texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari e Marcelo Costa
Visivelmente com menos público, melhor policiamento (o que diminuiu, mas não evitou roubos, arrastões e filas em delegacias) e a escalação musical mais fraca de todas as suas 11 edições, a Virada Cultural de São Paulo 2015 entra para a história sem deixar nenhum show inesquecível. A economia financeira da Secretária da Cultura ainda diminui o impacto de dois eventos excelentes, que felizmente tiveram resultados positivos: o Dia da Música e o Festival Cultura Inglesa, agregados ao calendário da Virada de forma oportunista.
No balanço geral, no entanto, o saldo foi positivo por apenas um motivo: houve Virada Cultural. Criada em 2005 com sucesso, a Virada correu o risco de não ocorrer neste ano, já que a primeira ideia da Prefeitura era dispersar a programação ao longo dos meses, esvaziando o evento e, muito provavelmente, colocando uma grande lápide em uma das três realizações políticas (a única cultural!) mais interessantes para o povo nesta cidade no novo século (as outras duas, a saber, são a criação do bilhete único e a inauguração da linha amarela).
Dia da Música, Festival Cultura Inglesa e a programação bacana e gratuita dos SESCs ajudaram a Virada Cultural 2015 a sobreviver, e fica a torcida para que ela receba mais atenção em 2016. Na minha lista pessoal, dos 51 shows que eu havia listado entre os preferidos (a maioria ligada aos eventos agregados ao calendário) consegui assistir a sete (e ver outros dois de soslaio). Não deu pra ver os alemães kraut do Faust, a melhor banda do Brasil hoje, Far From Alaska (que tocou às 4 da manhã). nem Vitor Araújo, Emicida e Lô Borges. Mas valeu a pena.
Vida longa à Virada Cultural, mas que em 2016 ela deixe o Dia da Música e o Festival Cultura Inglesa brilharem sozinhos. Abaixo, os sete shows da minha Virada Cultural 2015:
– 17h – The Soundscapes no bar Razzmatazz, Vila Madalena (Dia da Música)
Duas semanas atrás, Sharon Van Etten, quando perguntada sobre o que ela conhecia de música brasileira, citou Milton Nascimento e… The Soundscapes, que ela conheceu ainda quando os irmãos Rodrigo (guitarra e voz) e Raphael Carvalho (bateria) moravam em Nova York. De volta ao Brasil e reformulado como quarteto (com Guilherme Braga na guitarra e Marco Vianna no baixo), o Soundscapes lançou no final de 2014 o ótimo EP “A Lifetime A Minute”, que foi a base para o belo set que a banda apresentou no palco montado na frente do estilo Razzmatazz, na Vila Madalena, num show mais esporrento que o normal, sem deixar de lado uma vigorosa pegada power pop.
– 18h – Loomer no bar Razzmatazz, Vila Madalena (Dia da Música)
No set list do quarteto shoegaze de Porto Alegre um total de 10 canções, sendo que seis delas eram totalmente novas (duas ainda sem nome definido) saídas diretamente das sessões de gravação do novo disco, que irá suceder o elogiado “You Wouldn’t Anyway” (2013), lançado em vinil pelo selo carioca Midsummer Records e disponível para download no site do selo paulista Sinewave. No meio da tempestade noise (amplificada pela sujeira sônica das caixas improvisadas na frente do bar) foi possível perceber que o novo material mantém o foco na sujeira (com algumas faixas curtas e punks), mas também há melodia (por trás de toda a cortina de barulho). Vale muito acompanha-los.
– 21h – Wry no bar Razzmatazz, Vila Madalena (Dia da Música)
Fechando a programação do sábado no palco Razzmatazz, os sorocabanos do Wry (na ativa desde 1994) mostraram que ainda são uma das principais bandas indies brasileiras em cima de um palco. Com um show forte e cativante, comandado pelo excelente frontman e guitarrista Mario Bross, o Wry tocou canções de praticamente todas as fases da banda, indo de “Jesus Beggar”, do álbum “Heart Experience” (2002), passando por “Come and Fall”, do compacto em vinil homônimo lançado pela Monstro Discos em 2004 até “Deeper In A Dream”, que abre a fita cassete “Wry” (2014), sucesso na banquinha de vendas pós show. Grande noite!
– 23h – Os Paralamas do Sucesso no Sesc Pinheiros
Na primeira fila, sentado no chão com a fotógrafa, converso com um alemão, de Colônia, que “odeia falar inglês”, e pergunto que catzo o levou a um show dos Paralamas às 23h de uma Virada Cultural repleta de outras atrações, e ele responde em português de gringo, que não acentua o til do ão: “Joao Barone, best drummer”! Impossível discordar. O show impecável com telão caprichado que repassa a trajetória da banda rememorando mais de 30 anos de carreira do trio – que ainda traz Bi Ribeiro e Herbert Vianna – é daqueles para sair rouco de tanto cantar e com dor nas pernas de tanto dançar. Não há tempo pra respirar: uma música acaba e Barone já inicia outra, para delírio dos fãs. 1h40 que passam voando. Sensacional.
– 15h – Carne Doce na Praça Alexandre Gusmão (Dia da Música)
Localizada na lateral abaixo do Parque Trianon e montada sobre os tuneis da Av. 9 de Julho, a aconchegante praça Alexandre Gusmão recebeu uma programação caprichada com curadoria assinada pela produtora cultural Pamela Leme: 11h Musa Híbrida; 12h40 Nobat; 14h20 Carne Doce e, encerrando, 16h E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante. A ideia era ver os quatro, mas o cansaço do dia anterior (quando a idade bate, amigo, fica difícil) aliado ao desejo de ver outros palcos da Virada reduziu a escolha aos goianos do Carne Doce, que lançaram em 2014 seu primeiro álbum, homônimo (download gratuito no site oficial da banda), e fizeram uma apresentação festejada para um ótimo público. Outra banda para se prestar atenção.
– 17h – Eduardo Dussek no Largo do Arouche (Virada Cultural)
Presente na novela global “I love Paraisópolis”, Eduardo Dussek é um dos grandes nomes do cancioneiro politicamente incorreto brasileiro que ainda não foi descoberto e resgatado pelas novas gerações. Tomara que não demore a acontecer porque hinos do quilate de “Rock da Cachorra” (1982), uma canção brilhante e cada vez mais atual (“Tem muita gente por aí que tá querendo levar Uma vida de cão / Eu conheço um garotinho que queria ter nascido pastor-alemão”) que não parece ter sido feita 33 anos atrás, merecem ecoar com mais força. No palco, Dussek faz piadas com tudo e todos. Uma senhora na área vip é a escolhida da noite: “Estou percebendo que a senhora está triste, por isso vou cantar uma música para anima-la: é uma canção sobre o fim do mundo”, deixa hilária para outro hino: “Nostradamus”, de 1980, aquela música em que uma “dona de casa grã-fina” pede que a cozinheira, morta, levante e prepare um café (tão 2015, não?). O avançado da hora me fez deixar o show sem saber se ele ainda tocou outros hinos (como “Barrados no Baile” e “Brega & Chique”, aquela da domééééstica), mas eis um artista que precisa ser mais ouvido.
– 19h – Johnny Marr no Memorial da América Latina (Festival Cultura Inglesa)
Prejudicado pela concorrência (desleal) da Virada Cultural, o Festival Cultural Inglesa, sempre com bons nomes, tinha tido pouco antes a molecada do The Strypes e um show comentado de Gaby Amarantos cantando músicas do Queen, Amy Winehouse e Smiths, e mandando bem nos discursos. Quando Johnny Marr subiu ao palco pouco depois das 19h, o Memorial já estava com um bom número de órfãos dos Smiths, que foram presenteados com um show excelente, reprisando a apresentação badalada do Lollapalooza 2014. Ou seja, quem viu no ano passado ficou com um gostinho de deja vu, mas o cara mandou bem (cantando e tocando) ao juntar números da carreira solo, seis canções dos Smiths (entre elas “Panic”, “Bigmouth Strikes Again”, “How Soon is Now” e a maravilhosa “There Is a Light That Never Goes Out”), uma do Eletronic e outra do Depeche Mode encerrando um fim de semana musical especialíssimo.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta. Veja mais fotos aqui e aqui
Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos (aqui)
– Virada 2012: Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes (aqui)
show do Johnny Marr foi mesmo muito bom (que nem o do Lolla).
as músicas solo são melhores que de muitas bandinhas indies super hypadas que tocam em horários nobres nos festivais ao redor do mundo.
Marcelo, faz um texto sobre dicas de como se tornar um crítico musical…
Lukie, estes dois textos falam muito melhor do que eu sobre a profissão: https://screamyell.com.br/blog/2008/08/15/para-ser-jornalista-musical/