Três livros: Ólafsdóttir, Adiga e Marra

por Adriano Mello Costa

“Rosa Candida”, Audur Ava Ólafsdóttir (Alfaguara)
A Islândia, pequeno país nórdico conhecido por paisagens belíssimas e artistas como Björk, Sigur Rós e Of Monsters And Men, também tem uma tradição literária forte. O selo Alfaguara, da editora Objetiva, lançou em 2015 no Brasil um livro oriundo dessa literatura. Com tradução de André Telles e 304 páginas, “Rosa Candida” (Afleggjarinn, no original) é o terceiro livro da professora, poeta e escritora Audur Ava Ólafsdóttir e foi publicado originalmente em 2007. O protagonista é Arnljótur Thórir, jovem de 22 anos retraído e com uma imensidão de receios que, após a morte da mãe, vive com o pai e cuida de uma área de cultivo de plantas. Ele também teve outra surpresa recente e se descobriu pai, fruto de sexo casual depois de uma festa. A mãe da criança não lhe força a quase nada, o que serve para aumentar ainda mais seu sentimento de inconformidade com a vida. Thórir resolve então partir numa jornada de descoberta. A viagem tem como destino um mosteiro conhecido por ter um dos mais belos jardins do mundo, que se encontra abandonado. A finalidade (ou a desculpa) do rapaz é edificar esse jardim igual aos dias de ouro. De posse de uma nova espécie de rosa, ele parte para o mosteiro, incrustado numa pequena vila. E é nesse local, longe de computadores, celulares, televisão e afins, que finalmente começam a dissipar seus medos e questionamentos sobre sexo, vida e morte. O que até então soa um misto de jornada de herói com romance de formação é alterado pela escritora com a inclusão de Frei Tomás e suas respostas baseadas em filmes antigos (“Antonioni lhe ensinará tudo que você precisa saber sobre o amor”, diz em certo momento) como também o reaparecimento da filha e da mãe dela (com a qual ele não nutre intimidade). “Rosa Cândida” exibe uma história delicada e terna, que comove sem desandar para o sentimentalismo banal. Ava insere um humor de constrangimento e inadequação e aproveita para lançar mão de questões com alicerces no esoterismo e religião, sem explicar muito bem os motivos dessas inserções e deixa ao leitor a tarefa de buscar o entendimento.

Nota: 7

“O Último Homem na Torre”, Aravind Adiga (Ed. Nova Fronteira)
O escritor indiano Aravind Adiga ganhou o prestigiado “Man Booker Price” em 2008 logo com seu primeiro livro, o hábil “Tigre Branco”. Depois lançou a coletânea de contos “Entre Assassinatos” (2008) e “O Último Homem na Torre” (“The Last Man In Tower”, no original) de 2011, que ganhou edição brasileira em 2014 via Nova Fronteira, com 400 páginas e tradução de Vera Ribeiro. Adiga é um autor em evolução e ainda que repita prerrogativas contidas na estreia, as utiliza mais como alicerces próprios do que necessariamente uma repetição. A trama de “O Último Homem na Torre” se passa numa pequena sociedade habitacional de Mumbai, com poucos andares onde todos os moradores são donos. Mesmo que o lugar não seja o melhor da cidade – longe disso – todos que ali residem gostam dos outros e tentam viver em harmonia, mesmo com as normais intrigas entre vizinhos. Esse cenário de relativa paz é alterado quando entra em cena um empresário do ramo de construção imobiliária, que oferece uma quantia tentadora para que todos vendam seus apartamentos para que ele possa derrubar o prédio e levantar um novo. O empresário, personagem complexo, tem seus próprios motivos que vão desde a simples ganância até a competitividade demasiada com um concorrente, a fim de suprir, talvez, alguns problemas de ordem pessoal. Com o dinheiro em cena, os moradores logo mudam os ânimos e se transformam diante da cobiça, e basta um professor resolver se opor a venda, inviabilizando o novo sonho dos demais, para que os amigos, antes íntimos, revelem seu lado cruel. Mesmo sendo no cerne um conto sobre moralidade, “O Último Homem na Torre” é o reflexo de um país que vem crescendo e se diversificando, com o progresso sendo um artifício constante de mutação. A história é triste e feroz, mas Aravind Adiga insere na narrativa aquele tipo de humor existente em situações de absurdo ou em descuidos do cotidiano, o que serve para dar mais força ainda a outro bom livro, que tem como façanha unir esses dois lados enquanto explora vários personagens ao mesmo tempo.

Nota: 7

“Uma Constelação de Fenômenos Vitais”, Anthony Marra (Ed. Intrínseca)
Anthony Marra é professor e viveu um tempo no leste europeu. Em 2013 lançou seu primeiro romance de ficção usando um dos períodos mais sanguinários da história mundial recente: a primeira e a segunda guerra chechena. Compreendido entre os anos de 1994 e 2004, indo e voltando no tempo de acordo com as necessidades da narrativa, “Uma Constelação de Fenômenos Vitais” (A Constellation Of Vital Phenomena, no original) ganhou lançamento nacional pela editora Intrínseca em 2014 com 336 páginas e tradução de Fabiana de Carvalho. A obra passou batida no Brasil, mas é de uma delicadeza e força avassaladoras. As guerras chechenas são o pano de fundo para que se desenvolva uma história de salvação, dor, traição e alguma bondade. Quando a pequena Havaa, de 8 anos, vê o pai ser levado de sua pequena vila por soldados russos devido a uma denúncia de um vizinho, o mundo da menina desaba, porém ela já estava preparada para isso. Outro vizinho, um médico sem muito talento de nome Akhmed, surge como salvador e a leva para um hospital abandonado na cidade onde antes trabalhavam mais de 500 pessoas, mas que agora comporta somente uma médica, uma enfermeira e um porteiro. Sonja, a médica, é uma mulher endurecida pela vida e junto com Akhmed serve como personagem principal nos pequenos dias em que se desenvolve a trama. Anthony Marra explora a guerra nas suas facetas mais cruéis e perturbadoras, colocando em cena todas as desgraças e os aproveitadores que se criam em decorrência da tragédia. Porém, o autor também deixa ali, escondido no final, quase morto, um pequeno tom de esperança, uma fé cada vez mais difícil de aceitar. De escrita franca e objetiva, Marra flerta com a dor e, quando o leitor imagina saber de todos os fatos, ele opta em adicionar mais ingredientes e provar que no romance apenas a pequena Havaa é 100% boa de coração e inocente. Até mesmo os supostos heróis têm pecados e culpas imensas dentro do armário, o que faz com que a obra ganhe em valor e intensidade.

Nota: 8,5

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

LEIA MAIS SOBRE LIVROS E HQs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.