Imagine a toda a música pop relevante dos últimos 35 ou 40 anos como uma pessoa. Agora imagine que essa pessoa passe por uma dessas experiências de “quase-morte”, na qual, dizem, você é capaz de ver “toda a sua vida” passar diante de seus olhos em poucos segundos. A trilha sonora dessa experiência seria um show do LCD Soundsystem.
A banda comandada por James Murphy conseguiu tornar-se o mais relevante nome do pop (rock? alternativo? dance music?) americano dos anos 00 ao juntar a sensibilidade e a estética do rock indie com a atitude e o groove herdados das pistas de dança. Mas seria injusto resumir a carreira do LCD a uma mistura de guitarras & disco music. Com seu conhecimento enciclopédico da história do pop e uma brigada de músicos competentes a seu lado, Murphy revê o passado, costura-o em combinações improváveis e o devolve numa síntese atualíssima. The Fall + Donna Summer? Talking Heads + B-52? Joy Division + Underworld? Kraftwerk + Sonic Youth?
Cabe isso tudo e muito mais, como os cariocas puderam comprovar no show que a banda fez no Vivo Rio numa quinta-feira de fevereiro (17). Em sua turnê de despedida – Murphy confirmou que o grupo retira-se dos palcos em abril próximo – o LCD Soundsystem mostrou-se afiadíssimo. E senhor absoluto de uma fórmula que muitos vêm buscando há décadas: o segredo de conclamar ao frenesi dançante sem perder o vigor roqueiro. Não se enganem: quem não foi (e aqui vale incluir São Paulo e Porto Alegre), perdeu uma apresentação histórica, os últimos momentos de um grupo realmente inovador e de rara inteligência.
Tudo bem, o último disco do LCD, “This Is Happening” (2010), é menos inspirado que os dois primeiros (“LCD Soundsystem”, 2005 e “Sound of Silver”, 2007). O som do Vivo Rio, sempre oscilante, não estava 100%. E a esperada lotação máxima da casa não foi alcançada. Ainda assim, Murphy botou sua máquina para passar por cima dos cariocas sem dó.
Ao vivo, as versões bastante fiéis das músicas de “This Is Happening” ganharam em peso, desde a abertura com o groove esparso e sincopado de “Dance Yrself Clean” até o punch da irônica “You Wanted a Hit”. “Drunk Girls”, “I Can Change” e “Home” também surgiram, bem seqüenciadas no meio das pérolas estrategicamente pinçadas dos álbuns anteriores. “Daft Punk Is Playing at my House” veio pesada e acelerada; a saga dançante-existencialista de “All my Friends” causou comoção, assim como o ruidoso e melancólico synth-pop de “Someone Great”. A banda de seis músicos capricha na recriação das levadas e dos blips e blops dos discos; em “Yeah” – a “Sister Ray” do disco-punk – ficaram claros a precisão e o fôlego impressionantes do baterista Pat Mahoney, que sustentou a batida 4/4 da música por mais de 10 minutos.
Mesmo não tocando as anunciadas duas horas de show (chegou a 1h40, sem um bis “oficial” – houve só uma pausa rápida, com os músicos ainda no palco), o congraçamento, encerrado com a dramática “New York I Love You, But You’re Bringing Me Down” foi completo. A ausência de uma ou outra favorita da galera, como “North American Scum”, “Disco Infiltrator” ou “Beat Connection”, foi compensada pela inclusão de “Losing my Edge”, primeiro single do LCD (2001) e ainda hoje a música que define a banda. Aliás, define não só a banda, mas toda a primeira década do século 21, a década em que a internet possibilitou a uma geração inteira arrombar os cofres da indústria fonográfica, conhecer artistas de todas as épocas e estilos da história do pop e usar esse conhecimento para fazer nova – e boa – música.
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– Marco Antonio Bart (@bartbarbosa) é jornalista e assina o blog Telhado de Vidro
– Foto de Eduardo Gabriel, registro do show em São Paulo. Veja outras imagens do show aqui
Incrível como LCD Soundsystem tem esse poder de me deixar com um sentimento nostálgico dentro do peito. Aquela coisa muito boa que infelizmente passou e que parece que nunca mais vai voltar. LCD Soundsystem de fato foi uma banda pontual durante a fase mais despreocupada da nossa geração.