melancolia. Deixo que minhas músicas falem por mim, nela tudo está mais equilibrado. Tenho tocado algumas canções do “Longe Demais das Capitais” nesse ano em que comemora-se 30 anos de sua gravação, mas “Fé Nenhuma” não está entre elas. “Toda Forma de Poder”, “Beijos Pra Torcida”, “Longe Demais das Capitais”, “Todo Mundo é Uma Ilha”, “Segurança”, “Sopa de Letrinhas” e “Crônicas” já rolaram na tour.
E no rock? Como você vê o rock de hoje em dia? O que tem ouvido?
Faz duas semanas que só ouço Focus, uma banda holandesa dos 70. Rock instrumental antes do estilo virar competição de “quem toca mais notas por segundo”.
Mais sobre esse assunto: o que a molecada faz hoje é mera cópia do que já foi feito ou apenas beberam da influência de bandas como a sua e tem inventado algo novo?
Perigoso generalizar. Há cópias grosseiras, mas há também muita gente que cita gerações anteriores com talento e criatividade.
Digamos que você pudesse dizer algo ao Humberto Gessinger de 23 anos, da época em que vocês estavam lançando o “Longe Demais das Capitais”. O que você diria para ele?
Diria pra ele se dedicar aos instrumentos, às palavras e acordes, sem ilusão quanto aos modismos e tendências do momento. Eu, de fato, falei isso para mim mesmo bem antes de montar a banda.
E sobre ter tantos fãs, no Brasil inteiro. Como é isso pra você? Você conseguiria descrever a emoção de estar num palco diante de milhares de pessoas sabendo que, para cada um que você vê à sua frente, estão ali não só porque a sua música é bonita ou é uma balada legal, mas porque alguma música sua, algum disco seu, alguma letra de canção fez parte de algum momento importante da vida deles?
É uma loucura! Ainda mais para um cara que sempre foi muito tímido e deslocado como eu. Uma benção. Não consigo evitar a ideia de que há uma missão nessa loucura boa. Fazer parte da memória afetiva das pessoas, o que pode ser maior do que isso? A maneira mais digna de encarar esta responsabilidade, eu acho, é não pensar nela, seguir em frente fazendo o que a inspiração manda.
E o retorno da Legião Urbana? Quando se fala em rock nacional dos anos 80/90, é difícil não apontar o nome das duas bandas, Legião e Engenheiros. Como você vê a volta da banda em turnê especial com André Frateschi?
Legião Urbana, nos seus discos, construiu um repertório fantástico. É ótimo que os guris estejam na estrada tocando estas canções. Independente de se chamar Legião ou não. Comparado à riqueza da música que criaram, isso é só um rótulo.
Bem, se a Legião voltou, há possibilidade de vermos novamente a formação considerada mais clássica dos Engenheiros, com você, Augusto Licks e Carlos Maltz, dividindo o mesmo palco? Como está o relacionamento entre vocês?
Acho que não há nenhuma mágoa entre nós, mesmo porque não temos mais idade para esse mimimi. Só guardo boas e carinhosas lembranças dos guris, apesar de estarmos distantes. Mas não há planos para nenhuma volta de nenhuma formação dos EngHaw num futuro próximo. Me assusta um pouco encontrar pessoas para as quais o rótulo é mais importante do que o conteúdo, não posso me dar ao luxo de pensar assim. É o meu coração que está ali, pulsando no centro da arena.
Você já escreveu vários livros, mantém um blog, o Blogessinger, além de ser um grande letrista. O que veio antes? A paixão por escrever fez de você um músico, ou o fato de ser um músico te tornou um escritor?
A palavra escrita é anterior à palavra cantada na minha vida pessoal. Apesar de o mundo lá fora ter me conhecido antes como músico. No centro sempre esteve a palavra. Mas a emoção da música é mais misteriosa e poderosa. Sou fascinado pelo som.
Há planos para um novo livro?
Não para este ano. Tenho lido tanta coisa boa (voltei a ler os clássicos) que acabei me inibindo, eu acho.
Você tem trazido também a cultura do Rio Grande do Sul para diversos dos seus discos, seja no ritmo das canções, nas participações especiais ou nas letras (“Ilex Paraguariensis”, por exemplo). Como você vê a aceitação disso em regiões tão distantes e de culturas tão diferentes?
Tem sido incrível. Estou conseguindo deixar mais claro um elemento que sempre existiu na minha música. Acho que tem a ver com a participação do Rafa Bisogno (nas duas últimas turnês), que é mestre nos ritmos regionais.
E sobre a cultura cearense, nordestina, o que você mais admira?
Minha formação deve muito à geração que misturou música nordestina com rock e pop: Zé Ramalho e Alceu Valença, principalmente, mas também Fagner, Belchior, Ednardo, e – claro – os baianos! E Gonzaga! E Dominguinhos! Meu Deus do céu, que benção viver no mesmo país destes caras! Meu sonho é que nós, gaúchos, um dia consigamos fazer algo parecido. Se eu puder contribuir minimamente com isso, já me dou por satisfeito!
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista, mora em Fortaleza e já escreveu para o Scream & Yell sobre Amadou Diallo e Bruce Springsteen (aqui) e Roberto Carlos (aqui)
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