por Marcelo Costa
Fim de tarde de uma terça-feira quente em Belo Horizonte. Em um estúdio fotográfico no bairro de Lourdes, Fernanda Takai veste o último figurino de uma sessão de fotos e o clima no local é descontraído e animado. Terminado o trabalho, Fernanda conversa com a equipe de produção, autografa CDs e tira fotos que vão ser postadas em seguida numa rede social. Depois se ajeita numa sala, passa manteiga no pão quentinho que acabou de chegar da padaria, e avisa “A minha arma é o bom humor”.
Quem acompanha a carreira dessa amapaense (o sotaque mineiro indisfarçável deve enganar muitos) que escolheu Belo Horizonte para morar não deve se surpreender com a declaração, já que Fernanda sempre atendeu fãs com sorriso no rosto, e tenta evitar embates, principalmente na internet. “A opinião das pessoas está mais visível hoje e todo mundo acha que tem o direito de falar sobre qualquer coisa”, ela observa. “Qual a saída? Ter bom humor, eu acho. E diálogo. Quando você responde de forma educada, a pessoa se surpreende”.
Ainda assim, na fase atual de sua vida, Fernanda Takai parece mais à vontade para exibir suas opiniões e ir atrás das coisas que deseja. No Pato Fu, banda que integra desde 1992, reina a democracia. “A gente vota tudo. Do repertório ao som no estúdio”, conta. No disco que gravou ao lado de Andy Summers, do The Police, ela era convidada. “Era um disco mais dele. Não trabalhei os arranjos, não dava muito palpite”, relembra. “E eu queria mostrar o meu jeito de fazer disco, gostaria de fazer de novo as minhas escolhas”, diz.
O recém-lançado “Na Medida do Impossível”, seu segundo álbum solo de estúdio, é fruto deste desejo e traz Fernanda cercada de convidados (Pitty, Zélia Duncan, Marina, Samuel Rosa, Padre Fabio de Melo) e cantando um repertório que lança luz sobre “joias esquecidas” de Leno & Lilian, Marcelo Bonfá e Reginaldo Rossi ao lado de versões em português para canções de Julieta Venegas, George Michael e Yann Tiersen, entre outros.
Da série parcerias inusitadas, uma canção de “Na Medida do Impossível” une Fernanda Takai com o Padre Fábio de Melo e o produtor Toshiyuki Yasuda, e lhe custou alguns unfollows em redes sociais. “Ficou parecendo uma trilha de joguinho”, ela conta. “Mas tem gente que nem escuta e já acha ruim, só porque é um padre”, lamenta. A canção escolhida foi “Amar como Jesus Amou”, sucesso do Padre Zezinho, primeiro grande padre cantor brasileiro, que Fernanda aprendeu a tocar ainda quando estava na escola.
A conversa se direciona para o momento político do país, e Fernanda se mostra bastante à vontade ao elogiar o governo da “presidenta” Dilma e justificar sua presença em uma campanha televisiva de um instituto do governo mineiro, atos que são frutos desta nova fase de sua vida: “Essa tomada de posição é recente, porque estou solo”, avisa. “Por que não usar a minha pessoa para falar de coisas em que acredito? Demorei muito tempo para fazer isso”. Com vocês, Fernanda Takai.
As pessoas não costumam pensar na vida do artista na estrada… essa coisa de ter que levar ferro para passar a roupa…
Tem que levar! É isso ou você viaja como o Lulu Santos, que é um exemplo extremo, já que ele viaja com seu próprio camareiro, né. Então ele leva todas as roupas que quer e o camareiro passa na hora que ele deseja. Mas a gente que é meio indie (risos) passa a própria roupa.
Você tem o seu kit de sobrevivência na estrada?
Sim, é aquele kit de hotel. Eu sempre levo um, porque a gente gasta mesmo. Sai botão, abre um buraquinho na saia, a gente tem que arrumar.
Quantos shows você fez da turnê do “Luz Negra”?
Muitos! Eu fiquei três anos viajando. Muita coisa mesmo. Acho que mais de 100 shows.
E do “Na Medida do Impossível”, já há planos?
Vamos começar a fazer show desse disco só no segundo semestre (pós Copa). Claro que se surgir propostas antes, vamos adiantar, mas acho difícil.
E mesmo os festivais já estão todos com a agenda praticamente fechada…
Mas fazer festival com esse tipo de projeto, antes das pessoas conhecerem (o disco), não é bom não.
Teria que fazer um show híbrido…
Eu queria fazer como fiz com o “Onde Brilhem os Olhos Seus” e o “Luz Negra”, que quando fui para a estrada, os discos já eram muito conhecidos. Já tinham vendido muito e tocado em rádio. Eu já lancei um clipe (do disco novo), já lancei outra música e estamos escolhendo um single agora. Provavelmente a gente lance outro clipe com algumas coisas que a gente filmou – estamos montando esse quebra-cabeça. Quero que ele fique bastante conhecido quando eu for para a estrada, porque quero tocar ele quase todo (nos shows).
No show do Auditório Ibirapuera em outubro de 2013, você tocou com uma banda nova, sem o John. A formação será essa mesma?
Eu não sei ainda! Você se lembra da minha banda anterior? A Mariá Portugal está tocando com o Arrigo Barnabé e também com uma companhia de dança, afinal ela é artista. E nesse momento acho que preciso de músicos, não artistas que tenham trabalho próprio, sabe. Cheguei a essa conclusão há pouco tempo. Então estou formando a banda, e só sei que quem deve ficar comigo por enquanto é o Lulu Camargo. Porque ele gravou o disco comigo e é um cara que só toca no Pato Fu. É o único fixo. Já o John eu não sei… Na outra turnê eu viajei demais e a Nina ficou muito sozinha. Não queria que ela ficasse tão sozinha quanto nas turnês do “Música de Brinquedo” e no meu disco. Conversamos e acho que ele irá fazer alguns shows mais importantes, mas devemos ter outra pessoa. Estou justamente vendo um monte de gente tocar, nos últimos dias, para escolher a banda.
As duas primeiras músicas que saíram foram a parceria com a Pitty (“Seu Tipo”) e a do Cholly (“You and Me and The Bright Blue Sky”)…
Você conhecia? O Cholly é uma figura muito conhecida no Sul, produtor, dá aula na Unisinos… Essa música só tinha feito parte de um projeto dele chamado Vira Lata, e um canadense já tinha a gravado – eu tinha gravado outra música do Cholly (“Backyard”), mas quando ouvi “You and Me and The Bright Blue Sky” pensei: Eu queria ter gravado essa! Tentei encaixar no Pato Fu, e não deu. O “Onde Brilhem Os Olhos Seus” era um disco dedicado a Nara, e não cabia. No “Luz Negra” eu coloquei mais canções conhecidas, e surgiu a oportunidade de gravar agora. É a única música em inglês do disco.
Uma das coisas que me deixou surpreso é que a expectativa minha (e de muita gente) era que “Na Medida do Impossível” fosse um disco de inéditas, e isso pareceu reforçado com as duas primeiras músicas, mas comecei a ouvir o disco e… perai, essa é uma música da Julieta Venegas, aqui é Benito di Paula…
No Pato Fu é assim. Há muita versão nos discos da banda. É uma coisa normal pra mim. Quando comecei a pensar no disco, cheguei a conclusão: claro, quero colocar o meu lado compositora, mas há muita música que eu quero gravar, que nunca gravei. Algumas são muito famosas, outras já foram famosas e hoje estão completamente esquecidas e músicas com a do Cholly, que praticamente ninguém conhecia – talvez só quem more em Porto Alegre. O “Na Medida do Impossível” tem um ineditismo, sabe. Mesmo que seja uma canção do… Benito di Paula.
Sim, que os jovens, a molecada, não conhecem…
Não conhecem! E são coisas que eu ouvia em casa, com meu pai. Dele as pessoas vão conhecer “Meu Amigo Charlie”…
Que é seu grande hit…
E eu não queria fazer isso, gravar a mais conhecida. Porque muita gente já fez isso. Eu nunca quero fazer a mesma coisa que outras pessoas fizeram, e mesmo que eu faça, eu tento ser um pouco diferente. No caso do Benito, dessa música em especial (“Como Dizia o Mestre”), acho que ela nunca havia sido regravada por nenhuma mulher, e é uma música feita para uma mulher cantar. As escolhas foram mais ou menos assim, sabe. Ou porque ouvi bastante (tal música) ou porque achava que o interprete / autor era uma joia esquecida. “Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme”, do Reginaldo Rossi, eu já tinha cantado há muito tempo com a Zélia Duncan em Recife. Ela já estava gravada (acho que a Zélia gravou a parte dela dia 30 de setembro de 2013) há muito tempo, e a gente queria fazer surpresa, né. Só que ele foi ficando doente…
Além desses tem Yann Tiersen…
Essa versão é da Zelia. Quem me apresentou essa música (“Mary”, vertida para “Depois Que o Sol Brilhar”) foi o Luiz Ferré, diretor que fez o meu clipe de “Insensatez”. Ele me deu um documentário do Yann Tiersen em 2010, e tinha essa música com a Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, cantando. Achei a música linda e fiquei com vontade de fazer uma versão dela. A Zélia faz versões muito bem de música francesa. E ela se apaixonou pela música também.
E a música do Marcelo Bonfa? Essa foi uma surpresa para mim…
Esse disco, “O Barco Além do Sol”, tem coisas muito boas. Tem uma música dele e do Jean (ela cantarola “Um Dia Pra Nós Dois”) que eu quase gravei, mas escolhi “De Um Jeito ou De Outro” porque eu queria fazer uma coisa bem anos 80, New Order, eu já tinha ideia do arranjo – apesar da bateria ser tocada. Eu gosto desse disco do Bonfá. Acho que ele tem a voz bonita.
George Michael é coisa sua, né (risos)
O dueto dele com Paul McCartney nessa música (“Heal The Pain”) é maravilhoso. E também não é “Faith” ou “Father Figure”, é “Heal The Pain”, que é para iniciados. John fez uma versão que, para mim, é perfeita. Então fiquei pensando: quem seria uma voz pop, legal, para dialogar comigo nessa canção? Samuel Rosa! Falei com ele e mandei a música, a versão com o Paul, e ele: Pô, mas é o Paul (risos). E eu: é um elogio, né. E ele riu (risos). Ele estava super atribulado, tinha sido convidado pelo Santana e estava gravando disco novo do Skank. Perguntei que dia ele podia: 23 de dezembro. Foi quando ele gravou. Foi a última voz do disco todo.
Vocês já tinham trabalhado juntos?
A gente fez turnê juntos, mas eu nunca tinha cantado com ele. E a gente acertou muito chamando ele. Sua voz é muito representativa. Não há quem cante igual ele, ele toca guitarra bem. É uma figura super pop, no melhor sentido da música pop. E eu gosto muito disso, dessa coisa pop que eles fazem, com letras boas, e canções que emplacaram novela, AM, FM e elevador (risos). Tinha que ser ele mesmo.
Senti muito esse viés pop no disco. Até na música do Yann Tiersen, a Zélia tirou a parte trágica da letra e o arranjo traz uma leveza que a versão original não tem, porque ela é mais dramática. Então o disco tem o padrão pop, até de produção do John, que remete ao “Onde Brilhem os Olhos Seus” e ao “Luz Negra”.
Só que ele é mais banda. O “Onde Brilhem Os Olhos Seus” somos só eu, Lulu Camargo e John.
Voltando no tempo, lembro quando você falava que só sairia em carreira solo quando o Pato Fu não te representasse mais, e cá estamos, sete anos depois, terceiro disco solo…
E gravando minhas músicas…
Como você se descobriu artista solo? Como foi pra você aceitar a carreira solo?
Primeiro: eu gostei muito da experiência porque deu muito certo. E eu vi que algumas escolhas que fiz encontraram eco nas pessoas. Desde o público primeiro (minha mãe), à imprensa, à plateia de teatro, de festival, de escola. Das fotos que eu tinha escolhido até a pessoa que fez a capa… acho que confiei mais em mim. Nesse meio tempo fiz um disco com Andy Summers, que é um disco mais dele, porque fiz algumas versões e cantei, mas a estética sonora que eu faço é muito mais moderna do que a que aquele disco representa. Mas era um disco que eu tinha sido convidada e participei até determinado lugar. Não trabalhei os arranjos, não dava muito palpite, porque já estava tudo pronto. Então pensei assim: gostaria de fazer de novo as minhas escolhas. Num disco do Pato Fu eu faço algumas escolhas, mas é uma democracia. A gente vota. Do repertório ao som no estúdio. E eu queria mostrar o meu jeito de fazer disco, com as minhas músicas também, mas sem deixar de lado as músicas dos outros que fazem parte importante do todo. Por exemplo: eu não consigo fazer um show só com as músicas novas. Poderia fazer, conceitualmente, mas como público eu espero uma hora em que apareça “aquela música”…
A síndrome de Robert Smith, que faz shows de três horas e meia tocando quase tudo porque ele sabe que as pessoas querem ouvir “aquela música”…
Mas eu gosto de show curto! No máximo uma hora e vinte. Tento pensar no lado plateia, sabe. E esse disco tem essa coisa agregadora. Tem a Pitty, tem a Marina Lima… Trabalhar com essas pessoas e fazer acontecer foi o meu desafio dentro do prazo que me deram. A Marina… faz uns 10 anos que a gente planeja fazer algo junto. “Vamos fazer? Vamos fazer”. Dessa vez vi um show dela e depois falei: “Marina, vamos fazer uma música na semana que vem”. E ela: “Beleza”, e ficou rindo (risos). Peguei uns versos que o Climério Ferreira, de Brasília, me mandou (ele sempre me manda coisas) e pedi para mexer em alguns, e ele: “Pode fazer o que quiser”. Achei ótimo, tem poeta que não aceita. “Os meus poemicros são intercambiáveis. Você pode fazer o que você quiser”, ele me disse. Mandei para a Marina, e ela achou lindo, e sugeri costurarmos isso juntas numa música. E ela é muito boa nisso, muito inteligente. Fiz uma harmonia, uma melodia e mandei pra ela alguns pedaços, e ela rabiscou algumas coisas. Depois fui a casa dela, pouquíssimo tempo depois, e finalizamos juntas, com dois violões até sair. Foi uma das primeiras músicas, “Quase Desatento”. É uma música que fala de uma pessoa que funciona mais afastada do que no meio de uma multidão. E eu tive que ficar em cima de todo mundo.
Padre Fábio, por exemplo…
O cara faz mais turnê do que a gente (risos). Falei com ele dessa música do Padre Zezinho, que eu tocava no violão, e é muito conhecida para certa geração. “Ele vai ficar muito feliz porque foi a música que o projetou”, disse o Padre Fábio. E eu: “Mas é um arranjo que será feito por um japonês”, comentei. E ele: “Pode mandar que estou dentro”. Ele nem ouviu o arranjo! Mandei para o Toshiyuki Yasuda, e ele entende um pouco de português, e comentou: “É uma música de Jesus?”. E eu: “Pode gravar” (risos). Mandei minha parte no violão para ele, e ele picotou tudo digitalmente, e construiu o arranjo sobre o meu violão. E a música ficou parecendo uma trilha de joguinho. O arriscado de chamar um Padre, de fazer deste jeito, é que algumas pessoas nem escutam e já acham ruim. Porque é um padre…
Eu não acho estranho…
Porque você conhece o Pato Fu, conhece a gente…
Isso. Eu já tinha ouvido “O Povo de Deus”, mas vi pessoas que ficaram perplexas…
Alguém no Instagram escreveu: vou te dar unfollow porque essa coisa com Padre não dá. E respondi: Mas você nem ouviu! Até brinquei: Você deve gostar de Playstation, porque se fosse de Nintendo… (risos) A opinião das pessoas está mais visível hoje e todo mundo acha que tem o direito de falar sobre qualquer coisa, e há comentários bons, mas há outros em que fica perceptível que existe um não conhecimento da coisa, ou um mau humor, ou mesmo um preconceito. A pessoa lê o título da matéria, vê a foto, mas não leu a matéria e já tem uma opinião. Viu o trailer e já disse que o filme é uma porcaria, sabe. E essas pessoas vão se envenenando. É um rancor. E a gente não pode ter uma atitude de embate porque se batemos de volta… é um terror. Qual a saída? Ter bom humor, eu acho. E diálogo. Quando você responde de uma forma educada, a pessoa se surpreende. É praticamente educar. Eu tenho filha… e ela precisa de informação…
Mas tem a coisa da criança ser cruel, algo natural devido a inocência…
Mas a Nina consegue encontrar com mais facilidade o lado bom das coisas do que eu! Coloquei uma historinha dia desses no Twitter: estava tocando uma música, e nem me lembro mais qual é, mas era muito ruim. Ela pediu para eu ouvir e perguntou o que eu achava: “Não gostei não”. E ela: “Ah, a gente ia dançar essa música no Dia dos Pais”. E eu: “Ainda bem que vocês não dançaram”. E ela: “Por que você não gostou dessa música?”. E eu: “Sei lá. Não gostei do arranjo, não gostei da voz do cantor, achei a letra mais ou menos”. E ela: “Mãe, fala pra mim só uma coisa que você gostou?”. Ela é assim, fica tentando achar o lado bom. Pode ser da índole dela tanto quanto ser das coisas que a cerca. A nossa casa tem muitas coisas diferentes porque a gente não tem um trabalho normal. Acho bom que ela tenha essa noção e cobre de mim quando eu fico mais dura, ela cobra de mim essa suavidade.
Eu imaginava você mais “animada”, não via esse seu lado…
A minha arma é o bom humor, realmente. Sou muito bem humorada e faço o meu dia virar outro, quando ele está ruim. Mas cobro muito das pessoas a minha volta porque me entrego muito. Eu me viro. Dou um jeito. Mas tenho um lado bravo… que acho que só a Nina quem conhece (risos). Os outros são filtrados pela pessoa pública.
Você devolve livros mesmo (trecho da letra “O Seu Tipo”, parceria com Pitty?
Devolvo mesmo! Devolvo!
Eu detesto emprestar livros…
Porque não voltam, mas eu devolvo… Tem livros e livros. Uma vez emprestei o “Descoberta do Mundo”, da Clarice Lispector, e nem lembro pra quem. Foi parar na casa do meu irmão sabe se lá como. Ele abriu, viu que era meu, e não sabemos como foi parar lá. Ele me devolveu. Mas eu não pergunto signo não (risos). Isso é coisa da Pitty.
Você hoje se imagina não sendo cantora?
Hoje não. Porque a coisa que mais gosto de tudo é cantar. Mais do que compor, mais do que escrever, eu gosto de cantar. Pegar uma música e cantar… do meu jeito. Hoje não, mas talvez se eu não tivesse experimentado uma carreira como cantora que me deu tanta coisa, tanto reconhecimento, os amigos que eu conheci em outros países cantando, se isso me fosse tirado, eu iria ficar muito triste. Porque de tudo o que faço o que mais gosto é cantar.
E no palco, você se sente bem?
Aprendi a gostar do palco, me sinto bem, mas gosto mesmo é de gravar. Porque sou cantora de microfone, né. Claro que o show tem o momento de encontro com o público, de realização, mas o ambiente controlado do estúdio me é mais favorável. É onde posso inventar, gastar tempo, ainda mais que é no meu estúdio. Se não tivesse tido êxito na minha carreira como tive, eu poderia trabalhar em uma agencia como relações públicas, que é área em que sou formada. Mas teria que ser uma agencia top (risos). Com muita alegria. Porque gosto da área de comunicação, de escrever, de convencer as pessoas de uma ideia. Porém, como experimentei viver de música, que é algo que muita gente tenta e é muito difícil, realmente difícil, eu ficaria muito triste se não pudesse cantar mais.
Ainda acho incrível como o Pato Fu conseguiu criar uma rotina particular…
A nossa carreira improvável…
Exatamente! Por exemplo: na hora em que a indústria estava em franca decadência, estava difícil tocar em rádio e vocês lançaram um disco mais contemplativo, paralelamente, no mesmo sai o seu disco solo, que era algo totalmente improvável, e estoura, permitindo vocês olharem outras coisas e chegarem ao “Música de Brinquedo”…
Acho que isso tudo é fruto das nossas escolhas teimosas. Talvez seja fruto da democracia da banda, que, algumas vezes, ao invés de nos levar para frente, faz a gente ir um pouquinho para o lado. E depois a gente até vai chegar lá na frente, mas vamos arranjar um jeito mais estável de fazer isso. O Pato Fu é uma banda que sobrevive nas vacas gordas, magras e magérrimas, porque a gente sabe qual é o nosso tamanho, temos o nosso público e, sobretudo, temos autonomia. Temos a nossa editora, o nosso estúdio, os nossos escritórios que trabalham exclusivamente com a gente. E eles (a minha empresaria e o empresário do Pato Fu) acompanharam essa carreira pouca óbvia.
Eles entenderam isso…
Sim, porque o Pato Fu é uma banda que não tem um caminho que serviu para outro e servirá pra gente. Acho que muito artista novo devia pensar assim. Eles perguntam: como eu faço? E eu respondo: você vai ter que descobrir porque não adianta falar o que eu fiz…
Sem contar que o mundo mudou muito…
Mudou, e as coisas que apareceram nas minhas encruzilhadas não vão aparecer para você. Não dá para falar “faça isso ou faça aquilo”. Claro, você tem que fazer musica boa. E achar o seu público, o público da vida real. Sempre falei isso! Gosto muito da internet, mas você precisa ter um público na vida real, que é de onde você vai viver. Ou você precisa ser um cara esperto que vai licenciar a sua música pra determinada coisa que vai te dar uma renda, ou vai produzir pra cinema, ou pra publicidade… você tem que dar um jeito de viver de música se é isso que você quer. Mas não dá para ficar apenas em frente ao computador fazendo música. Tem que ter a interface humana… ainda.
Como é para você ser meio indie?
Digo isso porque a nossa forma de trabalho é totalmente indie. Eu sei quanto custa tudo! Sei que quero ter a minha camiseta na lojinha para vender porque tenho camiseta das bandas que gosto. É preciso fidelizar o público. A Blitz sempre fez isso, desde revistinha até cartão postal. E as bandas gringas, da maior à menor, fazem isso. Aqui parece que só os indies é que fazem. E isso tem que partir do artista. A lojinha do “Música de Brinquedo” tem de tudo. Tem kazoo, tem fantoche, tem mochila, tem bolsa, tem camisa de bebê, tem camisa de adulto… gosto disso. Então quando vou fazer um show, tenho a minha opinião como plateia: penso como o público irá receber a minha música.
“Onde Brilhem os Olhos Seus” ter sido lançado em vinil foi pedido seu ou opção da DeckDisc?
Foi mais opção da Deck. Eu não sou muito purista nesse negócio de vinil porque gosto da música, mas o formato é lindo. Não me desfiz dos meus vinis, mas hoje não saio cavando atrás. O que eu tenho, está lá, e algumas coisas que estão saindo me interessam, mas não fico garimpando. Já a Polysom é do João (Augusto) e ele tem esse amor muito grande pelo vinil. Ele é um apaixonado. “Na Medida do Impossível” sairá simultâneo em vinil, e foram eles que sugeriram. Vamos fazer? Vamos. É mais um item, um objeto de desejo. Agora, a Polysom está lotada! Tem fila. O mercado está crescendo.
Sinto que falta esse entendimento do mercado para o pessoal jovem. Então o cara lança um disco e quer vender, sei lá, 50 mil cópias, que é o tamanho do mercado hoje…
É uma derrota o disco de ouro ter caído para 40 mil exemplares. É muito triste. Mas o vinil está subindo…
E em muitos vinis vem o CD de graça. Comprei assim o Flaming Lips, o Primal Scream, o Camera Obscura…
Disco novo do Camera Obscura? Adoro os clipes deles… Estou esperando a volta da fita cassete. Tenho muitos.
Em um de seus livros, quando você fala das fitas cassetes, são fitas originais ou gravadas por seu pai?
Os dois. “Agua Viva”, da Gal Costa, eu tenho em cassete. Alcione, Paulinho da Viola… mas também há muita coletânea: “Benito, Paulinho da Viola, Clara e Chico”. Era o cassete das férias. Eu guardo tudo. Tem a letrinha do meu pai. Quando ele morreu, os amigos dele me mandaram as coisas do escritório. E tem relatórios diários, e eu guardo tudo porque a letra dele é tão bonita. Tudo certinho, aquela letra bonita, japonesa. Eu tenho essa afetividade com essas coisas dele. Dediquei o disco da Nara para ele, e esse disco novo dediquei para a minha mãe. “Na Medida do Impossível” é completamente dedicado a ela.
Você pensou nela quando escolheu as músicas?
Muitas das músicas eu ouvi com ela, mas um dos últimos textos que fiz, quando parei de escrever para jornal, foi um texto falando que eu sempre falei muito do meu pai, porque, sim, ele era uma pessoa ótima, mas talvez também porque ele tenha morrido muito novo. E a minha mãe é uma pessoa extraordinária, só que ela está viva. Tem gente que vale muito mais morto do que vivo. Até para o seguro de vida (risos). Quis homenagear os vivos.
Sou partidário daquele pensamento que diz que temos sempre que dizer pras pessoas o quanto elas são importantes para nós…
Eu também, mas é que mãe… sabe como é, é uma relação conturbada, porque ela conhece todas as nossas qualidades e todos os nossos defeitos, e elas só apontam os defeitos (risos). Tipo quando gravo alguma entrevista para a televisão, e pergunto se ela viu e o que ela achou: “Você estava meio corcunda”. (risos). E eu: “Pô, mãe”. E ela: “O batom estava muito claro”. Dou uma de Nina: “Mãe, fala alguma coisa que você gostou” (risos).
A Nina mudou radicalmente a sua vida?
Radicalmente não. O que ela fez foi melhorar alguns aspectos em mim, e arredondar os outros. Sempre digo que ela me faz ser uma pessoa melhor. Ela tem isso de extrair de mim, de me fazer esforçar para que o cotidiano seja melhor, mais interessante. Às vezes chego no domingo, que é o dia de folga dela, e o finalzinho do domingo é o meu dia de folga, mas ela quer fazer algo. Quer ou ir ao cinema, ou ao teatro, ou quer que eu a leve para jantar fora. Porque ela está me esperando para fazer algo com ela no dia de folga dela. Isso eu tenho aprender, a segurar um pouco o meu cansaço e participar dessa etapa com ela. Ela me faz me esforçar para ser uma pessoa mais flexível. E de passar por cima de mau humor…
Você tem acompanhado essa nova geração da música brasileira?
A gente está vivendo uma grande fase de artistas masculinos solo, em que os dois expoentes são Silva e Leo Cavalcanti. São os meus preferidos disparados. Eu canto no disco novo do Silva e acho o Leo incrível. Os dois cantam, compõe, tocam, produzem. E eles são duas figuras impares, especiais. Acho que eles vão muito longe. Torço muito por eles.
Como você está vendo esse momento do país?
Eu acho que para muita gente, para a grande maioria, o Brasil tem melhorado. Gosto muito da presidenta, e chamo-a de presidenta porque é uma coisa que ela pede, que ela gosta. Fui cantar na posse dela! Sou muito mais simpática ao estilo de governo dela do que do Lula. Enxergo nela uma pessoa muito correta e responsável. Acho que ela tem feito o possível para imprimir o ritmo dela de governo. Não que eu seja completamente a favor de Bolsa Família, Bolsa Tudo, Minha Casa Minha Vida, eu só gostaria que em algum momento deixassem de existir porque acho que a gente precisa dar suporte para que as pessoas deixem essa muleta. Pra muita gente, esses mecanismos foram quase que uma diferença entre ir pra escola e comer, viver e morrer. Era necessário. Espero que o projeto de governo, em longo prazo, pense em ir movendo essas camadas para uma auto sustentação. Às vezes me cobram: você está se alinhando com essas pessoas! Mas são as melhores pessoas possíveis agora. Nos estamos vivenciando o processo. Essa tomada de posição da minha parte é uma coisa recente, porque estou mais solo. Antes com a banda era difícil porque quase nunca havia uma unanimidade. E não existe até hoje, mas não posso (na minha carreira solo) ficar ausente, me omitir de causas boas e ruins. Tem gente que acha ótimo, tem gente que acha ruim. Recentemente fiz uma campanha para o Governo de Minas, para o CODEMIG, que arrecada recursos para serem investidos em Minas. Quando o pessoal da minha produção me chamou, eu disse que não ia fazer. Então explicaram: não é uma campanha do governo, é uma campanha do instituto CODEMIG. E respondi: Quero saber tudo. Quero saber se todos esses dados são verdadeiros. Porque é um testemunhal, e eu tenho noção disso, e me preocupo com isso. Falei com a minha empresária: você precisa me dar uma certeza grande de que isso que vou falar é uma verdade e tem que ser feito de uma forma muito verdadeira. Escolhi morar em Minas, e quanto melhor ficar o meu Estado, melhor pra mim. Vejo todo sentido em tentar trazer investimentos para Minas. Adoro o Antônio Anastasia, ele é um grande administrador, professor da UFMG e fala muito bem. É um entusiasta da educação. As escolas estaduais de Minas ganharam muito com ele. Estou falando em nome desse governo! Por que não falar? Por que não usar a minha pessoa para falar de coisas em que eu acredito? Demorei muito tempo para fazer isso, e foi importante fazer para uma pessoa que merece, que leva em consideração o longo prazo, algo que a educação exige.
Quando vi você na TV, pensei: o que a Fernanda está fazendo? Automaticamente veio a resposta: deve ser algo em que ela acredita, então deve ser algo bacana…
Conversei muito com a minha empresaria, com o John (acho que ele não faria), mas ele também não tem tanto o envolvimento que tive, de escrever num jornal, sentir o envolvimento do público. Fiz com muita convicção.
Disco novo saindo, turnê, e a pergunta inevitável: Pato Fu fica pra 2015… 2016…
Pato Fu era para ter feito disco no segundo semestre passado, mas o Xande gravou com o Preto Massa, que a outra banda dele, e lançou no final do ano passado (o baterista deixou o Pato Fu um mês após essa entrevista sendo substituído por Glauco, do Tianastácia). O Ricardo (Koctus) está lançando o segundo CD solo. E eu estava pensando nesse disco novo desde que terminei o disco com o Andy Summers. Pensei: vou fazer o meu disco se der certo o encontro com todos os meus convidados. Então conversei com os meninos: vamos aproveitar e todo mundo lança seus discos solos (o John estava fazendo a trilha de “Alice no País das Maravilhas”, composta e produzida por ele a convite do Grupo Giramundo – eu estava fazendo algumas coisas com ele, são 27 músicas inéditas) e gravamos o disco novo do Pato Fu antes de eu começar a minha turnê e lançamos no finalzinho deste ano ou só no ano que vem. Assim dá tempo de todo mundo fazer todas as suas coisas solo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Uma noite mineira em São Paulo: Fernanda Takai e Graveola (aqui)
– Discografia Comentada: Pato Fu -> a loucura, o sonho e a maturidade (aqui)
– Entrevista: John Ulhoa e os 20 anos do Pato Fu, por Tiago Agostini (aqui)
– “Música de Brinquedo” ao vivo no Ibirapuera, por Marcelo Costa (aqui)
– Quatro vídeos: Lados b do Pato Fu, por Marcelo Costa (aqui)
– “Onde Brilhem os Olhos Seus”, Fernanda Takai, por Marcelo Costa (aqui)
– Scream & Yell entrevista Fernanda Takai, por André Azenha (aqui)
– “Rotomusic de Liquidificapum 15 Anos”, Pato Fu, por Marcelo Costa (aqui)
– Pato Fu libera vídeos em site especial, por Marcelo Costa (aqui)
Gosto muito do timbre de voz da Fernanda Takai e gostei muito do seu primeiro trabalho solo. Vou dar uma conferida nesse trabalho novo, estou curioso. Mas se tem um cara supervalorizado nessa nova cena é esse Silva. Pense numa música sem sal, sem pegada … típico exemplo do “indie molinho”. O clip então nem se fala. Mas aí vem a Fernanda, fala que ele é o cara e todo mundo abraça … pelo menos nisso a música brasileira se renovou … antes era o Caetano que apadrinhava alguém e dava credibilidade, agora é o Emicida, Fernanda takai …
Eu sempre achei que a Fernanda fosse uma pessoa fofinha, pudica, leve. Ela sempre passou essa imagem, e ainda acho isso! Ela segundo uma amiga é uma pessoa simpática também, e isso transparece na sua musica, e na musica do Pato Fu. Chega a ser engraçado ela “tomar o controle” e tudo mais. Eu gostaria que o Pato Fu fosse maior do que é, mas comparando com aquela banda que sempre foi comparada acho que eles foram muito longe pro tipo de som deles sim. E isso é muito bom, de enriquecer a cultura mesmo.O cara ai de cima falou que ela apadrinha artistas agora? Não sei se eles são bons nisso, mas mostraram um cara muito bom que é o Silva.