texto de Bruno Lisboa
Kathleen Hanna é uma das figuras centrais do movimento punk feminista Riot grrrl, que sacudiu corações e mentes a partir do início dos 1990. Mas para além de seu ativismo político e/ou de sua atuação como fanzineira, sua jornada também se destaca como musicista já que ela é integrante do essencial Bikini Kill, grupo que esteve na ativa entre 1990 e 1997, e voltou à estrada em 2019 (com direito a show no Brasil no primeiro semestre de 2024). Enquanto o grupo hibernava, Hanna envolveu-se em outros projetos musicais celebrados, como Le Tigre e The Julie Ruin.
A vida de Kathleen já havia ganhado as telas com o documentário “The Punk Singer” (2013), no qual a diretora Sini Anderson revela de maneira intimista a vida de Hanna. Desde então especulava-se uma possível autobiografia e a longa espera findou-se em 2024 com o lançamento de “Rebel Girl – My Life as a Punk Feminist”. A obra, lançada pela editora estadunidense Ecco Press, é uma narrativa punk em sua essência, pois Hanna descreve sua trajetória de forma envolvente, crua e sincera. Indo além de uma autobiografia tradicional, no livro a autora traz um relato corajoso de uma vida que desafiou padrões, lutou contra o machismo e acabou por servir de inspiração para uma geração de mulheres dentro e fora da música.
Estruturando a narrativa em capítulos curtos e objetivos, Kathleen consegue ao longo da obra manter o leitor engajado, sem nunca se tornar uma obra cansativa. A escrita simples e direta reflete a personalidade de Hanna, aproximando o leitor das suas experiências, como se estivesse ouvindo uma conversa íntima. Essa linguagem acessível faz com que o livro seja agradável tanto para os já familiarizados com a sua trajetória quanto para aqueles que estão descobrindo o impacto de seu trabalho nos dias de hoje.
Sem temer represálias e julgamentos, Kathleen revela de forma corajosa os períodos mais tempestuosos de sua vida. Ela compartilha abertamente suas batalhas pessoais com questões de saúde, os desafios de ser uma mulher em uma cena musical dominada por homens e, até mesmo, os conflitos internos relacionados às desavenças com seus familiares. Esse aspecto do livro não só humaniza a artista, mas também serve de inspiração, pois mostra como ela soube canalizar suas inúmeras dificuldades e as utilizou como força motriz de seu engajamento em prol da equidade e de sua sede de ser ouvida.
Sua relação e amizade com suas companheiras de Bikini Kill e Le Tigre, com Kurt Cobain, Kim Gordon (Sonic Youth), Ian MacKaye (Fugazi), Joan Jett e o seu companheiro Ad-Rock (Beastie Boys) é revelada em minúcias e mostram como Hanna se aproximou e fez parte de uma geração de artistas que mudariam a música para todo o sempre.
Em síntese, “Rebel Girl” é uma leitura essencial para qualquer um que queira entender o poder transformador da música, do feminismo e da resistência cultural. Kathleen Hanna, com seu estilo direto, mostra mais uma vez por que sua voz permanece relevante até hoje. A obra ainda é inédita em terras brasileiras.
De forma complementar ao livro é altamente recomendável a leitura de “Girls to the Front: The True Story of the Riot Grrrl Revolution”, livro de Sara Marcus lançado em 2010, que mergulha no movimento e mostra como ele foi de suma importância para reacender a chama do feminismo no período. A obra ganhou edição em português via Powerline Music & Books e pode ser adquirido no site da editora.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br