por Leonardo Vinhas
Mesmo tendo o humor como base da maior parte de seu trabalho, o quadrinista Estevão Ribeiro se leva muito a sério. E tem razões para isso: Ribeiro é parte de uma geração que, diferenças artísticas à parte, se cansou dos queixumes contra as dificuldades encontradas por aqueles que se enveredam pelo caminho profissional das histórias em quadrinhos no Brasil, e decidiu tomar atitudes concretas para reverter o cenário desfavorável.
Essa geração – da qual fazem parte nomes tão diferentes quanto Gustavo Duarte, Mateus Santolouco, Vitor Cafaggi, Danilo Beyruth, Carlos Ruas e outros – cansou de ver os quadrinhos referenciados como um trabalho menor, infantil, e, munidos de seu talento e de horas e horas de trabalho duro, criou alternativas comerciais viáveis a partir das poucas brechas abertas no mercado brasileiro – fossem elas as brechas criadas pela gigante editorial Panini ou pelo pioneiro e já historicamente distante pioneirismo de Toninho Mendes e sua Circo Editorial.
Estevão é fundador da Aquário Editorial, pela qual pretende lançar novidades suas e de outros autores (seus muitos trabalhos anteriores foram lançados por diferentes editoras). É também criador d’Os Passarinhos, uma tira que nasceu online e que já está em seu terceiro volume impresso, e que, junto com a série “Pequenos Heróis” (uma homenagem aos maiores ícones da Marvel e da DC), foi responsável por lhe dar fama e projeção num mercado que, lenta, mas gradativamente, não para de crescer.
Não é esse o único foco comercial de Estevão: “Pequenos Heróis” já ganhou editora nos EUA (a pequena 215 Ink), “Os Passarinhos” têm versão em inglês online, e há uma adaptação de Julio Verne a caminho, “Da Terra à Lua”: mais que tentativas de entrar no mercado norte-americano, são avanços rumo à auto sustentabilidade financeira que todo quadrinista almeja. Na conversa abaixo, Estevão fala sobre o que ambiciona com a editora, autogestão no mercado editorial e inspirações.
Qual é a sua ambição com a Aquário Editorial?
Uma das coisas que mais ouço das editoras é: “Não é a nossa linha editorial”. Por algum tempo achei que isso era eufemismo para “não gostamos do seu trabalho”, mas depois de colocar “Pequenos Heróis” na Devir e nos EUA, “Futuros Heróis” e “Da Terra à Lua” na Desiderata (selo de quadrinhos da editora Nova Fronteira) e emplacar um projeto de quadrinhos em parceria com a minha esposa, Ana Cristina Rodrigues, na editora Claro Enigma (da Cia. das Letras), ficou evidente que alguns projetos meus não se encaixam mesmo em algumas editoras. Daí veio a demanda de criar a Aquário, para pôr em prática alguns projetos engavetados que resistiram ao tempo, apostar em alguns projetos com autores fortes e promissores, e o mais importante: não ter prejuízo.
Você estava tendo prejuízo lançando por outras editoras antes?
Não, eu quis dizer que [essa] é uma das metas da Aquário: apostar em meus trabalhos engavetados, mas com potencial. É óbvio que, se alguns trabalhos não encontram uma “casa”, é porque editores experientes acreditam que aquilo talvez não venda, e certamente estão com razão. Mas “Pequenos Heróis” rodou em diversas editoras, por três, quatro anos, antes de ser publicado pela Devir e ganhar o Troféu HQMIX de melhor publicação infantil/juvenil de 2010. E também vejo pessoas com grande potencial de publicação, nas quais eu gostaria de investir, e no determinado momento a Aquário vai dar voz e vez a esses autores e autoras.
Qual foi seu insight para criar “Os Passarinhos”?
Surgiu durante a espera para uma reunião numa empresa de animação. Enquanto esperava os donos da empresa para a qual eu faria um roteiro, rabisquei o Hector, e achei que daria um personagem para tira. Resolvi criar então um amigo “escada”. O Afonso ficou definido como o pessimista/realista e o Hector otimista/sonhador.
O formato de personagens que são amigos antagônicos é relativamente comum nas HQs. Onde você acha que está o diferencial na relação entre Hector e Afonso se comparados a outras duplas do tipo?
Talvez a graça esteja em não estar. Os amigos antagônicos que você cita são o Gordo e o Magro, Garfield e Jon, Charlie Brown e Snoopy, Sargento Tainha e o Recruta Zero: são clássicos. O que tento fazer é homenagear à minha escola, os clássicos, o que li a vida inteira. Se há alguma diferença no tipo de humor é que o meu é retrato do meu tempo, pois falo de internet, redes sociais, autopromoção; mas ainda assim é releitura das críticas à TV em Garfield, da esperança pessimista de Charlie Brown, das manias incorrigíveis do Zero. Gosto de pensar que Os Passarinhos é a manutenção do clássico.
Tem toda uma nova geração de quadrinistas que já faziam seu trabalho autoral e que passava despercebida até pelo fã de HQs, mas que ganhou uma boa projeção com a série de álbuns “MSP Apresenta” – você, inclusive, esteve num dos álbuns, o “MSP Novos 50”. Acha que a “MSP – e a Turma da Mônica”, por conseguinte – ainda são a maior vitrine para o mercado nacional?
O projeto MSP 50 e seus derivados foram uma grande vitrine, sem dúvida. Apresentou para o público – e para o mercado – uma boa leva de quadrinistas e serviu de workshop para o projeto Graphic MSP, tão planejado pelo Sidney Gusman (editor de projetos especiais da Mauricio de Sousa Produções). E para os artistas, é uma consagração de carreira. Ter um trabalho no selo – acho que já podemos chamar assim – Graphic MSP é o “Golden Ticket” (N.: o cobiçado bilhete que dá acesso às instalações de Willy Wonka em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”). E quem tem recebido essa honra tem mostrado o motivo da escolha: desenhos primorosos, textos cativantes, e vida além da MSP, como Danilo Beyruth e o Vitor Cafaggi, ambos publicando álbuns próprios pela Panini, algo inimaginável antes da “Iniciativa MSP”.
Falemos do mercado internacional agora: como está a repercussão de “Pequenos Heróis” no exterior?
Teve um bom resultado para uma editora pequena. Saiu a edição impressa, mas as vendas não foram expressivas. Estamos em negociação para o segundo número – “Futuros Heróis” – aproveitando o boom da Marvel nos cinemas e o fato do álbum homenagear os heróis da Casa de Ideias.
Você não só faz quadrinhos, faz tiras – difícil explicar para a família e para a sociedade que não é “coisa de criança”. Até quando, em sua opinião, quadrinista brasileiro vai ter que defender seu trabalho das acusações de ser algo pueril, infantilizado?
Não vai demorar muito. Cada vez mais a figura do autor de quadrinhos tem sido levada a sério, exatamente por causa das adaptações dos quadrinhos para o cinema. HQs estão sendo cada vez mais vistas como negócio, um laboratório barato para aplicação de ideias, uma forma mais rápida de mostrar o que é possível se fazer na grande tela. Estamos deixando o amadorismo de lado e tomando a batalha como adultos. Da minha parte eu estou criando a Aquário. Se isso não é crescer…
Você mesmo comercializa seus trabalhos, de livros a originais, pelo seu site. A autogestão é a única maneira de um autor de HQ fazer algum dinheiro significativo no Brasil?
Na verdade, acho que o autor devia mexer cada vez menos com o próprio trabalho. A gente devia ser aquela pessoa que mexe com a comida, nem devia tocar no dinheiro. Muitos artistas são péssimos em vender o próprio material, porém vendem o do amigo muito bem. Temos um medo de falar de nós mesmos, questionamos nossa competência o tempo inteiro, e quem é humano e passional, como são os artistas, é assim. Sabemos que fizemos algo que gostaríamos que alguém lesse, partilhasse da sua visão sobre um determinado tema, mas aí esbarra no preço. Agora, nós tivemos que nos adaptar. Deixar a cara queimar e oferecer o que fizemos, e o resultado tem sido bom, é só reparar na quantidade de mesas [de artistas] nos eventos.
Esse modelo de vender o próprio merchandising é adotado também pelo Carlos Ruas, outro quadrinista de Niterói que ganhou projeção com o trabalho na internet. Niterói está para a nova HQ nacional como Seattle esteve para o rock dos anos 90? (risos)
Ah, o Carlos é o nosso Silvio Santos. Daqui a pouco terá seu canal a cabo (risos). Nós apressamos o que queríamos que as grandes empresas fizessem. Uma hora elas nos escutam!
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Leia também:
– Entrevista: Sidney Gusman -> “Tem quadrinho para todos os públicos”. (aqui)
– Entrevista: Gustavo Duarte -> “A livraria não sabe o que é quadrinho” (aqui)
– Entrevista: Carlos Ruas -> “A melhor maneira de criticar é camuflar” (aqui)
– “Astronauta – Magnetar”, de Danilo Beyruth, conquista pelo traço detalhista (aqui)
– “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, faz releitura emocional e delicada (aqui)
– “MSP Ouro da Casa”: personagens de Maurício de Sousa ganham releitura (aqui)
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