“Compromisso”, por Tony Parsons
Uma mulher pode perdoar quase tudo do homem que ama. Ela perdoa a infidelidade, a bebedeira e a ejaculação precoce – apesar de provavelmente não perdoar tudo na mesma noite. Ela vai perdoar se ele dormir imediatamente após o sexo. Ela vai perdoar se ele dormir imediatamente antes do sexo. Mas uma coisa que uma mulher nunca vai perdoar é a falta de compromisso.
Recentemente tive um daqueles almoços em que seu amigo está remoendo uma grave dor-de-cotovelo e uma bebida pesada e tudo que você pode fazer é se condoer e tentar dar algum sentido a toda aquela triste confusão.
“Olhe”, eu falei, enquanto ele refletia sobre a mulher que amou e perdeu, “as mulheres só querem uma coisa – romance”.
Eu estava tentando ser um bom amigo e ajudá-lo a entender por que não deu certo. Mas estava dando um mau conselho. O que eu deveria ter dito a ele era: as mulheres só querem uma coisa. Compromisso.
Podemos pensar que, depois de cerca de trinta anos de feminismo, homens e mulheres querem as mesmas coisas. Mas nossas diferentes interpretações do que as mulheres querem dizer com compromisso continuam a nos proporcionar nossa mais amarga fonte de conflitos.
O fim do caso do meu amigo foi doloroso e confuso. Ele amou – amou verdadeiramente – essa mulher, e até onde eu podia ver, ela sentia o mesmo.
Mas havia mais gente envolvida – sempre há, não é? – e ficou claro que mais cedo ou mais tarde eles teriam que decidir se iriam construir uma vida juntos ou seguir caminhos diferentes. E, depois de agonizar por meses, meu amigo decidiu que não conseguia deixar sua esposa e suas três filhas.
Então eles se separaram – decisão dela. Não é que eles terminaram porque não se amavam. Ou porque a paixão acabou. Ou porque alguém foi infiel. Eles se separaram simplesmente porque ele não estava pronto para se comprometer de verdade.
Nunca aparece nas estatísticas, mas mais relacionamentos terminam por noções conflitantes de compromisso do que por qualquer outra causa. Para as mulheres, tudo indica, os homens que têm dificuldades em se comprometer são uns cretinos e uns fracos, que querem uma mulher sem abrir mão de todas as outras. Mas, do ponto de vista masculino, as mulheres muitas vezes querem um compromisso maior do que o homem está preparado para oferecer.
Para nós, mulheres são viciadas em compromisso. Comprometa-se com um mulher por uma noite e ela vai querer um relacionamento. Comprometa-se com o relacionamento e ela vai querer casamento. Comprometa-se com o casamento e ela vai querer que você pare de sair com seus amigos, que pare de viajar e troque o estádio de futebol pelo supermercado nas tardes de domingo.
Uma amante antiga minha (e que não deixou saudades) estava tão determinada a aumentar meu quociente de compromisso que cortou meu passaporte. Não surpreende que tantos homens associem o compromisso à claustrofobia. Claro que nem todas as mulheres saem por aí procurando uma hipoteca, filhos e uma lava-louça assim que atingem a puberdade. Mas mesmo mulheres poderosas, bem-sucedidas, que construíram suas vidas e poderiam facilmente se sustentar sem um homem – aliás, especialmente essas mulheres poderosas e bem-sucedidas -, reclamam da aversão masculina ao compromisso. Muitas das minhas amigas parecem desejar esse compromisso incondicional de um homem mais do que qualquer coisa. Parece que o compromisso verdadeiro substituiu o romance verdadeiro como objetivo final da mulher moderna.
E o que é compromisso? Uma promessa de que amor e afeto serão traduzidos em algo mais concreto. Não se trata de uma expectativa inverossímil. O que é irracional é que homens que estão relutantes em se comprometer sejam invariavelmente demonizados na imaginação feminina.
As mulheres sempre contam aos homens sobre seus relacionamentos anteriores e há sempre um homem (normalmente o mais recente) que é criticado duramente. Ele odeia mulheres, ela diz. Ele tem medo das mulheres. Ele é um escroto que não vale o que come.
E o que o escroto fez? Ele era violento? Ele era cruel? Ele tentou dormir com uma de suas amigas? Sempre se descobre que a pior coisa que esse escroto fez foi ficar com medo. Frequentemente soa como se o único crime foi ele não estar preparado para assumir o compromisso – pelo menos não com ela.
Seria ridículo pintar todas as mulheres como modelos de lealdade e todos os homens como seres totalmente inaptos ao compromisso. Mas é inegável que nossa programação biológica dá a homens e mulheres noções diferentes de compromisso. Isso fica mais evidente nas nossas diferentes atitudes em relação aos encontros que duram apenas uma noite. Um encontro de apenas uma noite é um erro para ambas as partes – a experiência ou vale a pena ser repetida ou não valia a pena ter acontecido. Mas a maioria dos homens é capaz de ir embora após um encontro de apenas uma noite, enquanto a maioria das mulheres não é. É não é porque a terra tremeu e os anjos cantaram que a mulhere fica relutante em ir embora após essa rápida troca de fluidos. É porque as mulheres ficam profunda e intensamente ofendidas pela óbvia demonstração de falta de compromisso exibida nesses breves encontros.
É por isso que tantos encontros de apenas uma noite proporcionam uma manhã seguinte tão horrível, e é por isso que “Atração Fatal” deu calafrios em tantos homens. Você fica ridiculamente bêbado quando sua parceira não está olhando e, quando vê, está sendo assediado por telefonemas vingativos e alguém está cozinhando o seu coelho de estimação. Não existe fúria maior que a de uma mulher em que um homem esfregou sua falta de compromisso.
E quem pode culpá-la? Às vezes a falta de compromisso de um homem tem a mesma aparência suspeita da falta de decência humana. A relutância de um homem em se comprometer, a determinação em manter o estilo de vida livre e tranquilo de seu grande pênis circulando pela cidade, às vezes é apenas uma desculpa para tratar mal as mulheres. Isso é inegável.
Mas é igualmente verdade que nada é mais broxante que uma mulher desesperada por compromisso. Nada é mais repelente para um homem que uma mulher que – depois de uma noite daquelas – está pronta para escolher as cortinas da casa.
O medo masculino do compromisso é muitas vezes um medo de ser domesticado. Compromisso, aquele juramento silencioso que se faz para outro ser humano, é a ponte que um homem cruza entre ser uma criatura canina – livre, errante, que fareja qualquer coisa que se mova – a caminho de se tornar uma criatura felina – domesticado, dócil e grato por um pires de leite semidesnatado.
E se você escolher a pessoa errada? O instinto masculino de se aninhar, seu desejo por um lar, uma família e filhos, não é menor que o feminino. Mas os homens parecem estar mais conscientes de como é fácil se comprometer com a pessoa errada.
Existem muitos homens que não têm problemas em se comprometer com uma mulher. Eles vão fazer o máximo para serem parceiros devotados, amantes fiéis, bons amigos. Mas o essencial é que, para o homem, existem diferentes graus de comprometimento.
Existe o compromisso que você sente em relação a alguém com quem passou anos e teve todo tipo de altos e baixos. E também existe o compromisso com esse alguém cuja simples menção do nome faz seu coração bater mais rápido. É por isso que a consciência masculina consegue conciliar a idéia de ter uma esposa e uma amante. Mas parece que tudo aquilo com que as mulheres se importam é o seu grau de comprometimento. Se não for grande o bastante, elas não estão interessadas.
Se você não puder prometer devoção eterna, não poderá dar a ela o tipo de compromisso que ela quer – se tudo o que você puder oferecer for amizade – e então ela vai cuspir na sua cara e subir ao altar com outro homem.
Os homens sentem-se incrivelmente magoados com essa atitude tudo-ou-nada. Quantas vezes as mulheres prometem amor eterno no começo do relacionamento e depois, quando tudo acaba, não estão interessadas nem em limpar os sapatos com a nossa amizade? Que tal esse tipo de falta de compromisso?
Compromisso – compromisso real, compromisso eterno, compromisso infinito – pode muito bem ter se tornado coisa do passado. Meu pai ficou com a minha mãe desde os dezessete anos até morrer, aos 63. Isso sim é compromisso. Mas não se fazem mais relacionamentos como este. É hora de rever as noções do que queremos dizer com compromisso. Caso contrário, vamos sempre decepcionar uns aos outros.
Nossas vidas estão sendo moldadas por um novo tipo de compromisso. Atualmente, a monogamia serial é a nova ortodoxia. Você tem um parceiro por seis ou sete anos e depois parte para outra. Claro que vão existir exceções a essa regra, mas este é o fato por trás das estatísticas de divórcio e da realidade que nos cerca. Ainda pode existir compromisso no mundo – mas não do tipo que dura quarenta anos. Se estivermos preparados para o compromisso que as pessoas estão dispostas a oferecer, vai ser melhor para todos.
Mas temo que nossas diferentes definições de comprometimento sejam sempre uma fonte de conflito entre homens e mulheres. Isso porque as mulheres parecem acreditar na Pessoa Certa – o amor de suas vidas, o homem de seus sonhos, o Príncipe Encantado. A maioria de nós acredita que a Princesa Encantada não existe. Ao invés disso, os homens acreditam que existem mulheres maravilhosas no mundo e uma quantidade infinita de mulheres que vale a pena amar. Obviamente não se pode comprometer com todas elas. É óbvio.
A tragédia do homem moderno – tão relutante em se comprometer, tão disposto a retornar a sua tão preciosa liberdade – é que ele vai acordar um dia e descobrir que não está comprometido com ninguém.
Nota do Editor: “Compromisso” foi publicado na revista Elle, em 1994, e está presente na compilação essencial “Disparos do Front da Cultura Pop”, de Tony Parsons, lançada no Brasil pela Editora Barracuda. É daqueles livros obrigatórios para pessoas fascinadas por bons textos sobre cultura e comportamento. Tony Parsos conversou com Morrissey, Bruce Springsteen e Brett Anderson. Estava no barco em que os Sex Pistols fizeram o histórico show no Tamisa. E muito mais (ele ainda escreve de viagens, polêmicas, cultura, amor e sexo). “Disparos do Front da Cultura Pop” é uma grande coletânea de textos jornalisticos de um grande jornalista. Vale muito ir atrás.
Leia também:
– Conheça mais alguns textos imperdíveis da seção Matérias Antológicas (aqui)
– “Disparos do Front da Cultura Pop” é uma aula de jornalismo cultural (aqui)
Por causa de motivos, isso foi extremamente doloroso de se ler. E belo ao mesmo tempo…
Clássico
Concordo com o texto. Mas nao significa que o homem tenha de ser cafafeste, né!? Se valorize, classe masculina, ou serão substituídos pelos vibradores.
O problema é que quando a mulher NÃO quer compromisso, ela é classificada como piranha.
Um vibrador não pode dar um tapa na bunda e dizer barbaridades no pé do ouvido
Comprei esse livro depois que li a resenha do Mac, e valeu cada centavo! Tony Parsons está entre os maiores. Fico feliz que vocês tenham publicado esse texto e resgatado uma das grandes sessões do site!
Isso que a Eliz disse me lembrou muito essa cena clássica do Friends:
http://www.youtube.com/watch?v=m-vkHXy6FF4
Li “Pai e Filho”, do Tony Parsons, e considero-o recomendadíssimo principalmente para quem é pai. A mãe também pode ler para entender a relação pai (homem) e filho (menino). Todo mundo pode ler, pois é uma leitura leve, divertida, que você chega ao fim com um riso no rosto.
Já cantava Jose Gonzalez:
“come on over
be so caught up
its all about compromise”
E nao deixar a escuridão te engolir…