por Marcelo Costa
A Dogfish Head Brewery é uma cervejaria fundada na cidadezinha de Milton, no Estado de Dellaware, nos Estados Unidos. Saindo de carro de Nova York é só pegar a Interstate 78 e depois a 95 para, em 50 minutos, estar na terra de Sam Calagione, um cara que se apaixonou por cervejas artesanais quando trabalhou em um brewpub na Big Apple, e não descansou enquanto não realizou o sonho de ter sua própria cervejaria. Milton tem menos de 3 mil habitantes, mas as cervejas de Sam viajam por todos os Estados Unidos. Atualmente, a produção da cervejaria é de 75 mil barris, e o pessoal não descansa, partindo sempre atrás do exótico. Isso fica muito claro no programa Mestres Cervejeiros, da Discovery Channel (é exibido no Brasil atualmente no Travel & Living Channel, TLC), apresentado pelo próprio Sam Calagione. O programa gravado em 2010 ficou no ar apenas uma temporada, e os seis primeiros programas podem ser comprados na Amazon por US$ 1,99 cada (ou 7,99 todos). Vale para conhecer o pensamento cervejeiro de um grande cara. Abaixo, cinco cervejas Dogfish Head.
Quem já assistiu a algum episódio de Mestres Cervejeiros, com certeza já deve ter percebido a fixação que Sam Calagione tem por receitas antigas. E a Dogfish Head Midas Touch foi a primeira cerveja que o pessoal de Delaware produziu (em 1999) tendo por base material antigo, neste caso ingredientes coletados em tachos de 2.700 anos de idade encontrados no túmulo do Rei Midas. Além, a receita desta ale tradicional leva uva moscatel, mel e açafrão. Na taça, o líquido é dourado e a espuma tem média formação e persistência. O aroma é ótimo com notas cítricas que remetem a uva e condimentos (lembra muito a uva Chardonnay), um pouquinho de acidez assim como também de mel e nada dos 9% de álcool. No paladar, a acidez surge em primeiro plano dando as cartas, mas deixando um interessante adocicado em segundo plano (e salgado nas notas finais). O retrogosto é intenso de uva lembrando, e muito, vinho branco. Que tal troca-lo por esta belíssima cerveja?
No site oficial, Calagione apresenta a Dogfish Head Aprihop, feita pela primeira vez em 2004, como “a nossa fruit beer para lúpulomaníacos”. Isso porque a Aprihop traz, além de lúpulos Amarillo e maltes Cristal e Pilsner, adição de damascos (a fruta mesmo) em sua fórmula. Na taça, o liquido de cor âmbar translucido exibe uma boa formação de espuma. No aroma, o cítrico (laranja) e frutado (damasco) se exibem para alegria dos hopheads. Há ainda notas de adocicadas (que remetem a pão) e herbais (grama). No paladar, como uma boa IPA, a Aprihop traz o amargor como primeiro ataque, mas não espere tanta aspereza, pois o frutado e o cítrico constroem um cenário interessante com sensação de laranja, damasco, mel e um final seco e deliciosamente complexo (mel e cítrico de mãos dadas) e refrescante. O retrogosto é levemente amargo abrindo o caminho para a próxima Aprihop (os 7% de álcool podem derrubar desavisados, já que eles brilhantemente não aparecem no conjunto).
Partimos para a Dogfish Head Palo Santo Marron, uma Imperial Brown Ale, se isso existisse. Nascida de testes que se transformaram rapidamente em sucesso no brewpub da cervejaria, a Palo Santo Marrom leva esse nome por ser maturada em barris de madeira paraguaia Palo Santo (construídos especialmente a pedido da Dogfish). Na taça, um liquido de cor intensamente preta forma um colarinho marrom de bela formação. O aroma é espetacular: o malte torrado se desprende em notas de chocolate, cacau, café, ameixa, figo, baunilha e conhaque (isso mesmo). Depois de tanta surpresa no aroma, é um desafio esperar que o paladar igualasse a experiência, mas uma nova surpresa lhe aguarda: de textura licorosa, a Dogfish Head Palo Santo Marron repete nota a nota as percepções aromáticas acrescentando calor no peito (são 12% de graduação alcoólica) e um adocicado persistente que deve conquistar chocólatras. O retrogosto remete a Irish Coffee gelado. Cade? Quero mais!
A próxima é a Dogfish Head Raison D’Etre, uma Belgian Dark Strong Ale com açúcar de beterraba e uvas passas na receita (Sam Calagione é, definitivamente, maluco). Na taça, um líquido de cor âmbar exibe uma formação média de espuma, que no entanto permanece com um fio durante um bom tempo. No aroma, notas intensas de frutado remetem a frutas secas e também à madeira, baunilha, cookies, menta e álcool (os 8% de graduação alcoólica se exibem com formosura) além de toques florais. No paladar, a doçura surge em primeiro plano com picadas alcoólicas surgindo na sequencia, mas não surtindo nem amargor, nem tanta acidez (apesar da sensação de uvas verdes), apenas uma leve adstringência devido à textura – entre vivaz e o licoroso. Há notas de caramelo também. Novamente, como na Palo Santo Marron, há uma sensação de conhaque, menos intensa na Raison D’Etre, mas sensível. O retrogosto é totalmente adocicado e intenso – como uma bala de doce de leite/baunilha alcoólica. Deliciosa.
Fechando esse primeiro passeio pelas cervejas de Sam Calagione, nada melhor que a primeira da turma, Dogfish Head Punkin Ale, cuja receita foi feita em 1994, seis meses antes de a cervejaria ser aberta. Atualmente, a Punkin Ale é um dos cavalos de batalha da Dogfish Head, e o pessoal de lá recomenda: se encontrar, compre, porque todo ano esgota. Segundo Sam, essa foi a primeira cerveja de abobora dos Estados Unidos, a que fez a Brewers Association incluir o verbete de categoria em sua lista. Na taça, o liquido de cor âmbar recebeu uma formação de creme generosa e de média persistência. No aroma, a abobora (que faz parte da fórmula junto ao açúcar mascavo e a especiarias) se destaca no primeiro plano com resquícios de canela, mas há percepção de malte levemente tostado. No paladar, a abobora continua se sobressaindo enquanto o malte abre espaço com melaço e as especiarias surgem mais presentes na forma de canela, cravo e noz moscada (principalmente na parte final do gole) sem nenhuma percepção dos 7% de álcool. O retrogosto é adocicado com a abobora marcando presença e pedindo outra dose. Clássica.
A Dogfish Head ainda não é exportada para o Brasil (aló importadores, vale a pena), e mesmo nos Estados Unidos é preciso ir atrás dos lugares certos. A dica é fuçar a dica de locais do Ratebeer. Estas cinco cervejas acima foram compradas em dois lugares em Nova York: no distribuidor New Beer e no Whole Foods Market, do Bowery, mas também vi cervejas da Dogfish Head no Top Hops Beer Shop. O preço é mais em conta na New Beer, por ser uma distribuidora, mas a diferença é de centavos, e você irá pagar entre2,25 dólares até 4 dólares cada garrafa de 355 ml (dependendo da cerveja). Além destas cinco é possível encontrar muitas outras, como a belíssima edição especial em comemoração aos 40 anos do álbum “Bitches Brew”, de Miles Davis, ou mesmo uma em homenagem a Robert Johnson. Vale muito ir atrás.
Dogfish Head Midas Touch
– Produto: Spice / Herb / Vegetable Beer
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,76/5
Dogfish Head Aprihop
– Produto: India Pale Ale com Damascos
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,88/5
Dogfish Head Palo Santo Marron
– Produto: American Brown Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 4,81/5
Dogfish Head Raison D’Etre
– Produto: Belgian Dark Strong Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,90/5
Dogfish Head Punkin Ale
– Produto: Pumpkin Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,79/5
Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)
– Sobre todas as cervejas da Dogfish Head postadas aqui (aqui)