Entrevista: Anderson Foca fala sobre “Jovelho”, segundo disco de seu projeto (comemorativo) F.O.C.A.

entrevista de Marcelo Costa
colaborou Bruno Capelas

Anderson Foca é, adaptando uma autodefinição de Edgard Scandurra (guitarrista do Ira!), um “operário” da música. Um dos responsáveis pelo DoSol, combo cultural que começou realizando um dos festivais mais importantes do Norte do país e do Brasil, e que hoje também é selo, TV, casa de shows e rádio, Foca também toca na Camarones Orquestra Guitarrística e divide seu tempo entre outras cinco bandas: Ferve, Fettuccines, Orquestra Greiosa, The Sinks e Equilibristas do Mundo Torto. “Então, quando você tem seis bandas, disco solo parece uma doideira”, ele comenta nos primeiros segundos dessa conversa, realizada dentro de uma piscina num momento de folga do festival Se Rasgum 2024, em Belém, PA.

O motivo do bate papo é “Jovelho” (2024), recém-lançado segundo disco de seu projeto pessoal F.O.C.A., que ele criou em 2014 para marcar a data de seu aniversário de 40 anos. Em parceria com Luan (Rodrigues), da Red Boots, Foca compôs, gravou, mixou e colocou no ar no mesmo dia “Foundation Organization Corporation Association”, disco cujo título, uma piada interna, ele explica também na entrevista abaixo. Corta para 2024: para seu aniversário de 50 anos, Anderson Foca decidiu resgatar o F.O.C.A. e reforçar o seu lado compositor e intérprete em canções que ele assina ao lado de nomes como Lucas Gonçalves (Maglore), Felipe S. (Mombojó), Lipe Tavares (SeuZé), Loreb, Barro, Luiz Gadelha e Igor Fortunato. Nascia “Jovelho”.

“Eu queria comemorar o meu aniversário com os meus amigos da música oferecendo a eles música de presente”, revela Foca, que aprofunda o modus operandi do repertório: “’Jovelho’ é basicamente eu mandando letras e os parceiros devolvendo canção”, explica o pai de Chico, menino de dois anos que colocou a paternidade em pauta para Foca, um dos temas presentes em canções como “Nova Era” e… “Chico”. Inevitavelmente, “Jovelho” também foi afetado pela pandemia e pelo desgoverno de extrema-direita que abandonou seu próprio povo numa das maiores crises sanitárias da história. Uma das canções mais densas do álbum, “Coração Frio”, nasceu após uma crise nervosa de Foca na região central da cidade de São Paulo, tomada por pessoas andando sobre moradores de rua como se fosse algo normalizado.

Na conversa abaixo, Anderson Foca pincela seus vários projetos musicais, fala sobre parceiros e paternidade, e revela seu amor por George Harrison. Chega mais!

Vamos lá: “Jovelho”. Desde quando você tinha ideia de lançar esse álbum solo?
Então, quando você tem seis bandas, que é o meu caso (risos), disco solo parece uma doideira. Mas tudo aconteceu porque quando eu fiz 40 anos (em 2014), lancei o F.O.C.A., essa sigla, para comemorar. Na época, chamei o Luan (Rodrigues), de uma banda que eu amava, a Red Boots, e lhe disse: “Cara, vou lançar um disco comemorando 40 anos, mas vai ser assim: tu vai vir pra cá às 9 da manhã, e a gente vai compor, gravar, mixar e eu vou colocar no ar no mesmo dia. Tudo que a gente conseguir gravar”. A gente gravou umas seis músicas, e era um som muito hardcore, muito brabo. Eu nem tirei (esse álbum) da minha conta (nos streamings) pra confundir mesmo as pessoas (risos). É meio punk doido…

Esse disco saiu então?
Sim, está no mesmo perfil (nos streamings) em que está o “Jovelho” (2024).

Legal!
E quando eu fui completar 50 anos… eu estou num período agora que eu me reconheço compositor, um cara minimamente respeitado por composição. Tenho parceria de cinco ou seis músicas com Teago Oliveria (Maglore), tenho quatro ou cinco músicas com Felipe Cordeiro, tenho duas ou três com Felipe S. (Mombojó) e fui gravado por muita gente, isso tudo sem contar as minhas próprias bandas. E nessa coisa (de compor) tinham lá umas nove canções que não tinham pra onde ir, e que eram feitas por gente foda: Barro, Felipe S., Igor Fortunato (que é um cara de Mossoró e um dos principais atores da TV Globo, novela das seis, um artista que eu amo, canetada foda)… Dai pensei: “Quer saber? Vou fazer um disco comemorativo de 50 anos, mas com um motivo diferente (do disco de 40 anos), pra reforçar esse meu lado (compositor), pra lembrar às pessoas que eu sou músico”. Eu sou muito conhecido pelo Festival DoSol, pela produção cultural…

Eu diria que DoSol e Camarones Orquestra Guitarrística…
Isso. Quem me conhece de música, conhece nesses lugares. Quem está em Natal não porque me vê na Orquestra Greiosa, na Ferve, no The Sinks, mas quem está fora não (vê isso) muito. E eu quero ter esse lugar de reconhecimento como um cara que faz música, um songwriter.

E a sigla F.O.C.A.?
É uma piada interna nossa… (risos). Quando você está fazendo coisas na sua cena regional, muita gente cola, e tem uma turma “hater” que meio que fica “tudo que rola aqui é esse cara que faz, se ele não fizer ninguém faz” (risos). Hoje, depois de 30 anos fazendo isso, nem tanto, mas quando eu comecei rolava muito. Daí fiz uma piada que F.O.C.A. significava “Foundation Organization Corporation Association” (risos), uma piada sobre essa coisa de ser dono da cena. É uma piada interna que fazia sentido 20 anos atrás, mas fica como história. É legal olhar pra trás e ver que os meus “haters” do começo do DoSol são todos meus amigos hoje.

Não tem como fugir, a cena não é tão grande…
É. Hoje a gente dá risada disso: “Você lembra que você foi no meu show e ficou lá xingando a banda o tempo inteiro e eu falei que era desrespeitoso?” (risos).

Uma entrevista dentro da piscina / Foto de Bruno Capelas

Voltando ao “Jovelho”: Você tinha um monte de músicas de outros projetos e como foi trabalhá-las para funcionarem juntas num álbum? Porque o disco tem uma unidade… ok, tem “Nova Era”, que quebra um pouco…
É, “Nova Era” é um hardcore… mas o legal é que essas músicas nem são sobras. São composições feitas em momentos distintos, com pessoas distintas e energias distintas.

Em quanto tempo?
Um ano, talvez. Porque sou curioso demais da canção. Fico pensando: “E se eu escrevesse isso e mandasse para aquele pensamento melódico ali?”. No “Jovelho” é praticamente 100% a caneta minha e a melodia de parceiros. Eu sou um melodista, mas no “Jovelho” é basicamente eu mandando letras e os parceiros devolvendo canção. E isso fez com que o disco virasse um disco de canção porque os meus parceiros eram de canção. O momento menos canção do disco é a música que fiz sozinho, que é justamente “Nova Era”, que é um esporro, eu meio puto com o futuro do (meu filho) Chico, falando sobre um futuro distópico, que talvez não vá existir: “chegou a nova era, bem-vindo ao nada”, essa coisa de um futuro bem incerto.

Já que falamos em Chico, ele dá nome a uma música em que você aprofunda essa ideia de paternidade. Essa é parceria com quem?
“Chico” é minha e do Luís Gadelha, que era do Talma & Gadelha e é meu parceiro no Fettuccines, uma banda totalmente canção na onda eletrônica The XX, mas mais brasileira – na época em que comecei o Fettuccines eu estava ouvindo muito XX. Mas é isso, uma parceria com o Luís… Eu não queria ser pai. (Me separei e) Casei de novo. Minha companheira tem um negócio com comida de criança e eu fui me envolvendo. Eu nunca gostei nem desgostei de criança, eu sempre estava ali… convivendo, mas a paternidade me arrebatou.

É uma coisa muito forte, né.
Mudou tudo pra mim. E eu não tinha escrito nada a respeito, ainda, porque o Chico só tem dois anos, mas eu fiquei “nossa, cara, que coisa mais maluca”. Eu fiquei imaginando como seria o caminho da barriga até a vida real. Para pais de primeira viagem, esse caminho é muito maluco. Mágico! Porque você está vendo a sua esposa grávida, você tem que ajudar a cuidar e quando a criança nasce, ela nasce sem nenhuma energia, você tem que ficar dando tudo ali, e eu fiquei mentalizando o caminho…

A paternidade pega a gente de uma maneira… intensa. A sua “Chico” me fez fazer um paralelo com outra canção de paternidade, que é a “Chico Balboa”, do Terminal Guadalupe, que o Dary fez para o filho dele… vocês dois vivendo em tempos diferentes a mesma sensação…
É linda essa música! Nós dois somos contemporâneos, talvez. Dary deve ter meio que a minha idade.

Uma das coisas que me surpreendeu no disco é a vocação pop dele. É um álbum que começa de uma maneira meio praieira, suave, com “Quero Você Perto”, depois vem “Coração Frio”, que tem um momento de guitarra se sobrepondo a voz… mas essas canções me trouxeram uma sensação meio Skank…
Talvez as nossas referencias (minha e do Samuel Rosa) sejam parecidas. Obviamente, você não fica querendo clonar, mas, de repente, você está atirando no George Harrison e está acertando em uma coisa que você não sabe o que é. Acho que as referencias iniciais de canção sejam baseadas nisso. Por exemplo: eu amo Weezer, e quando você tira todas as paredes de guitarras dos arranjos deles sobram canções de verdade. Cancioneiras mesmo. Funciona muito bem no violão. Tenho um pouco disso. E as bandas brasileiras de que mais gosto são as da canção. Gosto muito da Maglore, tenho parcerias com o Teago e a segunda música do disco, “Coração Frio”, é do Luquinhas (Gonçalves). É uma música que fala de pessoas de rua de São Paulo…

Como é a história dessa música?
Cara, foi foda. Quando você está no Nordeste, você tem uma energia. Já a energia de uma cidade que tem 10 milhões, 20 milhões de pessoas como São Paulo, é outra. Parece outro Brasil. Não parece: é outro Brasil! Daí junta um governo de extrema-direita que não cuida de ninguém mais pandemia que fodeu geral. Eu tinha ido à São Paulo para uma atividade logo depois da pandemia, e quando entrei no centro, que comecei a ver o que tinha acontecido, eu senti o impacto daquilo que eu não estava sentindo em Natal. Era muita gente na rua e eu perdi completamente as estribeiras. Chorava compulsivamente, não conseguia me controlar, fiquei num canto, tentando me acalmar, e não conseguindo. Entrei numa padaria e comecei a comprar coisas até acabar o dinheiro da minha conta. Eu fiquei tentando… (ajudar). Foi perto da casa do Fabricio (Nobre), perto da Santa Casa (na Vila Buarque). Tinha muita gente na rua! E era um misto de um monte de gente na rua e um monte de médico passando por cima das pessoas, e nem notando, e é assim, você está em São Paulo, você vai atropelando as coisas ruins, São Paulo tem essa coisa e não é culpa de ninguém: a cidade grande faz isso com a gente.

É cruel, mas ela meio que vacina você porque senão você não vive…
É isso, você não consegue viver. E como dizia o Anthony Bourdain: “Eu não consigo viver nesse mundo. Não consigo mais”. E eu me senti desse jeito. Essa música se chama “Coração Frio”, e era isso, as pessoas frias e aquilo tudo me atingindo, e foi ampliando, me tomando. Corri para a casa de Fabricio e demorei um tempão para me recuperar naquele dia. E eu só me recuperei desse episódio quando escrevi essa música. E eu a escrevi para o Marcelo Jeneci. A gente estava junto em Brasília, Camarones e ele, e eu contei essa história, ficamos lá eu e ele chorando, rolou uma energia, e eu escrevi essa música pra ele. Só que o Jeneci faz mil coisas e nunca me respondia de volta sobre a música. Daí eu assisti a um show da Maglore e o Luquinhas é o George Harrison brasileiro, o cara que mais ama é mais consegue chegar perto da energia do Harrison aqui. Real.

Somos todos admiradores do Luquinhas aqui (risos)
E eu mandei a letra pra ele e ele me mandou a música. O arranjo, inclusive, é dele. Eu mudei muito pouca coisa do arranjo que ele me mandou na demo.

Capa de “Jovelho”, do F.O.C.A.

Quem toca no disco?
São três pessoas: eu, Yves Fernandes e Tiago Andrade. Essa banda é a Jovens de Ontem, que é Ana Morena, Yves e Tiago. A gente já gravou alguns discos com essa formação. Eles eram do Talma & Gadelha e montaram a Fortunato & os Jovens de Ontem (com o Igor Fortunato). A Jovens de Ontem grava discos no estúdio DoSol. Às vezes um artista chega lá e não tem banda, e a gente mesmo grava. Para o “Jovelho”, a Ana Morena (que é baixista da Camarones) estava meio sem tempo, e falei para o Tiago gravar baixo, violões e a guitarra no disco. Yves assumiu a bateria e a direção técnica. E eu faço a produção e a direção artística com os dois. É um disco que tem milhares de vozes, em que eu busco mostrar para as pessoas que eu consigo minimamente me expressar cantando. Eu sei cantar, abrir backings, o disco tem isso. E também tem algumas participações: Daniel Jesi (Burro Morto) é meu parceiro da Ferve e colocou alguns teclados no “Jovelho”; e Silvio Franco e Ana Morena, que são a cozinha da Orquestra Greiosa, gravaram uma música, “Sentido Norte”, parceria minha com Barro, uma música um pouco mais nordestina, um frevo meio estranho, uma coisa meio rock anos 1970, mas um frevo. É a gente mirando no rock psicodélico americano dos anos 1970 e acertando no Nordeste psicodélico. É uma pesquisa que estou fazendo, inclusive.

Você gravou essas canções já pensando no disco? Ou você foi gravando uma coisa aqui, outra ali, e depois foi juntando?
Gravei começo, meio e fim (pensando no disco). O esquema foi assim: a gente se encontrava num dia, e no dia saia com essa música gravada. Havia um pouco de discussão (de arranjo) no Whatsapp, e a gente chegava pra matar (no estúdio). Foram dois meses gravando e mixando.

E como você vê o resultado hoje? Como era o disco na sua cabeça antes de gravá-lo e como você o vê agora?
Na verdade, eu estou desfrutando-o. Porque esse disco comemora 30 anos da minha carreira como músico e 50 anos de idade, ao mesmo tempo. Ele foi lançado na semana em que completei 50 anos. Então ele é um desfrute, eu não fiquei pensando “eu vou tocar, eu vou pro Sesc, eu vou fazer turnê”… não é uma carreira, sabe. Eu fiquei tratando esse disco como um presente para mim mesmo, mas, claro, eu queria que as pessoas que eu conheço e sei que curtem música ouvissem. E recebi feedbacks maravilhosos. Eu queria era isso: vou comemorar o meu aniversário com os meus amigos da música e vou oferecer a eles música de presente, e possivelmente vou receber de volta a audição deles dessas músicas. A minha ideia era essa, só essa. Eu nem ensaiei esse disco ainda…

Emendando então: vão rolar shows?
Em Natal já estão rolando uns planejamentos, em São Paulo também, mas confesso que estou com um pouquinho de preguiça (risos), mas também porque a Camarones está num ano insano, a gente já fez uns cinquenta shows neste ano; a Ferve, que é meu projeto de cumbia nordestina, engatou uma turnê com Felipe Cordeiro desde o ano passado que ainda não terminou (a gente foi pra Berlim, pra Marsella, Brasil e Europa). Então isso tudo foi tirando meu tempo de ensaio, de encontro mesmo, e o disco não é fácil de fazer ao vivo, é um show que vai precisar de dois guitarristas, ou um guitarrista e um violão, não dá pra ir com power trio e fazer. Mas… talvez eu toque. Quem sabe…

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Rafael Passos / Divulgação

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