por Marcelo Costa
“Alexandre”, Mombojó (slap)
O quarto disco dos pernambucanos do Mombojó não é para a o dia-a-dia da interweb e suas redes sociais. Quem “corre” pra lá e pra cá clicando em links, curtindo posts, stalkeando paqueras e arranjando brigas online sem prestar atenção no que está ouvindo talvez não tenha a paciência que “Alexandre” exige, porque, exatos 10 anos após sua estreia com “Nadadenovo” (quarto melhor disco nacional dos anos 00 segundo votação no Scream & Yell), o Mombojó coloca na praça seu disco mais inventivo e menos popular (mas, ainda assim, pop). Se “Nadadenovo” empilhava grandes canções que grudavam imediatamente, “Alexandre” aposta na radicalização (a começar pela capa) através de improvisos, samplers, programações de bateria eletrônica, vozes em eco, edição e overdubs num conjunto de canções esquizofrênico que parecem chocar um punhado de influências assumidas pela banda, como Stereolab (Laetitia Sadier canta, toca guitarra e divide a autoria da chamegosa “Summer Long”), Tortoise (em “Cuidado, Perigo!”, cujo arranjo esperto salva a canção da “letra”) e mesmo Jorge Ben (em vários momentos). Da batucada que introduz “Rebuliço” passando pela praieira “Diz o Leão” (com voz de Céu), pela espreguiçadeira “Hortelã” até a derradeira “Pro Sol”, com guitarra limpa, intro de batida eletrônica e refrão do Mombojó “das antigas”, “Alexandre” soa um disco pop para o mundo. Após lançar grandes álbuns e cravar hits indies celebrados em shows (mas não em rádios e nem em novelas globais), o Mombojó se liberta da prisão da canção e faz um disco radical, dançante e provocante, em total sintonia com o momento atual da música brasileira. Ouça com bastante atenção.
Preço em média: R$ 20
Ouça no Deezer: http://www.deezer.com/album/7815608
Nota: 9
Leia também:
– Mombojó em 2010: sem alardes ou histrionices, apenas fazendo música como arte (aqui)
“Expresso Planalto”, Galinha Preta (Laja Records)
Formação badalada em festivais independentes brasileiros, a Galinha Preta, de Brasília, existe desde 2002 e eleva a tosqueira punk, grind e hardcore a um nível de diversão raro no país (chato) de Criolo, Capital Inicial e Lobão, exibindo uma animação ensandecida que transforma seus shows em eventos absolutamente inesquecíveis. Após três CDs lançados – “3 em 1” (2007), que compilava as 34 canções das três primeiras demos em pouco mais de meia hora de esporro; “Ajuda Nóis Aê” (2010) e “Galinha Preta” (2012) –, o quarteto que traz à frente o irreverente Frango Kaos (vocal, samplers, guitarra) prensa seu primeiro vinil, um compacto de 7 polegadas com 10 faixas rápidas em 10 minutos de porradaria, crítica e diversão. No lado A, o presente: cinco faixas inéditas com destaque para “Se Eu Cuidasse Mais da Minha Vida (O Mundo Seria Bem Melhor)”, “A Burocracia” (com letra para ser cantada em coro sobre o Congresso Nacional) e uma versão ao vivo de “Hospital”, dos conterrâneos da Desakato a Autoridade, nome punk da cidade de Taguatinga do final dos anos 80. No lado B, o passado, pequenos hinos do punk tosco brasiliense dos anos 00 que convidam ao pogo: “Saco Plástico”, “Roubaram Meu Rim”, “Padre Baloeiro”, “Música de Trabalho” (e seu “refrão” irresistível: “Vai trabalhar, vai trabalhar, vai trabalhar vagabundo”) e “Ninguém Neste Mundo é Porra Nenhuma”, que transpira suor de Replicantes e Garotos Podres, fazem de “Expresso Planalto” um dos lançamentos mais divertidos deste 2014 repleto de blá blá blá.
Preço em média do vinil: R$ 25 (na Laja Records e na Locomotivas)
Download gratuito em MP3: http://galinhapreta.bandcamp.com/
Nota: 9
Leia também:
– Galinha Preta, a meia hora mais festeira dos três dias do 19º Goiânia Noise (aqui)
“Ano da Serpente”, Wado (Sarava Discos)
“Por que um artista que ninguém conhecia de repente está dando tanto o que falar?”, questionava o jornalista Vladimir Cunha no Scream & Yell em 2001. Ele mesmo respondia: “Porque Wado é um homem com uma missão: mostrar ao Brasil que existe vida inteligente além das fronteiras de São Paulo”. Lá se vão 13 anos e, seis discos depois, Wado, que já foi do céu ao inferno nessa vilazinha devastada chamada “música popular brasileira”, vive um momento merecido de ascensão em sua carreira, o que torna o lançamento da coletânea “O Ano da Serpente” ainda mais valoroso, já que muitos ouvintes que o descobriram com os álbuns “Samba 808” (2011) e “Vazio Tropical” (2013) (e com o hit “Com a Ponta dos Dedos”, premiado no VMB 2012) pouco conhecem de seus trabalhos anteriores. “O Ano da Serpente” traz uma boa faixa inédita, “Záz“, parceria e dueto com Zeca Baleiro, deixa de fora muita coisa importante da primeira fase do compositor (“Uma Raiz, Uma Flor”, “Ontem Eu Sambei” e, principalmente, “Tarja Preta”, mereciam estar aqui), valoriza um dos melhores discos da música recente brasileira, “A Farsa do Samba Nublado”, de 2004 (destaque na lista de melhores álbuns dos anos 00 do Scream & Yell) e inclui delicadas faixas da segunda fase da carreira do compositor como “Melhor”, “Pavão Macaco”, “Faz-me Rir” e a poderosa “Fita Bruta”, que resume toda uma geração. Como boa parte das coletâneas, “O Ano da Serpente” é apenas a ponta do iceberg e serve como introdução a carreira de um grande artista: depois dela vá atrás de “Si Próprio”, “Não Para”, “Estrada”, “Teta”, “Grande Poder”, “Deserto de Sal”… A missão continua.
Preço em média: R$ 20 (com o próprio artista)
Ouça no iTunes: https://itunes.apple.com/br/album/o-ano-da-serpente/id815660876
Nota: 9
Leia também:
– Wado: “Você tem que pagar contas, e viver do jeito que você gosta de viver” (aqui)
– “Vazio Tropical”: um disco bonito que, quanto mais se cala, mais fala (aqui)
– “Samba 808 ao vivo”: Wado soube andar com as próprias pernas (aqui)
– Wado e Marcelo Camelo tocam “Na Ponta dos Dedos”, “Copacabana” e “Pavão Macaco” (aqui)
– Wado em um bate papo honesto sobre seu quinto disco, “Atlântico Negro”, por Mac (aqui)
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Putz, na coletânea do Wado faltou uma das minhas preferidas: “Carteiro de Favela”, da época do “Realismo Fantástico”
Uma coletânea do Wado n ter Sotaque, Martelo de Ogum e Alguma Coisa Mais pra Frente é uma fanfarronice.