por Marcelo Costa
“Memórias de Salinger”, de Shane Salerno (2013)
O raso da história sobre Jerome David Salinger é bastante conhecido: escritor cujo romance de estreia, “O Apanhador no Campo de Centeio” (1951), se transformou em um imenso sucesso mundial (com 65 milhões de exemplares vendidos desde seu lançamento) e, segundo alguns, no livro preferido de serial killers e psicopatas, J. D. Salinger se refugiou em uma fazenda logo após alcançar o sucesso e nunca mais lançou outro livro (nos 59 anos seguintes que viveu – ele morreu em 2010), levando uma vida reclusa (com raríssimas entrevistas ao longo dos anos). Não espere que “Memórias de Salinger” (“Salinger”, no original) vá desvendar o mito: Shane Salerno beira o sensacionalismo num documentário que busca louvar o escritor, mesmo quando seus atos não são tão louváveis. Feito para fãs (e, acredite, são milhões), “Memórias de Salinger” merece atenção cuidadosa, mas está longe de ser um desperdício (principalmente para neófitos, que pouco conhecem sobre o escritor), recriando a vida de Salinger com muitas informações interessantes, dos 299 dias que viveu na Segunda Guerra Mundial (“Ele chegou no Dia D e lutou até o Dia da Vitória”, conta um entrevistado) passando por seus vários contos recusados pela revista New Yorker, seu sucesso avassalador com “The Catcher in the Rye” e sua posterior paixão controversa por garotas menores de idade (movida a cartas e encontros), o assassinato de Lennon, os casamentos e o legado do escritor num roteiro que desenha um homem perturbado e manipulador, ainda que textualmente genial.
Nota: ** ½
“Vilanova Artigas: O Arquiteto e a Luz”, de Laura Artigas e Pedro Gorski (2015)
Um dos grandes nomes da arquitetura brasileira, a história de João Batista Vilanova Artigas é revista no ano de seu centenário num documentário (dirigido por sua neta) obrigatório não só para arquitetos, mas também para quem se interessa pela história do Brasil – com grifo no período da ditadura. Nascido em Curitiba, Vilanova Artigas mudou-se para São Paulo e graduou-se como engenheiro-arquiteto pela PUC. A primeira parte do documentário mostra seus trabalhos iniciais destacando a “Casinha” (1942), o belo Edifício Louveira (1946), o estádio do Morumbi (1952) e o mítico edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo, tendo sido ele um dos fundadores do curso, em 1961. No segundo trecho, o filme foca na perseguição sofrida pelo arquiteto nos anos 60. Membro do Partido Comunista desde 1945, Artigas foi afastado da USP em 1964, exilando-se no Uruguai. No ano seguinte, ele retornaria ao país e voltaria a dar aulas na FAU até 1969, quando foi, assim como muitos professores (baixe o “Livro Negro da USP” aqui), aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional 5. Ele seguiu trabalhando como arquiteto, e só voltou à FAU em 1979, como auxiliar de ensino. Cinco anos depois, requereu o cargo de professor, que lhe foi negado, obrigando-o a participar de uma vexaminosa prova de habilitação (na faculdade que ele ajudou a fundar, abrigada no prédio que ele construiu) num momento vergonhoso da história da FAU, em particular, e do Brasil, como um todo. Para ver, respeitar o homem e evitar os mesmos erros.
Nota: **** ½
“What Happened, Miss Simone?”, de Liz Garbus (2015)
A trajetória de Nina Simone é recriada num documentário (in)tenso que conta com a produção da filha Lisa Simone Kelly, que cedeu imagens inéditas, diários, cartas e pontua alguns dos momentos dramáticos do filme. Do começo, quando se descobriu virtuose e estudou ferrenhamente visando ser a primeira concertista negra dos Estados Unidos até começar a cantar em boates para ganhar trocados, “What Happened, Miss Simone?” constrói a persona de uma montanha russa emocional, a ponto de seus músicos não a reconhecerem: “Era a outra”, diz o guitarrista que a acompanhou por quase toda a vida, quando a via transmutar-se e tornar-se violenta. O casamento com o ex-policial Andrew, que viria a ser seu empresário, marca tanto o início de seu período de maior sucesso quanto sua fase mais destruidora. Ela acusava o marido de espanca-la e fala que foi estuprada por ele devido a ciúmes. Ele, por sua vez, diz que ela o atacava sexualmente. Para fugir do caos familiar, Nina deixa as canções de sucesso e se aproxima da militância política na luta contra o racismo compondo canções (boicotadas pelas rádios) e convocando a plateia negra em shows: “Vocês estão prontos para queimar prédios? Para matar se for preciso?”. O filme segue com seu exílio na Libéria, o recomeço desastroso em Paris e o retorno ao auge após a descoberta da sua bipolaridade, causa de seu desequilíbrio emocional. No final, o filme soa tanto um alerta sobre a doença quanto um retrato marcante da vida de uma das maiores cantoras e pianistas da história. Muito bom.
Nota: **** ½
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Mais documentários musicais:
– Festival In-Edit 2014: Pulp, Kathleen Hanna, Hendrix, The National e mais (aqui)
– Festival In-Edit 2015: Slint, Banguela Records, Joe Strummer, Elliott Smith (aqui)
– “Cobain – Montage of Heck” remexe os diários e o baú do ídolo do Nirvana (aqui)
– Três docs: “Os Doces Bárbaros”, “Os Novos Baianos” e “Raul Seixas” (aqui)
– Três filmes musicais: “My Way”, “Searching for Sugar Man” e “Sound City” (aqui)
– Três docs: “A Farra do Circo”, “Olho Nu” e “A Linha Fria do Horizonte” (aqui)
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