Entrevista: Mauro Motoki, Ludov

Texto por Bruno Capelas
Foto por Michelle Sanches

Nos últimos dois anos, Mauro Motoki tem sido um homem muito ocupado. De lá para cá, ele gravou seu primeiro disco solo, “Bom Retiro”, lançado no final de 2011, se casou e ainda teve tempo de produzir os discos da banda Peixoto e Maxado, do “grupo de um homem só” Faria & Mori e da cantora Miranda Kassin. Como se fosse pouco, Mauro também gravou dois EPs com a banda pela qual se tornou um nome conhecido no cenário pop nacional: o Ludov, que em 2012 comemora dez anos de existência.

O Ludov, hoje formado por Mauro (guitarra, teclados e vocais), Vanessa Krongold (voz), Habacuque Lima (guitarras e vocais) e Paulo Chapolin (bateria), auxiliado pelo convidado Hurso Ambrifi no baixo, lançou em maio o EP “O Paraíso”, segundo de uma trilogia que deve ser finalizada até 2012 acabar (disponível para download no http://ludov.com.br/). “Desconfio que inventamos de fazer três EPs por um pouco de preguiça da banda de pensar na logística de fazer um disco a essa altura das nossas vidas. Gostamos de nos isolar e nos desafiar para gravar”, diz o músico, que adianta que um novo álbum “cheio” do Ludov deve sair em 2013.

Na conversa com o Scream & Yell, realizada no final de junho, Mauro falou sobre a gênese de seu elogiado disco solo, “Bom Retiro”, e sobre a carreira de produtor musical que vem desenvolvendo desde que se tornou sócio de Fábio Pinczowski no estúdio 12 Dólares.

“Produzir é bem diferente de ser músico. No lugar de ter a ideia, você tem que dar as condições para uma pessoa fazer o que ela quiser com a ideia dela, de uma maneira confortável”, avalia o guitarrista do Ludov, fã confesso de Phil Spector. Mauro assume que ter um estúdio à mão facilita muito o trabalho como artista. “Ter o estúdio à mão como brinquedo, no melhor estilo ‘Beatles em Abbey Road’, é um grande parque de diversões. Você produz sons ali como se estivesse na sala de casa”, explica.

Mauro também comentou bastante a trajetória dos dez anos do Ludov, desde o fim do Maybees (banda que contava ainda com Vanessa e Habacuque e cantava em inglês na virada dos anos 1990 para os 2000) até os dias de hoje. Entre os assuntos, a influência dos Los Hermanos na geração pop brasileira no começo dos anos 2000; cantar em português ou em inglês e a quebra de expectativa da banda por não ter estourado após o sucesso de “Princesa”, cujo clipe chegou a ganhar prêmio no VMB (na época que isso ainda parecia valer alguma coisa).

“A nossa geração teve de aprender a se virar com outros modelos de sobreviver”, explica Motoki. O músico completa: “Hoje, sou meio contra essa coisa de sonho: é mais fácil realizar. Prefiro pensar em coisas que eu consiga realizar, e tento não dar desculpa para nada. Essa é a minha realidade”. Com a palavra, Mauro Motoki.

O que o novo EP, “O Paraíso”, traz para a obra do Ludov?

Não dá pra falar de “O Paraíso” sem falar dos nossos planos de lançar uma trilogia de EPs. Foi uma ideia que começou no final do ano passado com o (EP) “Minha Economia”. Desconfio que esse projeto tenha surgido com um pouco de preguiça por parte da banda de pensar na logística para fazer um disco a essa altura das nossas vidas. Estamos com vários projetos pessoais, que impossibilitariam que nós gravássemos um disco no esquema que estamos acostumados. Gostamos de nos isolar para fazer as gravações. No “O Exercício das Pequenas Coisas” (2005), ficamos ensaiando em separado por um tempo. O “Disco Paralelo” (2007) foi gravado no Rio de Janeiro, e o “Caligrafia” (2009) foi todo composto e arranjado dentro de um sítio. Da maneira que as coisas estão hoje, seria difícil se isolar, então inventamos de fazer três EPs. Não queríamos voltar ao formato EP sem razão. Acho que não é a atitude de uma banda que tem uma base de fãs legal como a nossa. Seria desleixo, e então resolvemos nos desafiar. Vamos fazer três EPs, e depois um disco, que deve ser lançado no ano que vem.

O “Minha Economia” saiu no fim do ano passado, “O Paraíso” em abril. E o terceiro EP, sai quando?

Queríamos lançar em agosto, que parece ser uma data boa para compor e gravar. Tentamos nunca nos repetir e sempre fazer algo diferente como banda. Funciona quase como um casamento (risos). Quando fizemos o “Caligrafia”, a diversidade musical sempre foi bem vinda: tivemos uma balada com violão e violoncelo, ou uma música cheia de metais. No “Minha Economia” resolvemos voltar a ser só guitarra-baixo-bateria de novo, como fomos no “Disco Paralelo”. Chegamos no meu estúdio, o 12 Dólares, sem ideias, e foi muito legal. Conseguimos criar da mesma maneira que sempre vimos nos DVDs dos Beatles e dos Rolling Stones, gravando as ideias que iam surgindo na hora. Com o “O Paraíso”, nós quisemos fazer a mesma coisa, mas não funcionou. Não saía nada, então resolvemos gravar tudo em separado. É engraçado isso: nossos trabalhos acabam um pouco negando o anterior, pelo menos nos métodos de gravação. Não sei o que vai vir pela frente.

Como tem sido a resposta do “O Paraíso” até agora?

Está bem legal. Não fizemos muitos shows por enquanto. Só foram dois no interior de São Paulo e o lançamento no Cine Joia, que foi muito gostoso, porque já tinha muita gente cantando as músicas. Isso é uma das coisas legais do Ludov: nosso público varia de tamanho, mas, até onde a gente consegue ver, é um público que curte muito as músicas. Ter várias pessoas cantando as músicas do disco depois de uma semana de lançamento é algo bem bacana. Não tomo isso como uma referência, mas acho que não é uma coisa normal. Nós temos que cuidar disso, porque o nosso público é atencioso, tem um carinho com a banda e toma cuidado com as letras e as melodias. “O Paraíso” está bem nesses termos: as pessoas estão mandando e-mails, falando das músicas, dando uma resposta bacana. Já em termos de produto, de aumento de público, essas coisas, eu não faço ideia.

Das quatro músicas do EP, tem alguma que você destaca em particular?

Cada uma me chama à atenção por motivos particulares. Meu lado artista gosta de “Circuito”. É uma música que tem uma temática que eu gosto de fazer e não consigo, com uma pegada mais universal, sem tanta historinha. No lado pessoal, adoro “Andar de Bicicleta”. Casei recentemente, e queria muito fazer uma música feliz para a minha mulher, especialmente depois de ter feito um disco solo cheio de canções tristes. Queria fazer uma música que mostrasse a felicidade de uma maneira bacana. Ela surgiu aos 48 do segundo tempo, mas achei que ficou bonita. Quanto às músicas do Habacuque, gosto de todas que estão no disco [“O Paraíso” e “Evitar Confrontos”]. Desde o começo, achei “O Paraíso” uma música boa demais. O que é engraçado: tive de viver uns anos para poder de gostar de músicas como essa. Antes eu torcia o nariz para as músicas que o Habacuque fazia dessa maneira. Com “O Paraíso”, deixei de ter minhas defesas.

Que defesas são essas?

Não sei explicar direito. Às vezes, tem fases no trabalho de uma banda nas quais se procura manter uma coerência, pensando em um membro ativo de quatro pessoas que tentam enxergar as coisas do mesmo jeito. Não consigo ser o integrante de grupo “doidão”, procuro sempre manter uma coisa coerente, pelo menos na hora da proposta. Quando a gente fazia o “Disco Paralelo”, as minhas defesas tinha critérios esdrúxulos, como “poxa, estamos repetindo essa transição de acordes em mais uma música” ou “essa música tem vários acordes diminutos” (risos).

No ano passado, você lançou seu primeiro disco solo, “Bom Retiro”. O que motivou esse trabalho?

Aprendi a ser músico com o Ludov. Na banda, eu tenho um método meu, e o Ludov tem um método coletivo. O [Paulo] Chapolin faz sempre questão de apontar que nós funcionamos bem dentro da nossa estrutura. E eu estava acostumado a trabalhar dessa maneira. O meu disco fugiu dessa forma, e foi isso o que me desafiou a fazê-lo. Não fiz para competir com o Ludov, nem porque o Ludov não me satisfaz mais como compositor.

Você acha que as músicas do “Bom Retiro” caberiam no Ludov?

Não sei, acho que sim. Acho que não era o principal ter que cantar aquelas canções. Para nós, dentro da banda, tudo o que a gente compõe vai para o Ludov. Entretanto, eu nunca consegui explorar no Ludov quem eu sou e o que eu queria dizer artisticamente de uma maneira completa. É diferente: no Ludov, tem a Vanessa na frente, colocando a interpretação dela, e o Habacuque e o Chapolin junto de nós dois.

Engraçado você ter dito isso. Da minha parte, não sinto no Ludov algo que seja muito diferente entre os dois compositores. Parece que vocês soam de maneira parecida, pelo menos para quem vê de fora. Cada um tem seu estilo próprio, é claro, e dá para perceber conexões entre as músicas de cada um, mas tudo é bastante parecido.

Acho que isso faz um pouco sentido. A Vanessa acaba sendo um grande filtro para as nossas canções. Além disso, estou lembrando de algo que alguém me falou sobre a banda uma vez. “Poxa, o Ludov é algo que vocês têm que levar adiante, não interessa se não ganhar dinheiro ou não, porque é uma banda autêntica. O fato de ter gente que odeia e que ama a banda é uma prova disso”. Na época, me pareceu conversa de bêbado, mas faz muito sentido, e é algo que enxergo como um bom sinal. É muito ruim quando uma banda é muito morna. Prefiro que uma pessoa fale quando ela não goste da banda, e explique isso. O ódio é uma relação mais próxima, porque a pessoa pelo menos ouviu o suficiente para falar que não gosta. É legal quando a pessoa não gosta com propriedade.

Você e o Habacuque cantam pouco nos discos do Ludov. Como foi cantar as suas canções no “Bom Retiro”?

É algo diferente, porque eu não cantava antes. Estou até fazendo aulas hoje para melhorar essa parte da minha carreira.

E como o “Bom Retiro” surgiu?

No final de 2009, eu tinha um punhado de músicas que eu tinha feito depois de passar o Natal na casa do meu irmão em Miami. Foi algo que me tirou da rotina, me pôs em um lugar estranho. Durante o dia eu passeava com os meus sobrinhos, mas de noite, ficava em casa, no jardim ou na garagem, me sentindo meio deslocado. Tirei algum proveito disso, e compus umas onze ou doze músicas, que acabaram virando o repertório do “Bom Retiro”. Quando voltei dos Estados Unidos, tive vontade simplesmente de cantar. Não acho que seriam letras impossíveis para a Vanessa cantar. Mas tive um desejo de cantá-las. Voltei para São Paulo, e o 12 Dólares estava em recesso. Fiquei umas duas semanas sozinho e ia tranquilo para lá, e passava dias inteiros gravando, sozinho. Ao final da primeira semana, chamei um amigo meu para registrar as gravações. Juro que não me lembro de muitas partes do processo de gravação, porque estava muito imerso naquela rotina. Quando fui fazer os primeiros shows, tive até de tirar algumas músicas de novo para saber como eu tinha gravado. Entrei em contato comigo mesmo de uma forma que eu precisava, principalmente porque é um disco muito pessoal. Acho que eu não tinha dado a vazão necessária para o que eu estava sentindo naquela época, e com o “Bom Retiro” eu me liberei desses sentimentos. Não é um disco literal, as histórias às vezes também não são minhas, e isso não é um subterfúgio de autor. Nem sempre você explica algo que você sentiu com uma história sua. Acho que o disco serviu como um ponto final em um relacionamento longo e importante na minha vida. Eu estava bem, mas precisava desse processo.

Você gravou o disco todo sozinho?

Nessa primeira fase, sim. Quando comecei, sabia que tinha um material diferente do que eu já tinha feito, mas não sabia o que fazer com ele. O Fábio Pinczowski voltou de férias, ouviu tudo o que eu gravei e adorou. O Chuck Hipolitho, que é meu amigo, também ouviu e adorou. Eles se colocaram à disposição para me ajudar, e nós três acabamos achando que faltava bateria. Eu tinha programado em algumas canções e tocado em outras, mas não toco bateria. Resolvemos então chamar o Samuel Braga, um baterista que toca com muita gente e tem uma técnica linda. Ele sabe fazer o básico com canções, e sabe improvisar como ninguém. Quando ele gravou as baterias, ele se envolveu bastante no processo, foi um cara bem interessado no projeto – o que não é algo muito comum com bateristas. Quando ele chegou no disco, parece que acenderam um holofote no meu quartinho escuro e entulhado. Foi uma hora que percebi várias imperfeições no disco, como se fossem meias furadas jogadas pelo chão do quarto.

Isso foi tudo durante o ano de 2010, mas o disco saiu só no final de 2011. Por que essa demora?

Não sei o que rolou nesse tempo. Na verdade, sei sim. Entre 2010 e 2011, tive dois projetos que me ocuparam bastante: o estúdio 12 Dólares e o meu casamento. No lado pessoal, eu estava super atarefado, e feliz por estar atarefado. Tinha de comprar um apartamento, mobiliá-lo e fazer os preparativos da cerimônia. No estúdio também tinha várias coisas para fazer. Comecei a produzir mais seriamente algumas coisas, e isso me tomou bastante tempo. Nesse meio tempo, as pessoas sempre me lembravam para fazer o disco, e foi isso o que me manteve trabalhando nele. No meio de 2010, ele já estava pronto para ir para a masterização. Fiquei bem feliz com o resultado final, embora eu saiba que a gente sempre quer fazer mais quando se trata de um filho seu. O vinil ficou bem legal, o pendrive ficou lindo, o produto ficou uma coisa bem bacana mesmo. Ter demorado todo esse tempo valeu a pena por conseguir ter essa qualidade. Em 2010, eu só teria tido tempo de lançar um CD normal. Nesse tempo todo, deu para guardar dinheiro e fazer tudo o que eu queria.

Dá para perceber muitas influências no teu disco. Várias músicas me lembraram Wilco, e tem muito de Roberto Carlos em “Grandes Esperanças”, por exemplo.

Lembro bem como surgiu a ideia para “Grandes Esperanças”. Nessa viagem a Miami, eu estava ouvindo loucamente tudo o que tinha sido produzido pelo Phil Spector: George Harrison, John Lennon, Ronettes, Ramones. O “End of the Century” é um disco fenomenal dos Ramones, com eles pagando de popstars. O Joey acreditou que aquele disco ia ser o disco que ia transformá-los numa banda pop. As músicas eram boas para caralho e tinha a produção luxuosa do Phil Spector. Acho que eu acreditaria também (risos). É nesse disco que está a melhor versão de “Baby I Love You” – melhor que a das Ronettes! Eu e o Fábio sempre tentamos nos inspirar no Phil Spector quando a gente está no estúdio. Ele era um diretor vocal incrível, nem que fosse sem querer. Pode reparar: todas as performances dos cantores do Phil Spector são incríveis.

E como você acha que o Phil Spector apareceu em “Grandes Esperanças”?

Em “Grandes Esperanças”, emulei, meio que de brincadeira, o Wall of Sound dele. É uma técnica de produção que tem um monte de instrumento tocando junto, mas você só ouve o eco. O Phil Spector trouxe para a música uma ideia que é esse ruído de fundo, da mesma maneira que a gente está ouvindo enquanto conversa aqui nesse café. Você ouve a guitarra, ou a bateria, mas tem alguma coisa lá no fundo que você nem sabe o que é. Existem relatos de engenheiros que trabalharam com ele falando que tinha oitenta músicos em uma gravação, tocando exaustivamente por dez horas e, nas gravações, você só ouve o eco deles. Na parte musical, “Grandes Esperanças” é bem por aí, nesse feeling de clássicos como “Be My Baby”, com essa pegada anos 50, anos 60. Talvez por isso tenha te lembrado o Robertão. Sou fã dele.

E a letra, como surgiu?

A letra é mais uma piada comigo mesmo. É sobre uma pessoa que sabe que não vai conseguir ser plenamente feliz sozinho, mas tenta se enganar enquanto se está sozinho. Acho que na época que fiz a letra eu acreditava um pouco nisso. “Sou adulto agora, estou solteiro, tenho autonomia”. Quando você é solteiro, normalmente você ainda é bem jovem, não consegue pagar direito as suas contas. Voltei a ficar solteiro, e não era mais essa a minha situação. Essa música veio meio que dessa ideia de que sozinho estava bom. O título “Grandes Esperanças” é uma ironia, ou um ato falho de manter as tais grandes esperanças, mas só internamente. Gosto dessa letra, mas por outro lado não é uma letra super elaborada. O grande mérito dela para mim é ser uma letra espontânea. Ela fala o que quer falar e pronto. Ela é bem redondinha por isso, mas não é nenhuma grande obra da literatura universal (risos).

Você tem uma “filha única” que é a favorita do disco?

Varia, né?

E qual é a de agora?

“Imagens do Japão”, que é uma das que estão mais bonitas nos arranjos de show que a gente está ensaiando [Mauro se refere ao show que aconteceu no dia 7 de julho, no SESC Ipiranga]. No show de pré-lançamento, em 2011, toquei essa música só em voz e violão, porque ela tem uma harmonia legal e ficou bacana. É uma música que está na minha cabeça. Na época do lançamento do disco, acho que a minha favorita era “Um Ponto Singular”, que é uma música honesta comigo mesmo. Atingi lugares sem muitas barreiras, sem precisar altas explicações ou ter que fazer auto sabotagens. Veio de um lugar de dentro de mim, mesmo sendo uma letra que eu não consigo explicar muito bem. Já na época da gravação, eu amava “Quando Foi Que a Solidão Aconteceu Pra Gente”, porque foi uma música que me desafiou como cantor. Hoje, acho que canto ela bem melhor do que como está no disco.

E o que as pessoas dizem? Elas têm uma favorita?

O Chuck Hipolitho adora “Meus Fones”. Eu entendo, porque é uma música diferente do que eu já tinha feito, ela tem uma energia muito interessante, com o tipo de agressividade que não é bem a do Ludov. “Grandes Esperanças” é o tipo de música que muita gente adora, e o pessoal da banda que está ensaiando comigo curte muito “História Geral”. É uma música que tem muita dinâmica, e os músicos adoram, porque a banda funciona muito bem nessas horas. Tem amigos que gostam de “Teresa”, porque é uma música diferente. É a minha tentativa de descobrir como o Elvis Costello faz as músicas dele, porque acho muito peculiar o jeito que ele compõe e canta. Ele vai levando a música de uma maneira que ela parece um animal que ele monta e vai tentando domar. “Teresa” tem um pouco disso.

Mudando de assunto, queria saber como é a tua carreira em termos financeiros. Em algum momento, deu para viver da grana só do Ludov?

Muito pouco. Para o Ludov, com certeza, mas do Ludov, bem pouco. Em 2005, 2006, nós fazíamos muitos shows, de maneira que não dava para dizer que a gente estava fazendo outra coisa. Tinha shows em todos os finais de semana, rendeu algum dinheiro. Nada demais, mas rendeu um salário, digamos.

Daria para ter largado um emprego na época?

É relativo. A gente debate muito sobre aquilo. Hoje, cada um encontrou o seu caminho profissionalmente. Naquela época, acho que daria para ter largado tudo, porque a gente fazia muitos shows, e show é o que mais dá dinheiro para um artista independente, embora isso não seja uma regra. Desde cedo, o Ludov foi uma banda que se sustentou como empreendimento, economizando dinheiro. Primeiro, nós contribuímos do bolso, e depois a banda se sustentou como empresa, com dez anos de vida estável. Mas tirar lucro para nós mesmos é bem difícil. O problema quando a gente começa a pensar em remuneração de música é comparar com outros mercados. Nos EUA ou na Inglaterra, uma banda de projeção relativa parecida com a do Ludov conseguiria viver bem melhor. Mas tudo é bem relativo…

Acho que a grande pergunta a ser feita é “que padrão de vida esse artista quer ter?”.

É um pouco por aí. O Chapolin já ficou um ano só trabalhando pela banda. Foi um risco, mas acabou dando certo para ele. Ele chegou a vender shows do Ludov e ganhava um pouco mais no cachê. Ia de porta em porta, vendendo o projeto, às vezes sem falar que era da banda. Acho que fazer música funciona como qualquer outra coisa, na verdade. Se você quiser ser um chef de cozinha, você vai trabalhar muito e ganhar pouco. Não acho que o modelo que existe é bom, podia ser muito melhor. Mas não gosto de dar nada como desculpa. Faço a minha a obra e tenho que acreditar nisso. É um pouco prepotente falar em obra, parece que a gente quer ser Picasso ou coisa parecida. Não! É uma obra, você está deixando coisas concretas, dá para ver os discos da banda – eles são um produto e uma obra, ao mesmo tempo. Outra coisa importante: durante muito tempo, advoguei que precisava se viver só de música. Hoje, não sei se é assim. Vejo pessoas fora do meio artístico que tem a mesma pegada. De dia, o cara trabalha num escritório de advocacia, e de noite, ele pinta quadros. Pode não ser quadros lindos, mas é um hobby. Ou o cara adora jogar buraco e, um dia, resolve abrir um bar onde se jogue buraco. Outro dia descobri o Nerdcast, que é um podcast do site Jovem Nerd. São caras que têm várias profissões diferentes, e um dia descobriram que dava pra fazer algo legal. Hoje, eles estão ganhando uma grana. Acho que o mundo está assim. O músico não pode se colocar nessa situação de coitado.

Não adianta ser o Dom Quixote da música.

Isso! Se for pra viver de música, vai ser. O importante é correr atrás do seu. Não dê desculpa para nada. Se não deu, não deu. Usar o mercado como desculpa, falar que não tem investimento, que não tem lugar para fazer shows… Tudo isso é verdade. Mas não tem que ser uma desculpa. É diferente falar dos fatos e entregá-los como desculpa.

Agora, você é dono do estúdio 12 Dólares. E antes, o que você fazia?

Eu trabalhei em agência publicitária por um tempo. Odiei. Depois, fui para a área de marketing, em um escritório. Não era um ótimo funcionário, vivia dormindo no emprego, aí desisti. Desde então, fiz muita coisa: dei aula de kung-fu, de inglês, fiz tradução. E aí, em um bom momento, eu tive uma sorte dupla.

Que sorte foi essa?

A primeira foi trabalhar com o Ludov. É uma sorte que não veio ao acaso, mas que é uma benção. E o estúdio foi outra grande sorte na minha vida. Eu só conhecia o ambiente de estúdio como artista, de chegar e gravar. Há alguns anos, tive o papo com o Fábio sobre ter um estúdio. Na época, lembro de ter falado algo como: “ah, não me envolvo muito com estúdio. Quero só gravar minhas músicas e pronto”. Não podia ser mais distante do que vejo a vida hoje. Comecei a ser produtor na época em que fui ser sócio do Fábio. É um cara que tem uma baita experiência: ele começou a gravar na mesma época que comecei a tocar profissionalmente, com uns 19, 20 anos. Ele tem um know-how incrível, e um talento natural. É um aprendizado legal pra caramba. Trabalhamos muito bem juntos, e ele é um dos meus melhores amigos, junto com o Edu [Filomeno, ex-baixista do Ludov] e o Chuck.

E como é ser um produtor?

É uma coisa que precisa de mais foco do que ser músico. Produzir mexe com outros ingredientes. Você tem que tornar um ambiente possível para que uma terceira pessoa apareça lá e produza. Isso exige demais. No lugar de ter a ideia, você tem que dar as condições para uma pessoa fazer o que ela quiser com a ideia dela, de uma maneira confortável. Conduzir uma gravação é um trabalho psicológico intenso. Todo tipo de insegurança e loucura pode surgir em um estúdio. No Ludov, no geral, tem pessoas muito educadas e polidas. É difícil demonstrarmos altos e baixos de maneira drástica. No estúdio, é diferente. Produzindo artistas todos os dias da semana, você vai se deparar com situações eufóricas e devastadoras. No 12 Dólares, já gravamos trabalhos mais comerciais, de grandes empresas, feitos sob encomenda, nos quais a pessoa se sente muito pressionada pelo empresário, pelo parceiro, pelo contratante, todos fazendo uma baita pressão. É um aprendizado quase espiritual lidar com gente de maneira tão intensa. Essa é a parte mais desafiadora. Além disso, tem a parte toda de um aprendizado técnico muito grande. É muito botão, muita variável, muita teoria por trás de gravar bem ou mal. Gravar, hoje, todo mundo grava. Mas qual a diferença de gravar bem ou mal?

Dá para gravar bem em casa e muito mal em um estúdio.

É. Na minha opinião, a música tem que ser boa. Se a música for boa, você consegue ouvi-la mesmo em uma gravação caseira com o som horrível. Hoje, o mais comum é o contrário: músicas horríveis muito bem produzidas. Acho que a grande magia de um estúdio é produzir músicas boas da melhor maneira possível. Não é a maneira mais hi-fi, é a maneira mais adequada. Se for pra fazer uma gravação tosca, a gente faz.

É uma linguagem da música.

Exato. A gravação faz parte da linguagem de música. É que nem colocar um cara que fala gíria de skatista em terno e gravata. Não faz sentido.

Ter um estúdio auxilia a tua carreira como artista?

Facilita. Isso é um sonho. Na prática, o estúdio é uma empresa minha, é um trabalho como qualquer outro. Meu lado psicológico não me deixa virar e ir lá no sábado sempre que eu quero (risos). Mas como cenário é muito legal. A gente sempre sonhou em ter um estúdio como instrumento, não como ocasião. Trato o estúdio com certa solenidade, e faço questão de quem também for gravar lá prezar por ele. Não é porque é fácil gravar que você tenha de relaxar. Tem uma expressão em inglês que é legal pra dizer isso: “take for granted”, algo como tomar como garantido. Tem que dar valor ao estúdio, tem que vivê-lo intensamente. Eu imagino como era para o Frank Sinatra. Ele tinha seis horas para gravar quinze músicas de um disco novo. Era uma entrega fenomenal, e tinha de dar certo porque ele ia responder por aquele disco por muito tempo. Por outro lado, ter o estúdio à mão como brinquedo, no melhor estilo “Beatles em Abbey Road”, é um grande parque de diversões. Você produz sons ali como se estivesse em casa.

E o que você destaca até agora da tua carreira como produtor?

Acho que estou aprendendo ainda. Me considero produtor há pouco tempo, e falo isso sem constrangimento. Até o ano passado, dependia muito de observar outros produtores, como o Fábio, o Chuck ou o Chico Neves. Agora, continuo aprendendo com eles, mas me sinto mais capaz.

Você falou muito da identidade do Phil Spector como produtor no começo da entrevista. E a sua, como é? Já dá para destacar características do “Mauro Motoki produtor”?

Estou começando. Cada vez mais, eu e o Fábio estamos desenvolvendo uma identidade como estúdio, mas dentro dessa dupla consigo enxergar escolhas que faço com mais propriedade.

Que escolhas são essas? É possível descrevê-las para um leigo?

O que é legal para mim no trabalho de produção é tentar traduzir impulsos e ideias de um artista em resultados sonoros. E isso é algo às vezes subjetivo: um som alegre, triste, grandão, escuro. Hoje, já domino melhor essa linguagem, mas é algo sem fim. Quando comecei a gravar, era uma questão de registro: ia no estúdio, apertava o botão e gravava as coisas sem pensar muito. Produção me lembra muito direção de cinema: você tenta enxergar o processo todo mesmo quando está pensando em um detalhe. Acredito em assinatura de produção, como o Daniel Lanois, o Phil Spector e o George Martin fazem, por exemplo. Tem alguns discos que você percebe fácil quem é o produtor. Mas isso é algo difícil de ser feito: o produtor dificilmente leva a autoria de alguma coisa na canção, diferentemente do diretor de cinema, que recebe quase todo o crédito por um filme ser bom ou ruim. Até que faz sentido: não consigo produzir bem algo que seja ruim. Dependo plenamente de um artista que me apresente o embrião de uma coisa legal.

No seu blog, registrando o processo de feitura do seu disco, você diz que é muito difícil escolher a ordem das músicas dentro do álbum. [O post diz o seguinte: Essa coisa de colocar músicas em ordem mexe com um treco primordial (como estou eloquente hoje, Deus meu!). Porque é a mesma sensação de fazer uma fita ou um CD com suas músicas preferidas pra namoradinha adolescente, pensando em como cada música deve vir no momento certo para se fazer sentir com a intensidade desejada. Só que dessa vez, ao invés de namoradinha, você faz isso para uma plateia sem rosto. E ao invés de “Patience” do Guns e” Sitting at the dock of the bay” na versão do Pearl Jam, são suas próprias músicas. Medo”]. Existe uma ciência por trás disso?

Escolher a ordem das músicas é um pouco parecido com a história de ter uma metodologia para compor. Existem mil ideias, fazem-se diversas teorias porque uma música tem de ser depois da outra. Acho que isso faz com que o artista se relacione melhor com a sua obra. É quase uma paternidade, que nem por o seu filho na aula de inglês, e depois na aula de música, e depois na aula de artes. A ideia de me dedicar à ordem das músicas é um conforto futuro, de que tentei fazer aquilo da melhor maneira possível, seguindo algum critério, mesmo que esse critério não valha nada. O mesmo vale com a capa, por exemplo. Todo cuidado que você tenta tomar com um produto passa por aí. Gosto de saber que cuidei daquilo. Como um fã de música, a ordem das músicas importa bastante. Respeito a geração shuffle, mas não consigo ouvir um disco da forma que a garotada hoje faz.

Parece meio fora de lugar fazer um álbum com tanto esmero na época da “geração shuffle”. O seu disco está disponível no Soundcloud, e tem a ordem das faixas lá, mas nada impede que alguém chegue e ouça só a faixa 5 porque ela pareça ter um nome mais legal. Como você lida com isso?

Para mim, tudo bem. Por um motivo, eu pensei na ordem das músicas. Quando faço um show, tento tirar dessa ordem, mas é bastante trabalhoso, porque na minha cabeça aquela sequência está muito bem montada. Disco tem uma dinâmica e show tem outra, mas é difícil. Às vezes dá vontade de tocar o disco na ordem e ponto final. No fim das contas, todo critério desse tipo é subjetivo, a não ser que você tenha composto uma ópera-rock cronológica, com historinha.

Você acha que o formato álbum/long-play é algo em extinção?

Não sei se está em extinção, mas está em declínio. As artes plásticas já passaram por esse processo – elas já foram muito mais populares e mais presentes na sociedade. O nicho de pessoas que curtem formatos mais longos vai continuar existindo, como existe hoje uma elite que entende e admira artes plásticas. O formato long-play teve um auge, e era comum você ouvir e depois virar o disco, pra ouvir, e virar o disco de novo pra ouvir de novo. Mas acho que vai ter gente que vai ouvir uma música do meu disco e nunca mais ouvir nada. Acho que fazer um álbum, em 2012, é ter uma certa nostalgia.

Aproveitando essa nostalgia: quais seriam os cinco discos que você levaria para uma ilha deserta?

Poxa, é difícil. É subjetivo e muito instantâneo, mas vamos lá. (respira fundo). Não pode ter coletânea, porque aí é roubar.

Disco ao vivo também é roubar, porque a maioria deles é quase coletânea.

Ok. Eu levaria o “My Aim is True”, do Elvis Costello e o “Kaya”, do Bob Marley. Não ia ter como ficar sem ouvir Beatles, então hoje em dia eu levaria o “Álbum Branco”. Falta algo em português, então seria o “Álbum Branco” do João Gilberto, de 1973. E para ser uma coisa completamente diferente… Cara, é chover no molhado, mas eu ia ter que levar o “Yankee Hotel Foxtrot”, do Wilco. Não queria falar dele, porque agora está todo mundo falando do Wilco, mas é um disco que ouço tanto… Acho que são esses cinco, vai.

Engraçado você falar de ter que levar um disco em português. Antes do Ludov, você era parte do Maybees. A imprensa na época, falava muito do Maybees pensando na diferença de cantar em inglês e cantar em português. Como você vê isso hoje?

Acho que a gente fez uma escolha mais do que certa quando a gente resolveu cantar em português. O Maybees já tinha composto em português antes de acabar, e algumas dessas músicas acabaram indo para o Ludov depois, como “Kryptonita” e “O Dia Em Que Seremos Felizes”. Entre o fim do Maybees e o começo do Ludov, ficamos sem banda durante um período de uns quatro ou cinco meses, entre 2001 e 2001. Saíamos todos como amigos, mas sem ter uma banda. Quando resolvemos retomar um trabalho juntos, achamos que não ia ter nada a ver usar o mesmo nome. Tínhamos rompido com um selo, e pensávamos se íamos divulgar as coisas novas com o nome Maybees, e não rolou essa vontade. Mas rolou como Ludov. Quanto ao português, retomo: o terceiro disco do Maybees ia ter canções em português. Não sei explicar mais porque cantar em português foi a escolha certa. Hoje em dia acho válido compor em qualquer língua que você queira. Se o artista quer escrever em inglês, acho que faz sentido. Uma parcela do público gosta de ouvir rock brasileiro em inglês, e não vejo problemas nisso. Hoje em dia eu tenha uma visão mais ponderada, e talvez por isso eu esteja reavaliando cantar algumas canções do Maybees nos meus shows solo. Gosto de bater na tecla que é mais legal compor em português, embora seja mais difícil. Acho que a geração de hoje em dia ouve mais música em português do que em inglês.

Não sei se isso acontece, mas o que muita gente diz é que é mais fácil compor em inglês.

O estilo da canção pop se adequa bem ao inglês. Dentro de certo estilo, a gente tem mais influência de uma sonoridade em inglês. Já cheguei aos extremos dessa discussão. Já falei que em inglês não valia, apesar de já ter compondo bem em inglês, mesmo com alguma idiossincrasia brasileira. Também quase já tive o discursinho imperialista de que escrever em inglês era imperialismo (risos). Hoje, acho que o importante é o artista questionar suas intenções. Escrever em inglês tem implicações comerciais e de expressão. Sou libertário: faça o que você quiser, mas saiba que isso vai ter implicações. Se você quer ter uma banda para tocar no Brasil, dificulta um pouco não cantar em português. Outro problema: não é fácil escrever bem em português, e as experiências que a gente tem, sorte nossa ou não, são muito elevadas. Existem bons compositores em português desde quase sempre. A música brasileira não tem um repertório fraco, e quando você compõe algo novo, existe essa pressão de décadas. Resumindo: por um lado, existe a dificuldade de compor; por outro, a dificuldade de ser entendido.

Na época que o Ludov começou a aparecer na mídia, quando saiu o “O Exercício das Pequenas Coisas”, a imprensa falava de vocês e do Gram como duas bandas que começaram a cantar em português por causa do “Bloco do Eu Sozinho”, dos Los Hermanos. Eles tiveram uma influência forte sobre o Ludov ou foi uma coincidência?

Los Hermanos é o Strokes brasileiro. Eles influenciaram tanto em abrangência, pelo número de bandas que beberam naquela fonte, quanto por ter apontado uma possibilidade de se cantar em português, o que foi muito importante para o rock brasileiro nos anos 1990. O rock dos anos 1980 tinha muita força – Titãs, Legião, Paralamas, IRA! – mas na geração seguinte houve uma dificuldade de mercado, e também uma dificuldade de composição, de ser lírico e romântico sem cair no brega. Os Los Hermanos foram brilhantes nesse sentido. Admiro muito o trabalho deles, mas não ouvi tanto nos últimos anos. Acompanhei bem o que eles fizeram até o “Ventura”. O Habacuque chegou a me dar um LP do “Quatro”, mas não ouvi muito. Dos trabalhos mais recentes, cheguei a ouvir o Little Joy e acho super legal. Infelizmente não conheço muito o que o Camelo faz. Acho todos eles artistas ótimos. Mas é isso, tem um lado Strokes de influência. Para todo mundo, eles viraram influência – contra ou a favor. Não acho que é por cópia. Tem influência, mas também tem muita comparação posterior. Quando nós nos conhecemos, ainda estávamos na época do Maybees. Começamos uma amizade: sempre que a gente ia pro Rio, a gente se encontrava. O Habacuque se aproximou mais deles do que eu, e até hoje, a gente se gosta e a gente se respeita, e tem uma relação amistosa. Nunca foi profunda, mas sempre foi amistosa. Mas, ao mesmo tempo, lembro de ver todo mundo ouvindo coisas parecidas naquela época. Todo mundo ouvia Strokes, e todo mundo gostava de Chico Buarque, e todo mundo gostava de Los Fabulosos Cadillacs. Se você for ouvir os Cadillacs, tem tudo a ver com o que todo mundo aponta com influências dos Los Hermanos. Repito: acho os Los Hermanos uma banda incrível, com uma baita influência sobre a minha geração. Entretanto, como influência pessoal minha, não é algo tão grande assim. A principal lição dos Los Hermanos é mostrar que era possível cantar em português de novo.

Que balanço você faz desses dez anos de Ludov, uma banda que lançou três discos longos, três EPs, ganhou prêmios na MTV e teve vários clipes rodando na emissora?

É quase piegas, e depois de muita coisa, é quase desnecessário dizer que sinto orgulho. Me satisfaz muito olhar para as escolhas que a gente fez. Não acho que a gente fez nenhuma escolha da qual eu me arrependa em essência. Mais uma vez: sempre vai haver coisas que a gente acha que poderia ter feito melhor, mas fizemos as escolhas certas.

Houve em algum momento o sentimento, dentro da banda, de que vocês iam estourar?

Sim.

E teve alguma desilusão?

Teve uma desilusão sim. Não foi tão drástica, porque a gente teve um apoio interno incrível. Um bom funcionamento interno é quase 90% da razão pela qual conseguimos comemorar esses 10 anos juntos, superando pressões externas ou contextos complicados. Do EP “Dois a Rodar” para o “Exercício”, rolou a sensação de que o Ludov ia estourar. Havia um investimento forte por parte da Deck, ou melhor, do João Augusto, que na época era o presidente do selo. Ele tinha um carinho muito grande pela gente, e queria bastante ajudar. Na época, nós reclamamos porque sempre queríamos mais investimento. Com o tempo, paramos de dar desculpas, porque no final das contas a responsabilidade é sempre nossa. Mas rolou essa expectativa de ser um sucesso, e no período entre o “Exercício” e o “Disco Paralelo” nós tivemos que lidar com essa desilusão, entre aspas.

Você chamaria de desilusão?

Não chamo. Acho que foi uma quebra de expectativa. Uma dose pequena de frustração. A gente esperava ficar super livre e ser artista mimado (risos). Todo mundo tinha esse sonho nessa época. Pegamos uma época na qual o modelo comercial foi se desfazendo, e esse modelo foi repassado para outras bandas novas. Vimos o modelo que estava sendo empregado na nossa geração sendo transplantado para outra aplicação – o Restart, o NX Zero… São produtos mais bem pensados mercadologicamente. Acho que as pessoas que investiram neles pensaram melhor um produto do que a gente. É preciso dar esse mérito. Dentro do rock brasileiro, o modelo de gravadoras foi minguando, e esse modelo foi transplantado para outras bandas, e a nossa geração foi aprendendo a se virar com outros modelos. Mais do que tudo, foi isso que deu essa quebra de expectativa: o modelo que a gente queria já não existia e nós tivemos de inventar outra saída. Era ficar insistindo no impossível. Hoje, sou meio contra essa coisa de “sonho”: é mais fácil realizar. Parece frase de efeito, mas é verdade. Eu penso em desejos e vontades, em coisas que eu consiga realizar. É um caminho que a gente aprendeu do “Disco Paralelo” em diante. É o “sem desculpa”. A gente procura não se dar desculpa para nada. Analisamos os fatos, e em muitos casos existem fatos cruéis, mas nada tem que ser desculpa.

Essa é a realidade de vocês hoje?

Sim. É realizar, sem desculpas. Faz parte de ficar um pouco mais velho, acho. Pensamos mais em uma obra, e menos em resultados isolados. Enxergamos tudo como uma coisa só. Isso nos deixa mais cautelosos, querendo lançar coisas melhores, mas também nos dá maios tranquilidade. Se você não tem uma aceitação muito boa perante o público, isso faz parte de uma coisa maior. Se nós lançarmos nosso próximo EP e todo mundo falar mal, beleza. Claro que a gente vai ficar triste, mas isso não vai ser empecilho para que nós sigamos em frente.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde maio de 2010  e assina o blog Pergunte ao Pop.

Leia também:
– “Caligrafia”, o melhor disco do Ludov, por Marcelo Costa (aqui)
– Entrevista 2009: Habacuque Lima fala sobre “Caligrafia”, por Murilo Basso (aqui)
– Entrevista 2006: Ludov passa por um momento de transição, por André Azenha (aqui)
– Entrevista 2003: por que a mudança de lingua, de nome e por que Ludov?, por Mac (aqui)

4 thoughts on “Entrevista: Mauro Motoki, Ludov

  1. Ótima entrevista! Adoro Ludov, sou fascinada com suas melodias e letras geniais. Sinto que é uma banda que como o Mauro citou, é autêntica, tem uma essência única, rara de encontrar em outras bandas, que possui um material muito rico.

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