Três livros: Stephen King, Chico Buarque, Fernanda Montenegro

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Ascensão”, de Stephen King (Editora Suma)
Castle Rock é uma cidade pequena e provinciana situada nos EUA. Altamente conservadora e satisfeita com suas rotinas e regras, não gosta de nada que altere isso. Scott Carey é um dos seus moradores há algum tempo. Com um divórcio ainda recente, busca se restabelecer e focar no trabalho quando uma coisa para lá de estranha acontece: ele está perdendo peso diariamente, ficando mais leve, no entanto suas medidas não mudam nada e o corpo continua exatamente igual. “Ascensão” (“Elevation”, no original) é um livro curto de Stephen King lançado em 2018 e publicado aqui no Brasil pela editora Suma no final de 2019 com 130 páginas e tradução de Regiane Winarski. É uma pequena fábula que usa a atualidade (a política americana aparece ao fundo) para versar sobre intolerância, harmonia, preconceito e a finitude da vida e o que fazemos com ela. Quando o protagonista percebe que sua condição não tem saída e os dias na face da terra estão contados opta por deixar um legado ao invés de sair aproveitando os últimos meses. O objetivo é fazer com que o casal de mulheres que passou a residir na cidade e abriu um restaurante seja aceito pela comunidade que ele jurava ser boa, mas desconhecia alguns pensamentos. “Ascensão” não passa nem perto de ser um dos melhores livros do autor, mas traz consigo uma beleza (ainda que triste) e vibração que nos servem bem, ainda mais quando passamos os dias tão absortos em notícias (cada vez mais) ruins.

Nota: 6 (leia um trecho)

“Essa Gente”, Chico Buarque (Companhia das Letras)
Vencedor do Prêmio Camões de 2019, Chico Buarque lançou outro livro no ano passado pela Companhia das Letras com 200 páginas. “Essa Gente” tem como protagonista um escritor mergulhado em tremenda crise que atinge tanto o lado criativo, como também o amoroso e o financeiro. Com o segundo casamento tendo ido para o brejo, o dinheiro acabando, uma relação inerte com o único filho e a incapacidade de escrever um novo romance pelo qual já recebeu alguns adiantamentos, a vida está na beira de um colapso. Usando o Rio de Janeiro atual como palco para contar essa história, Chico Buarque aproveita e insere a cada capítulo retratos claros de um Brasil governado pelos ineptos e energúmenos de hoje em dia e sua relação direta com a violência e intolerância que saiu do esgoto das redes sociais para o dia a dia do convívio, além, é claro, da violência física em si. Escrito quase que em forma de diário, o autor apresenta a queda do escritor Manuel Duarte alternando – como de costume em seus livros – realidade com imaginação e delírio. O resultado é melhor que os últimos trabalhos (“O Irmão Alemão” de 2014 e “Leite Derramado” de 2009) e expressa um autor em boa forma, ainda que sempre se espere algo extraordinário por ser quem é. Indo além do personagem principal, “Essa Gente” se destaca mesmo é pelos coadjuvantes pequenos que de uma forma ou outra representam bem o tipo de pessoa que nos colocou no buraco em que estamos.

Nota: 7,5 (leia um trecho)

“Prólogo, Ato, Epílogo”, Fernanda Montenegro (Companhia das Letras)
Nunca existiu uma mulher como Fernanda Montenegro no Brasil. A atriz é daquelas artistas únicas que possuem um legado enorme e que além de serem imensos em termos de qualidade se tornaram igualmente ícones de uma geração, de um ofício. Seja no teatro ou no cinema (e até mesmo na televisão), foram milhares aqueles que sorriram, choraram e se emocionaram ao ver um trabalho seu. Em “Prólogo, Ato, Epílogo” publicado em 2019 pela Companhia das Letras com 392 páginas ela conta com a colaboração da Marta Góes para versar um pouco sobre seus 90 anos de vida, sendo a esmagadora parte deles dedicado a arte, a paixão por atuar. De maneira terna e afável, mas não menos forte e contundente, a autora conta sobre a infância, os antepassados, as primeiras apresentações, o amor eterno pelo companheiro Fernando Torres, os perrengues para se fazer teatro no Brasil desde sempre, as viagens, as desilusões políticas e sociais, os anos de ditatura militar, a garra de sempre promover um novo espetáculo, uma nova peça, a glória e o reconhecimento. Sempre tendo as transformações do nosso país consideradas passo a passo com reflexões curtas sobre cada momento e desdobramento, a leitura dessa biografia é daquelas que a cada página virada temos um novo deslumbre, uma nova comoção, um novo ensinamento. Dona de uma memória incrível, temos casos antigos apresentados com detalhes e a todo momento levando em conta a finitude do tempo que temos por esse plano. Um livro primoroso de uma vida gigantesca.

Nota: 9

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop ( http://coisapop.blogspot.com.br ) e colabora com o Scream & Yell desde 2009.

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