por Juliana Torres
Todas as luzes do cinema se apagam e na tela surgem apenas sapatilhas, que fazem passos histéricos e perfeitos, iluminados por uma luz fraca, incoerente para a qualidade da dançarina. Nina dança pelo palco, interpretando a famosa coreografia de “Cisne Negro”, enquanto todos se acomodam na poltrona percebendo que, pela intensidade dos primeiros minutos, o filme tem muito a oferecer. E assim segue o rolo.
“Cisne Negro” (“Black Swan”, 2010), sétimo filme de Darren Aronofsky (“Réquiem para um Sonho”, 2000 e “O Lutador”, 2008, entre eles) é um apanhado de metáforas. E todos os sinais para que você perceba isso foram milimetricamente inseridos pelo roteirista John McLaughlin. A relação do bem x mal que existe dentro de cada um está claramente mostrada na fábula do “Cisne Negro”, explorada pelo longa.
Nina (Natalie Portman, indicada – e favorita – ao Oscar pelo papel) é uma dançarina da companhia de balé de Nova York que vê na saída da veterana Beth (Winona Ryder) uma chance de se tornar a nova estrela do teatro. Aronofsky novamente explora a relação mãe e filho – como em “Requiém para um Sonho”, em que o protagonista tem um relacionamento estreito e conturbado com uma mãe superprotetora que abdicou da vida para criar o filho. E vem daí grande parte dos problemas que Nina enfrentará durante a história. Presa em uma personalidade dócil demais, ela conclui que precisa viver a vida de forma com que sua própria existência passe a destruí-la.
Em “Réquiem”, Harry Goldfarb (Jared Leto) é um filho ausente que acompanha o desabar de todos ao seu redor. Nem ele consegue se salvar. Sua mãe, viciada em anfetamina, sofre as conseqüências de ter perdido a juventude em virtude da família. Corte para 2010. Nina deve se livrar de todas as suas amarras para conseguir o cisne negro que procura, e a principal delas é Erica (Barbara Hershey), sua mãe. Esse fragmento surpreende e é marca do talento de Aronofsky, que parecia ter sido perdido desde “Réquiem” (desde então o diretor não havia apresentado um filme que se comparasse ao longa estrelado por Leto e Jennifer Connelly, ícone da cultura junkie – “O Lutador” tem seus méritos).
Outra metáfora presente em “Cisne Negro” é a de que ninguém pode atrapalhar o seu destino, a não ser você mesmo. Isso fica evidente no relacionamento de Nina com Lily (Mila Kunis). Nina pensa que está sendo perseguida em diversas passagens do filme, ora por Lily, ora por ela mesma. Surge a questão: quem a está perseguindo não é ninguém além de seu próprio black swan. Pois é, ou não.
Tendo essa sensação como “guia”, o principal motivo que torna o filme um clássico contemporâneo é a falta de certeza. E se Lily estivesse mesmo perseguindo Nina e a deixasse tão perturbada que causasse a sensação de loucura? Durante os 108 minutos do filme nada fica claro. Tudo parece um sonho, como na primeira cena do filme. E a intensidade que Natalie coloca no papel o faz querer que seja mesmo um sonho. A todo o momento você espera que Nina seja um pouco mais Lily.
Em 2000, Nancy Meyers dirigiu um filme com Mel Gibson chamado “Do Que As mulheres Gostam” (você já deve ter visto na televisão). Mediano pra ruim, certamente. Ainda mais porque Mel Gibson não tem nenhuma qualidade para o humor. Se a distribuidora responsável por “Cisne Negro” fosse atacada por zumbis e todos perdessem a noção do mundo e resolvessem traduzir o filme como “O Que as Mulheres Pensam”, não estaríamos perdendo nada. É necessária muita sensibilidade, mas é possível perceber no filme todas as neuras femininas que sempre são incompreendidas e que, imediatamente, passam a fazer sentido na cabeça de qualquer um.
“Cisne Negro” tem terror, tem suspense, tem drama e tem até uma pitada de comédia. Têm boas atuações, boa direção, boa fotografia, boa trilha, boa montagem. Somando tudo isso e adotando o princípio matemático de que “mais e mais = sinal positivo”, o filme tem tudo para ganhar o seu coração.
Leia também:
– A mensagem anti-drogas de “Réquiem Para um Sonho”, por Ana Cecilia Del Monaco (aqui)
– A beleza tristonha e as feridas na alma de “O Lutador”, por Marcelo Costa (aqui)
Ótima análise, e por sinal, ótimo filme. Para o público “maioria” é bem difícil, mas para qualquer amante de cinema acho difícil não ficar encantado com toda a paranóia que rola. Eu já estava envolvido no filme, mas a coisa encrespou mesmo quando ela está procurando a mãe e vemos de relance, os olhos de um de seus quadros se moverem. Achei que só eu tinha visto e imaginado, mas logo percebi que ela voltou a olhar para o quadro. Senti a mesma confusão que Nina. Imaginação?
A medida que a coisa vai ficando cada vez mais louca, as dúvidas vão surgindo. Só quando ela finalmente dança como o Cisne Negro em frente à uma platéia, transformando-se, é que ficou claro – uma metáfora.
Belíssimo filme, quero assistir novamente. As mudanças de personalidade de Nina na dança final me arrepiam até agora.
fuck yeah \o/
Maravilha de drama. Bem conduzido, bem narrado e acima de tudo, bastante intenso. A atuação da Natalie Portman sem dúvida se destaca dentre os outros predicados do filme…nó na garganta garantido. Belo texto!
Belo texto.
Achei o filme muito bom, a Portman está impecável, e vê-la ao lado da Mila Kunis me causou a mesma sensação de ver a Scarlett Johansson com a Penélope Cruz em VCB: a de que sou um nada, e elas tudo.
Adorei “Do Que As mulheres Gostam”.
o filme é bem melhor do que a resenha tentou fazer com que pareça. foi superficial sua análise.
esqueceu de citar o excelente Fonte da vida (2006), até agora o melhor filme de Aronofsky. e Cisne negro é o 5º filme dele, não o sétimo. (Pi, Réquiem para um sonho, Fonte da vida, O lutador, Cisne negro).
“A Fonte da Vida” não é só pior filme de Aronofsky como um dos piores filmes que vi nos últimos 10 anos (e olha que vi muita coisa ruim – risos). A carreira do Aronofsky quase acabou devido ao fracasso do filme, mas tudo voltou aos eixos (financeira e artisticamente) com “O Lutador”. “Cisne Negro” é o quinto filme comercial do diretor. Além dos cinco citados ele tem outros dois, “Protozoa” e “Supermarket Sweep”, que não foram distribuidos comercialmente.
A Fonte da vida só será reconhecido pelos que hoje o criticam daqui uns 30 ou 40 anos. é um filme a frente do seu tempo, além de belo e sensível. cinema de alta qualidade. Darren é um visionário, aguardemos os próximos.
Acontece muito isso de reconhecimento tardio, André. Daqui esse tempo vou estar com 70/80 anos, vamos ver (risos). Mas concordo com você: ele tem o dom do cinema de alta qualidade e um certo visionarismo que encanta. “O Lutador”, de direção bastante correta e sem invenções, foi necessário exatamente pra lhe devolver a confiança e arriscar mais no “O Cisne Negro”. Com os elogios que o filme vem recebendo podemos esperar um próximo grande filme, com certeza.
Sorry por me meter aonde não sou chamado… Mas, neste caso, sinto que devo… rs.
“The Fontain” é maravilhoso. E nem estou falando de sua direção de arte; neste quesito, periga ser um dos filmes mais belos que já vi.
Cara… Faltam-me palavras. E metido que sou, acho que não poderia fazer elogio maior a um filme.
Aronofsky é um esteta. Deem um grande roteiro nas mãos dele e ele faz maravilhas:
“PI” é maravilhoso. Pra mim, a estréia mais promissora desde “Eraserhead”.
“Réquiem” briga colher a colher com “Trainspotting”.
“A Fonte da Vida” – foda esse “da Vida”, mas, enfim… -, é, a meu ver, seu melhor filme.
“O Lutador” é um ótimo filme, mas que poderia – e, creio, deveria – ter sido filmado pelo Clint. Mas francamente não acho que nosso caubói teria tido melhor resultado.
“Cisne Negro”, ainda não vi. Bom teste para minha preguiça.
Assim como “Do Que As mulheres Gostam”, “Fonte da Vida” também é belo e subestimado.
Pô Mac, sou obrigado a concordar com meu xará, Fonte da Vida é o melhor filme do Darren. E gostei do Cisne Negro mas sei lá, acho que o filme sofre do mesmo mal da Nina no filme. Ou talvez o Arenofsky seja bom o bastante pra me fazer pensar assim.
Ah, e a atuação da mina do Inverno da Alma é no mínimo tão boa quanto a da Natalie.
o próximo filme do Aronofsky é Wolverine 2.
Não sei se tem tanto esse “apanhado de metáforas”, depende de quem vê. Agora, o que não dá para fugir é da atuação fantástica da Natalie Portman. Fazia um bom tempo que não via algo tão intenso.
O meu preferido é Pi, sem dúvida. O Cisne e o Lutador também são excelentes. Para um diretor que fez Pi, Requiem e etc certamente o Fonte da vida é decepcionante mas é um bom filme. Acho que sempre q o Darren lançar algum filme será avaliado em virtude dos grandes filmes que já fez.
Curioso só terem homens comentando este filme porque, como disse a articulista, é um absurdo como o diretor pôde compreender tão bem a alma feminina. Cheio de metáforas, sim. A cena da “lição de casa”, por exemplo. Mais do que uma cena que pode ser vista com olhos gulosos por muitos marmanjos, é uma sequencia absurdamente sensível e que define muito bem o conflito da personagem, mas também o conflito de toda mulher em sua relação com o mundo. Do comportamento que devemos ter, da pessoa que devemos ser e a relação disso com o que é feio, imoral e repulsivo para o todo o resto.
Fiquei arrepiada o filme inteiro. Claro que grande parte do mérito diz respeito a interpretação da Natalie Portman, que parece ter lançado uma corda de dentro da tela e me levado para dentro daquela psicose.
E, de fato, como alguém aí em cima comentou, a cena final é um desbunde. Perfeito.
Meu candidato disparado a filme do ano (e olha que o ano só começou).
Pois é, Rosana. Também achei que teriam mulheres a rodo comentando por aqui, mas foi bom saber que não fui a única que saiu arrepiada da sala. 🙂
eu achei um filme cheio de clichês e chato pra k. Tenho saudades do Bergman!
Filmaço! Assisti-lo no cinema é uma experiencia marcante. O ritmo é um absurdo, o final, conduzido magistralmente pela orquestra é assustador de tão bem executado. Um filme provocador, sombrio e pertubador, tipo um Clube da Luta em versão balé!