entrevista por Leonardo Vinhas
Você conhece essa história: power trio toca versões e canções próprias inspiradas nos primórdios do rock’n’roll, se apresentando ao vivo com visual retrô, de roupas floridas a topetes esculturais. Mas você não conhece Los Clandestinos Trio, e embora essas frases possam apresentar a banda de Vinci Bueno (voz e guitarra), Sayuri Yamamoto (voz, baixo e gaita) e Jeff Billy (bateria), estão longe de fazer justiça a ela.
A sonoridade é firme e assumidamente fincada no rock’n’roll – aquele que o Raul Seixas dizia ter morrido junto com Buddu Holly, Ritchie Valens e o DJ Big Bopper na queda do avião que os transportava em 3 de janeiro de 1959. Só que são muitos os apliques próprios: Sayuri toca seu baixo elétrico com o dedilhado do acústico, Vinci explora muitas possibilidades da guitarra “limpa” (sem pedais) só no volume, e Jeff aplica à sua bateria um peso que D. J. Fontana (o primeiro e lendário baterista de Elvis Presley) jamais sonharia.
De material de estúdio, são apenas dois singles lançados até o momento, totalizando meras cinco faixas, todas em inglês. Mas tudo bem, porque o melhor lugar para conhecer a banda é nos palcos. Foi o que aconteceu ao Scream & Yell: durante a 28ª edição do Goiânia Noise, a equipe do site ficou impactada pela vitalidade e pelo sentimento de “caos direcionado” que o trio conduzia no palco.
O começo enganou: entoando o riff de “Rumble”, de Link Wray, logo de cara, ficava fácil crer que viria uma banda cover. Mas a “introdução” foi brevíssima, e canções de lavra própria se misturavam a versões bastante pessoais de temas de Wanda Jackson, The Surfaris e outros. Até “Surfin’ Bird”, a música mais manjada do mundo, não soou como apelação fácil. Tudo se encaixava, de forma simultaneamente caótica e musical.
No show do Noise, as músicas originais do trio não destoavam dos clássicos do repertório – o repórter está ciente da ousadia da afirmação. Derivativas, mas só até certo ponto. Estimulavam imaginar o que a banda poderia fazer se trouxesse esse poder compositivo para um universo mais brasileiro.
E isso pode não estar longe de acontecer, como adiantam os integrantes nessa entrevista. Na verdade, foi mais um bate-papo, que aconteceu na calçada em frente ao hotel em que a banda estava hospedada em Goiânia, numa manhã de domingo. A conversa aconteceu de improviso, como convém à natureza da banda.
As referências estéticas da banda são bastante evidentes, tanto no som quanto no visual. Mas ao vivo o resultado adquire outros contornos. A ideia de vocês é chegar o mais próximo possível do passado que os inspirou, ou a ideia é dar uma apropriada para que isso fique mais pessoal e contemporâneo?
Sayuri Yamamoto: Normalmente, a gente vai nessa pegada estética mais antiga, só que a nossa ideia é realmente pegar as nossas influências e criar algo novo, porque muita gente classifica a gente como neo-rockabilly, ou rockabilly mesmo, só que a gente não se vê dessa forma. A gente se autodenomina uma banda de rock and roll, com muitas influências sem um rótulo que encaixe para definir a gente em uma palavra só.
Vinci Bueno: A gente pega tudo que a gente gosta e põe pitadas. Todo mundo aqui tem uma base do blues, rock 70, do próprio rockabilly, que são estilos onde se improvisa muito. E tem um pouco, um pouquinho de psicodelia ali, um pouquinho de garage aqui… O mais legal da banda, pelo menos para mim, é que ela é muito imprevisível. A gente não sabe o que vai fazer no palco. A banda tem sete anos, e deve ter tido uns 20 ensaios (risos). Então, eu acho que o mais legal é deixar nascer e deixar acontecer. Esse lance, pra mim, é o melhor da música: você deixar ela vir e se expressar.
A performance no show do Goiânia Noise foi bem marcante. Aliás, me corrijo: não foi performance, porque dá pra ver que não é ensaiado.
Vinci: Nada é treinado. “Wipe Out”, por exemplo: um dia alguém puxou e a gente começou a tocar.
Jeff Billy: E aí gente toca, vê que ficou legal e incorpora no repertório. Essa espontaneidade é um dos grandes valores da banda. A gente não faz cover ou pensa que vai compor um som nesse ou naquele estilo: todos os sons são clandestinos, por isso que já vem no nome da banda. Quando a gente chega pra tocar, é a alma que está contando mais forte ali, é a batida do coração, o que a gente está sentindo no momento, isso é o que cria a nossa versão clandestina do rock’n’roll. E tem a galera também, né? Quanto mais a galera se empolga, mais a gente se empolga junto, e mais coisas diferentes a gente começa a fazer no palco.
Vinci: A parte do rockabilly foi o que uniu a gente. A partir do rockabilly, que veio até mim pelo meu velho, foi que eu conheci o Jeff. Aí uma amiga nossa nos apresentou a Sayuri. Nossa base era o rockabilly, foi esse o rolê onde a gente se conheceu. A primeira festa na qual a gente se apresentou foi uma festa rockabilly. Só que a gente pegava bastante os clássicos dos anos 50. Mas gente sacou logo que o que a gente sempre gostou foi o blues. E as coisas se juntam, né? Pega o Elvis, ele tocava muitas músicas do Arthur “Big Boy” Crudup. Então eu falei: “ah, ao invés de pegar os caras do rockabilly, vamos pegar os caras do blues e fazer nossas versões como os rockers faziam”. Acho que foi daí que saiu o nosso estilo. Só que é tipo o Cramps: usa um pouquinho o topete, mas tem também uma loucura dos anos 80…
Na versão de “Brand New Cadillac” que vocês tocaram, acho que isso ficou bem claro. É uma música que tem um zilhão de regravações, mas o que ouvimos no show foi bem a versão de vocês, com um outro andamento, mais pesadona, um vocal mais pessoal…
Vinci: Vou admitir que quando montei a banda, eu queria tocar rockabilly. Só que eu simplesmente não consegui (risos). A gente não conseguiu ser tão comportadinho, de tocar redondo, fazer o cover direitinho. Eu não conseguia tirar os solos. Agora desenvolvi um estilo legal, mas antes eu tentava copiar o Brian Setzer, o Scotty Moore, e simplesmente não rolava. Eu adoraria (risos), mas não acontecia. Então comecei a inventar. A Sayuri não conseguia ficar parada no lugar, sempre saía pra dançar, o Jeff ficava pulando… Eu falhei nessa missão de fazer um trio de rockabilly clássico, mas felizmente está dando certo (risos).
Jeff: Eu não ia conseguir nunca também, porque eu coloco uma batera com contratempos de classic rock. Sou fanático por John Bonham – piro em Gene Krupa e Buddy Rich, mas o John Bonham, pra mim… Pô, ele foi meu professor. E tenho muita influência do heavy metal, que eu toquei muito, ouvia desde pequeno… A gente tenta colocar tudo que gosta numa música só, e é isso que sai! (risos)
Vocês conseguem se movimentar para fora dessa cena vintage-rockabilly-retrô?
Sayuri: Sim, muitos festivais de surf music nos convidam. A gente se mexe um pouquinho no meio do blues, do rock em geral também, até o pessoal garage, punk…
Vinci: A gente toca em feira de gastronomia com uma galera família, normal. Essas feiras com artesanato. barraquinha de comida. Sabe? A gente toca e a galera curte.
Sayuri: A gente adapta o repertório de acordo com o lugar onde a gente vai tocar. Nos lugares mais surf music a gente tenta colocar mais instrumentais…
Vinci: Não sei se é só a minha visão, mas acredito que o que a gente fez no Goiânia Noise é o que seria o nosso natural. Eu gosto de tocar mais pesado, a banda é o que a gente fez ontem [no festival]: tocar o que quiser, do jeito que a gente quiser.
Jeff: E pra um público bem misturado!
E o lance de cantar inglês? Claro, obviamente é a referência de tudo o que vocês ouvem, mas fiquei pensando se de repente caberia alguma coisa em português.
Sayuri: A gente está preparando bastante coisa agora, vai sair música própria em português. A fonte da qual a gente bebeu é tudo da língua inglesa mesmo, mas a gente pretende colocar bastante coisa com influência do Brasil porque temos muita influência de bossa nova, jazz, chorinho…
Vinci: Meu pai era do rockabilly, então ouvi muito som americano primeiro. Porém, minha mãe e a Mirella, minha esposa, me trouxeram muitas coisas de som do Brasil dos anos 60. Depois de um pouco mais velho, comecei a ouvir Mutantes, Gil… Sou fanático por Jorge Ben hoje em dia, Raul Seixas… Minha cabeça demorou um pouco para absorver, até os 13 anos só ouvia música em inglês, e quando eu vou compor as frases saem todas em inglês. A Sayuri compõe mais em português, e a gente começou a tentar puxar as coisas que a gente gosta para fazer mais coisas em português. Mas admito que para mim é muito mais fácil rimar palavras em inglês e elas ficarem legais do que ter o mesmo resultado em português. Para você cantar em português, você tem que ser muito bom. Os caras do Brasil que fazem letras em português são legais, eu os admiro muito porque tem que ser poeta pra fazer uma letra que soe e bem e que tenha conteúdo. Por isso que acho Jorge Ben, Raul Seixas, esses caras do samba… são todos muito bons!
Nos primórdios, o rock brasileiro em português era quase a tradução das letras de fora. Você falou do Raul Seixas, e ele realmente foi um dos pioneiros que não só trouxe a lírica, mas a sonoridade do rock para o Brasil. Ele ia para o baião, para a percussão de candomblé, e foi essencial para ajudar a forjar uma identidade mais brasileira para o rock daqui.
Jeff: Pois é, ele deu o jeito dele. Eu acho que ele foi mesmo o primeiro cara a fazer rock’n’roll brasileiro.
Vinci: Meu pai ouvia bastante uns sons em português, meu avô amava Raul. Mas essas traduções que você falou… Não querendo falar mal, mas eu particularmente não gostava tanto assim, achava meio bobas, me davam vergonha alheia. Eu não gostava mesmo. Aí fui ouvir Raul e vi que o cara era genial. Ele misturou ocultismo, as coisas do Brasil, o rock… Ele mostrou que dá para fazer rock bom em português, sim, só que tem que ser muito mestre pra fazer isso de modo a tocar o coração.
Para 2024, o que está previsto pra banda?
Sayuri: A gente está planejando gravar mais cinco músicas para fechar um EP. Estamos conversando com o pessoal da Monstro para ver se de repente não vira um vinilzinho. Tem shows marcados pelo interior de São Paulo em junho e julho… Mas a agenda está aberta! Quem quiser chamar, estamos aceitando o convite! (risos) Adoramos festivais, adoramos viajar para tocar, a ideia é bem essa de divulgar nosso sonho em lugares diferentes. São Paulo é um nicho que, apesar de ser carro-forte, já está muito explorado. Esse tipo de som que fazemos, não sei se a galera enjoou ou se não valoriza. Mas, por exemplo, vir aqui pra Goiânia dá muito mais tesão. A ideia é expandir os lugares onde a gente toca, e gravar coisa nova em português. E logo mais ter um lançamento físico pra vocês.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.