Crítica: Em “Romance”, Fontaines D.C. dá um passo adiante em relação a tudo que fizeram

texto de Luciano Ferreira

Álbuns são como fotografias, captam em forma de sons e prosa o momento de um artista e permitem vislumbrar o contexto tanto interno quanto externo. No caso dos irlandeses do Fontaines D.C., a precisão dessa imagem metafórica impressiona desde a sua estreia com a euforia desenfreada de “Dogrel” (2019), passando pela necessidade de pertencimento e saudade de casa presente em “Skinty Fia” (2022), e chegando em tons de diversidade em seu quarto trabalho, o recém-lançado “Romance” (2024).

Com “Romance”, o grupo dá um passo adiante em relação a tudo que fizeram até aqui, deixando para trás, por exemplo, o rótulo de banda “pós-punk indie rock alternativa” para se tornar apenas um grupo onde todas as opções são possíveis dentro dos arranjos. É algo que tanto Grian Chatten, o vocalista, e Tom Coll, o baterista, já haviam expressado anteriormente em entrevistas (inclusive aqui no Scream & Yell), e que vinha insinuando-se em “A Hero’s Death” (2020) e intensificando-se em “Skinty Fia – e de forma mais plena no primeiro álbum solo de Grian, “Chaos For The Fly” (2023).

Arte dos singles “Starbuster” e “Favourite”

“Romance” utiliza a arte gráfica da artista taiwanesa Lulu Lin e mostra um Fontaines D.C. disposto a abandonar o rótulo de “banda de guitarras”, concentrando-se em construir canções que podem incorporar novos instrumentos, novas sonoridades e novas referências musicais, embora tenham deixado claro que o álbum bebe mais em referências de lugares do que musicais – o trabalho gráfico exalta a cultura oriental com mangás japoneses e o filme “Akira” citados como inspiração.

Nesse sentido, o quarto esforço discográfico do quinteto está mais para “Chaos for the Fly” do que para “Skinty Fia” ou “A Hero’s Death”, uma associação que surge instantaneamente em canções como a etérea ‘Sundowner’, escrita por Conor Curley e com vocais divididos entre o guitarrista e Grian, um dos sinais das mudanças apresentadas no novo trabalho. Sem contar a própria escolha de James Ford para produção, um cara responsável por trabalhos de artistas cuja paleta é bem diversa (de Depeche Mode a Geese passando The Last Dinner Party, Pet Shop Boys e Beth Gibbons, só pra citar os mais recentes).

Nem é preciso deixar a agulha deslizar muito na superfície do vinil para perceber que há algo diferente: a própria “Romance”, faixa título que abre o álbum, surge com sua sonoridade misteriosa e toques orientais antecipando os caminhos que devem ser seguidos ao longo das onze faixas: “Dentro da escuridão novamente… Talvez o romance seja um lugar para mim e para você”, diz a letra. “Romance”, o disco, é como o encontro de um lugar em que o grupo possa, enfim, se sentir confortável, deixando de lado o peso das expectativas, ou simplesmente estar em nenhum lugar e ainda assim não se sentir deslocado. Afinal, tudo é questão de como você se sente.

Escolhida para apresentar o disco como primeiro single em abril, a introdutória e sufocante “Starbuster”, com seu spoken-word que mais se aproxima do estilo vocal do hip-hop (influência que Tom Coll já havia adiantado na conversa com o Scream & Yell), já sinalizava as mudanças escolhidas quatro meses antes do disco sair.

Mas dentro de “Romance”, “Starbuster é mais um ponto fora da curva do que uma tendência – a faixa tem inspiração de Korn, segundo a banda. O mesmo pode ser dito da ensolarada “Favourite” (segundo single), cujos climas remetem imediatamente ao lado mais pop e acessível do The Cure em canções como “Friday I’m in Love” – um contraponto à abertura densa e melancólica da faixa título; ou, ainda, da pseudo-euforia de “Here’s the Thing” (terceiro single), cantada em falsete e com uma linha de baixo poderosa, também encontrada na também cureana “Bug” ou no retorno à sonoridade de outrora de “Death Kink”.

Arte dos single “Here’s The Thing” e “In The Modern World”

Entre as outras canções, esbarramos em várias baladas construídas ao violão e adornadas por camadas sonoras, princiapalmente orquestradas, como na ótima “In the Modern World”, em “Motorcycle Boy”, na já citada “Sundowner”, em “Horseness is the Whatness” e ba balada “Desire”, que começa devagar e vai crescendo para levantar estádios. Todas com um pezinho em “Chaos for the Fly”.

Embora músicos e não fotógrafos, o Fontaines D.C. conseguem em “Romance” construir a exata imagem do seu momento atual enquanto banda e, para isso, nem precisavam dos recursos gráficos geniais utilizados nos singles e no disco e nem das roupas e cabelos coloridos, pois sua música fala por si e pode ser resumida na afirmação de Grian: “Amo minha voz neste disco. Acho que nunca a amei antes”.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge : A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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