Texto e vídeos por Marcelo Costa
Fotos por Liliane Callegari (veja mais)
Se as manifestações que tomaram as ruas do país em junho e julho precisassem de uma trilha sonora atual, “Antes Que Tu Conte Outra”, segundo disco do Apanhador Só, disponibilizado para download gratuito em maio, deveria ser o escolhido. Quem ainda não havia percebido a força do tom crítico e ferrenho das canções do novo álbum o ouvindo em MP3, com certeza descobriu o intento do grupo gaúcho no claustrofóbico show de lançamento em São Paulo, no começo de uma noite de domingo (25/09), no teatro do Sesc Belenzinho.
Não cedendo um milímetro na intenção de tornar a noite o mais representativa possível do novo álbum, o Apanhador Só deixou de lado as canções “alegres” do disco de estreia para o bis abrindo um canion de distância entre o novo e o velho Apanhador Só (Alexandre Kumpinski, por exemplo, errou um trecho da letra de “Nescafé”, pedida com entusiasmo pelo público, mostrando um possível desligamento com o disco de estreia). E não só: uma canção inédita que ficou fora do álbum (“Mas Não”, parceria de Kumpinski com Ian Ramil) e outra inédita de Ian Ramil (“Coquetel Molotov”), presente no palco, aumentaram ainda mais a tensão da noite.
Nas poltronas do Sesc Belenzinho, a sensação era mesma de ver PJ Harvey apresentar “Let England Shake”, em show minimalista que também não abria clareiras para o público, pelo contrário, o embrenhava na densa floresta do novo repertório da cantora, que observava o mundo do começo do século passado em guerra. No caso do Apanhador Só, as constantes trocas de instrumentos (o guitarrista indo pra bateria, o baterista indo pro baixo, o baixista tocando percussão com sucata, e segue o rodízio) entre os integrantes (e mais dois músicos convidados) abriram um espaço de silêncio para contato com o público, diminuindo a tensão, mas não tirando o foco do novo repertório.
Se no disco, a colagem e desconstrução de sons remete ao Paralamas musicalmente radical de “Severino”, o show explicita uma influência de Radiohead fase “Hail To Thief”, (que, por conseguinte, pode ser estendida até a temática crítica de “Antes Que Tu Conte Outra”), conduzindo o espectador por uma zona sombria rodeada por dúvidas, sentimentos e críticas em relação a posição de cada um no dia-a-dia do mundo moderno. Ao vivo, o discurso se amplifica numa daquelas apresentações que soam tão difíceis quanto grandiosas em sua própria simplicidade, criando uma massa sonora forte e impactante.
Nos shows solo de PJ Harvey durante a turnê de “Let England Shake”, a cantora transportava seu público para um campo de guerra e não só tocava (e “obrigava” o público a ouvir) as 12 canções densas do álbum como ainda incluía um b-side, “The Guns Called Me Back Again”. Mais sete canções clássicas rearranjadas para o formato minimalista do disco preenchiam um repertório que, quando apresentado em festivais, era levemente alterado, buscando facilitar o caos para ouvintes que tivessem tomando contato com “Let England Shake” (e, por que não, a própria PJ) pela primeira vez.
Num país formado por erros, boa vontade e Gersons, a chance de uma banda independente como o Apanhador Só circular com esse show desenhado tal qual ele foi apresentado no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, e no Sesc Belenzinho, em São Paulo, é mínima, diminuindo o ataque de um grande disco (em um momento particular do país, embora nem todo mundo tenha percebido) e, sobretudo, de um grande show, que não permite espaço para Maria Augustas, Antônios, Veras e Josés arrastarem o pé, afinal, o “agora” está batendo na porta de todo mundo. Quem dera o público entendesse isso (o show, o disco, o Brasil)…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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