por Adriano Costa
“Pavor Espaciar”, Gustavo Duarte
Chico Bento é, possivelmente, um dos personagens mais queridos do universo criado por Mauricio de Sousa, com poder suficiente para rivalizar com o quarteto de ferro do artista (Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali). Seu jeitão engraçado, caipira, simples, humilde e ingênuo arrebatou leitores no decorrer dos anos e, mesmo em tempos atuais, em que o interior já é, na sua maioria, tão urbano quanto uma cidade de médio porte, ainda exerce certo fascínio. Por isso, o álbum estrelado por ele dentro do projeto do selo Graphic MSP era cercado de expectativa. Assinado por Gustavo Duarte (de “Có!” e “Monstros!”), cartunista que passou a infância, adolescência e boa parte da juventude em Bauru, no interior de São Paulo, conhecendo bem o ambiente em que o personagem é inserido, “Pavor Espaciar” tem uma trama que homenageia histórias antigas dos anos 70 e 80.
Nela, Chico Bento, seu primo Zé Lelé, o porco Torresmo e a galinha Giselda são deixados em casa vendo televisão, enquanto os pais de Chico visitam um parente, e recebem a inesperada visita de seres estranhos oriundos de um planeta perdido no espaço. Em quadrinhos grandes, com traço limpo, cores bem colocadas e uma inclinação constante para o exercício da expressão de movimento, Gustavo Duarte inventa uma aventura de rapto, busca, resgate e salvação com humor leve e sem maiores complicações. No entanto, apesar de palatável, “Pavor Espaciar” soa sem cor, sem sabor, sem energia. O tema que choca o cidadão com o universo alienígena também para não ter sido a melhor escolha, e a ausência de um dos pontos mais fortes do Chico Bento, que são os diálogos que transitam entre a inocência e o despreparo, a simplicidade e a patetice, cobra seu preço no final. O autor – que utiliza de pouco de diálogos em suas obras – até coloca falas para ditar ritmo, mas o resultado final é decepcionante.
Nota: 5,5
Preço: R$ 19,90 e R$ 29,90
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“Piteco – Ingá”, Shiko
Última empreitada da temporada inicial do projeto Graphic MSP (seis outros álbuns estão previstos para 2014), “Piteco – Ingá” fecha o primeiro ciclo com chave de ouro. A incumbência de revisitar o personagem pré-histórico de Mauricio de Sousa ficou com o ilustrador e artista plástico paraibano Shiko, hoje residente na Itália, que conseguiu unir um trabalho visual majestoso a uma aventura que, mesmo partindo de um ponto de partida comum, rende muito. Na trama, Piteco se vê forçado a migrar, pois o rio que dava sustento ao seu povo acaba de secar, incremento que ressalta a importância da água. No entanto, quando isso está para acontecer, o caçador percebe que sua amiga Thuga foi sequestrada. Ele segue no encalço para recuperar a curandeira junto com o amigo inventor Beleléu e a guerreira Ogra. Essa busca representa o objetivo que guia a trama em suas 80 páginas.
Um dos fatores mais positivos do álbum é a forma como Shiko transformou os personagens e suas relações. A ligação entre Thuga e Piteco, que originalmente consiste nela apaixonada correndo atrás dele enquanto ele foge dela de todas as maneiras, aqui ganha contornos de respeito e amizade, por mais que a relação amorosa ainda esteja presente. A amizade com Beleléu fica mais forte e a disputa entre os povos existentes na região mais intensa e acirrada, ao contrário da leveza com que é regularmente tratada. Outro ponto positivo é a aproximação que o autor faz com o nordeste e o folclore tupiniquim. Além de usar a Pedra do Ingá na trama (monumento arqueológico da Paraíba), a história inclui lendas como o Curupira (o Arapó-Paco) e o Boitatá (o M-Buantan). Tudo isso, aliado a arte dos desenhos coloridos em aquarela e à ascensão a um nível mais maduro, aproximando o personagem do público adulto, transformam “Piteco – Ingá” em, se não no melhor dos projetos até agora (esse posto ainda fica com “Laços”), no mais interessante como um todo.
Nota: 8,5
Preço: R$ 19,90 e R$ 29,90
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
Leia também:
– Entrevista: Sidney Gusman -> “A gente só vai formar leitor na banca” (aqui)
– Entrevista: Gustavo Duarte -> “A livraria não sabe o que é quadrinho” (aqui)
– “Astronauta – Magnetar”, de Danilo Beyruth, conquista pelo traço detalhista (aqui)
– “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, faz releitura emocional e delicada (aqui)
– “MSP Ouro da Casa”: personagens de Maurício de Sousa ganham releitura (aqui)
Pavor Espaciar foi decepcionante. É leve e divertida, inclusive com uma participação especial de um certo rei do pop, mas está muito aquém das outras. Talvez o problema dela tenha sido este, Adriano. Magnetar, Laços e Ingá estão em um nível tão alto que uma boa história como PAvor Espaciar (boa, somente isso) fica pálida perto delas.
Já Ingá para mim foi a grande surpresa. Desenhos maravilhosos e uma história que ao mesmo tempo que é comum, é criativa e inteligente. A grande sacada foi a inclusão do folclore brasileiro. Foi a que eu mais gostei até agora.
É Gustavo, “Pavor Espaciar” decepcionou mesmo. O estilo do Gustavo Duarte não casou bem com o personagem.