por Sérgio Martins
Os 55 anos de existência do rock são marcados por momentos emblemáticos. As primeiras gravações de Elvis Presley, em meados da década de 50, anunciaram a chegada do rock’n’roll e definiram um padrão de comportamento para a juventude. A aparição dos Beatles no Eddie Sullivan Show, em 1964, mostrou uma nova maneira de fazer música pop e levou bandas inglesas como The Who e Rolling Stones a desembarcar nos Estados Unidos em busca de sucesso.
Já “Like a Rolling Stone”, canção que Bob Dylan lançou em 20 de julho de 1965, transformou a poética do rock. A partir dela, o gênero se libertaria de temas como carros e garotas para mergulhar não só em assuntos sociais e políticos, mas na introspecção: o que dizer, e como dizê-lo, viraria a razão de ser do rock e a sua bandeira revolucionária. O objetivo do crítico Greil Marcus em “Like a Rolling Stone – Bob Dylan na Encruzilhada” (Companhia das Letras; tradução de Celso Mauro Paciornik; 256 páginas; 42 reais) é mostrar a gênese dessa canção e provar que ela, sozinha, mudou a cultura pop em todo o mundo. Marcus está à altura do que se propõe: ele é não apenas referência obrigatória na crítica musical, como também um especialista em Bob Dylan.
Dylan surgiu no início dos anos 60 como uma versão remoçada do artista folk Woody Guthrie. De violão e gaita empoleirada sobre os ombros, ele compunha canções de protesto como “Blowin’ in the Wind” (aquela que o senador Eduardo Suplicy se encarrega de estragar toda vez que a “interpreta”). A fórmula durou até “Bringing It All Back Home”. O disco, lançado em 1965, introduziu a guitarra elétrica no folk e deixou furiosos os fãs de primeira hora. “Highway 61 Revisited”, de poucos meses depois, causou ainda mais estranheza – a começar pela faixa “Like a Rolling Stone”. A música nasceu de uma brincadeira de Dylan com “La Bamba’, de Ritchie Valens. Mas a pancada seca de bateria que anuncia o início da canção (Bruce Springsteen disse que ela soava como se alguém tivesse aberto a porta de sua mente), os solos de guitarra que a costuram e as intervenções do teclado criaram um novo padrão de sonoridade no trabalho do cantor. Os amantes do folk iam às suas apresentações para xingá-lo de Judas e vaiá-lo. O compositor respondia com fúria, gritando o refrão “how does it feel?” como um chamado à guerra.
“Like a Rolling Stone” revolucionou a maneira de divulgar uma canção no rádio. As músicas, então, podiam durar no máximo três minutos; ela tem o dobro. A CBS (atual Sony Music) pediu que Dylan a cortasse. Ele se recusou, e a faixa foi dividida em duas partes. “Foi assim que conheci a canção. Passei uma hora escutando a primeira parte até conseguir pular para a segunda”, disse Greil Marcus. O público rejeitou o artifício e exigiu que “Like a Rolling Stone” fosse tocada na íntegra pelas rádios, formato em que ela chegou ao segundo lugar na parada e se tornou o maior sucesso de Dylan até então.
A letra de “Like a Rolling Stone” é uma das mais brilhantes da carreira de Dylan. Para contar a história de uma esnobe da alta sociedade que vira indigente, ele emprega metáforas e se vale de uma estrutura narrativa então inédita nas letras de rock – tanto que a canção o colocou não apenas no cânone musical, como no literário. “Trata-se de uma composição capaz de viver no papel, sem a música”, diz Marcus. Seu lançamento fez com que os principais compositores do período alterassem seus métodos, não raro com algum desespero – como no caso de Gerry Goffin, um dos mentores do Brill Building, espécie de quartel-general dos principais hitmakers do período.
A protagonista da canção também é motivo de debate. Há quem ache que se trata de um decalque de Edie Sedgwick, socialite que era amiga de Andy Warhol e por quem Dylan se apaixonou – e há quem teorize que o cantor está falando de si próprio, metaforicamente. Greil Marcus, entretanto, aposta em outra tese. Para ele, o segredo está nas três palavras iniciais – “Era uma vez”. Ou seja, tudo não passa de história e invenção. É um bom mote: com “Like a Rolling Stone”, Dylan reinventou a música pop. E a história dela nunca mais foi a mesma.
Sérgio Martins é jornalista, assina o blog Tudo Que Sobra e apresenta o programa Veja Música
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Sergio
Parabens pelo excelente texto. Sempre mandando muito bem.
Dylan, Like a Rolling Stone, centenas de canções e agora mais esta obra…tudo isto é obrigatório para se entender o que este artista representará para sempre na histórica da pop art.
Abraços
Wagner Xavier