entrevista de Bruno Capelas e Igor Müller, do Programa de Indie
Ele é o produtor mais requisitado da atualidade no universo pop – e que o digam Lana del Rey, Taylor Swift, Lorde, St. Vincent e Paramore, só para ficar em alguns nomes. Mas ao contrário de outros magos dos estúdios, acostumados aos bastidores, Jack Antonoff também gosta de brilhar em voo solo. Ou quase: no recém-lançado e auto-intitulado “Bleachers”, quarto disco da banda que ele criou em 2014 para substituir seu nome próprio quando sobe aos palcos (o Scream & Yell os viu no Canadá!), Antonoff divide os créditos de composição e produção com gente como Lana del Rey (na balada “Alma Mater”), Florence Welch (“Self Respect”), Aaron Dessner (“Hey Joe”) e o novato Bartees Strange (que co-produz a faixa de abertura “I Am Right On Time”).
Obedecendo a uma regra máxima do rock, o disco auto-intitulado traz um ponto de virada na banda. Além da chegada de cinco novos integrantes numa formação fixa, esta é a primeira vez que Antonoff diz escrever pensando no presente. “Sempre senti que meu corpo se dividia nesse vai e volta entre o passado e o futuro, mas há cerca de um ano, comecei a escrever de um jeito que é mais como uma conversa, com os dois pés na realidade”, diz o produtor, em entrevista que você pode ouvir no Programa de Indie – e/ou ler aqui na íntegra em versão texto no Scream & Yell. “Nunca planejei chamar o quarto disco do Bleachers dessa forma, mas percebi que tínhamos conquistado esse momento, criando uma mitologia em torno da nossa música.”
Ao mesmo tempo em que avança, Antonoff retoma algumas das características dos discos anteriores: estão lá as canções dançantes à moda de Bruce Springsteen, baladas pop melancólicas e os elementos de uma visão dos Estados Unidos que talvez não exista mais como forma de refletir sobre o estado das coisas. “Existe uma obsessão atual pela discussão de que os Estados Unidos estão mudando ou morreram. Parte disso parece datado, mas também gosto de usar elementos de outras eras para pensar sobre o futuro”, diz o artista.
Na entrevista a seguir, Antonoff também fala sobre as diferenças entre produzir e compor para si mesmo ou “costurar para fora” e disserta sobre a expectativa de um artista antes que um álbum já pronto chegue até as pessoas. “Sabe quando você acorda depois de uma noite de bebedeira e fica pensando no que você disse, sem saber direito? Lançar um disco é bem assim”, diz. Ele também elenca seus cinco discos para a ilha deserta, diz com quem sonha em trabalhar e promete vir ao Brasil em breve. “Eu me sinto mal por nunca ter ido, sempre vejo os fãs online e acho o máximo. Mal posso esperar para estar aí”.
O novo disco do Bleachers é o primeiro trabalho da banda em três anos. Como essas músicas novas surgiram e o que elas representam pra você?
Jack Antonoff: Não sei o porquê, mas sempre escrevi muito sobre o passado e o futuro. Sempre senti que meu corpo se dividia nesse vai e volta, o passado e o futuro. Há cerca de um ano, passei a me sentir mais ligado ao presente. Tentei entender os motivos, mas acho que às vezes as coisas só acontecem assim mesmo. Comecei a escrever de um jeito que é mais como uma conversa, e notei que isso me fez escrever músicas que não eram nem uma memória do passado, nem uma esperança para o futuro. Era só algo com os dois pés no presente, na realidade. Não há nada de errado em falar do passado e do futuro, amo fazer isso, mas essa é a principal diferença entre esse disco e os que vieram antes.
Você acha que a pandemia teve alguma influência nesse movimento?
Acho que não. Durante a pandemia, eu trabalhei muito no último álbum, “Take the Sadness Out of Saturday Night”. Acho que a pandemia me deixou obcecado sobre como o futuro seria e o que passado significava. Perdi uma irmã quando tinha 18 anos de idade e esse foi um momento muito marcante, que sempre fez parte da música que eu faço. Quando você tem uma perda grande como essas, uma parte de você fica congelada no passado e a outra luta em prol do seu futuro. De certa forma, se torna muito difícil viver no presente, porque você sempre fica pensando no passado ou no futuro.
Sempre pensando “e se…”…
Sim! Nos “e se…” e nos “como eu poderei…?”. E se isso não tivesse acontecido? Como eu poderei seguir em frente? É algo bem dividido… peraí, acho que tenho que anotar isso, isso é bom. “The what ifs and how will I?”. Então, acho que minha escrita vem desse lugar, embora eu nem pense muito bem nisso enquanto componho. Mas quando tudo está pronto, começo a refletir sobre essa grande perda e na necessidade de ver tudo através dessa lente. Talvez seja uma forma de manter as memórias vivas, uma forma de manter aquela pessoa viva. Nesse disco novo, “Bleachers”, pela primeira vez consegui não sentir culpa com relação a isso. É um sentimento que até está presente no disco, mas não é a peça central dele.
Há uma espécie de regra não-escrita da indústria fonográfica que diz que quando uma banda dá seu nome a um disco – e esse disco não é um álbum de estreia –, isso significa que aquele trabalho é um ponto de virada na carreira. Você sente que essa energia se reflete no novo álbum?
Acho que essa regra é verdadeira – a do disco autointitulado ser um “statement”, independentemente de qual seja esse “statement”. Às vezes, ele é uma declaração do tipo “nós estamos aqui”. Às vezes, até mesmo o primeiro disco é essa declaração. Tive várias bandas ao longo da vida, mas nunca quis usar o nome delas nos nossos primeiros discos, talvez porque eu acredite que a melhor mensagem para um disco autointitulado não seja o “aqui estamos nós”, mas sim o começo de uma nova conversa. Nunca planejei chamar o quarto disco do Bleachers dessa forma, mas foi algo que surgiu para mim quando entendi o contexto do que eu estava criando, há cerca de um ano. Percebi que nós tínhamos conquistado esse momento, criando uma mitologia em torno da nossa música, dos nossos shows e do nosso público. É uma jornada longa, mas agora podemos fincar essa bandeira.
Faz sentido. À primeira vista, considerando os primeiros singles lançados, o disco novo nos pareceu mais reflexivo e menos festeiro que os trabalhos anteriores do Bleachers. O que você acha disso? É por aí?
É estranho. Agora que as pessoas estão ouvindo o disco, há opiniões bem diferentes. A minha opinião é a que menos importa. Tem gente que diz que é o disco mais alegre da banda, outros acham que é o mais triste, mais reflexivo. Eu realmente não sei! E amo o fato de não saber. Nesse momento, o disco já está completo para mim. Agora, ele passa a ser seu e de todas as pessoas que vão ouvi-lo. Quando começarmos nossa turnê, ele passa a ser sobre todos nós, juntos. Mas devo dizer que esse momento em que espero o lançamento do disco, como artista, é bem interessante. É como escrever um livro, botar no correio e nunca mais conseguir mexer nele de novo. É apertar “enviar” num email sem poder cancelar. Sabe quando você manda uma mensagem realmente intensa, e você está com medo de enviar, mas envia mesmo assim? E aí quando você aperta o enviar, você sente ao mesmo tempo ansiedade e alívio? É algo que já não está mais nas minhas mãos. Ao mesmo tempo, é curioso, porque é um disco que tem tanto de mim. Sabe quando você acorda depois de uma noite de bebedeira e fica pensando no que você disse, sem saber direito? Lançar um disco é bem assim.
Já ouvimos muitos artistas falarem sobre como o significado das músicas se transformam quando elas são transportadas do disco para o palco. Como um artista que também é produtor, você se preocupa com a versão ao vivo das músicas enquanto ainda está gravando ou compondo? Ou são processos separados?
São processos bem diferentes! Não importa onde eu esteja, é lá que estou 100% focado. Se estou no palco, nada mais importa. Se estou no estúdio, nada mais importa. Nunca frearia minha criatividade só por pensar “putz, mas como vamos tocar isso aqui ao vivo?”. Às vezes, você realmente não consegue reproduzir algo ao vivo, e tudo bem. Enquanto isso, algumas músicas são melhores ao vivo mesmo. É curioso que você tenha feito essa pergunta porque estamos justamente ensaiando para a turnê agora, entendendo os arranjos. E há arranjos que achei que seriam difíceis e estão sendo fáceis… e vice-versa! Isso acontece porque tocar ao vivo é sobre sentimento, não sobre instrumentos. Somos seis pessoas na banda, gente brilhante mesmo, capazes de tocar todas essas músicas muito bem. Não é difícil fazer os instrumentos soarem bem, mas o difícil é capturar o sentimento original ou mesmo criar um novo sentimento. Por outro lado, esse é o lado mais interessante de se fazer uma turnê: esse componente desconhecido é o que faz os shows serem tão bacanas. É sobre tocar “Rollercoaster” ou “Chinatown” e botar a plateia inteira abaixo. Sei que são coisas que podem acontecer porque já toco essas músicas há muitos anos, mas não sei como vai ser tocar “Tiny Moves” ou “Me Before You”. Até mesmo “Modern Girl”, que foi o primeiro single, é bastante nova para mim: nós só a tocamos ao vivo três ou quatro vezes e ela tem mudado muito rapidamente, é como um bebê crescendo rápido.
Você é hoje um dos produtores mais requisitados da atualidade. Qual é a diferença, pra você, de produzir a si mesmo ou artistas como Lorde e Taylor Swift?
É engraçado. É o mesmo processo, mas ao mesmo tempo é totalmente diferente. A semelhança é que estou no estúdio, tocando instrumentos e pensando sobre música. Mas quando estou fazendo minhas próprias músicas, sinto que estou sempre fora de controle.
E você acha que as pessoas entendem mais o seu estilo quando ouvem o Bleachers?
Acho que não. Eu me sinto muito conectado com todos os trabalhos que produzo. As letras do Bleachers, claro, representam a minha vida, mas quanto aos sons e à produção, acho que não. Não empresto quem eu sou para o que faço, sempre entro de cabeça, dando all in mesmo. Assim, tudo o que faço acaba soando como meu também.
Acreditamos que você tenha ideias a todo instante para músicas – e algumas podem servir pra você, ou para artistas com quem você trabalha regularmente. Como saber quando uma ideia deve ter um destino específico?
Não é bem assim que funciona. Normalmente, quando componho, estou fazendo isso apenas para mim mesmo, para os meus projetos. É só de vez em quando que faço algo que não sei muito bem o que é e então decido mostrar para alguém. Na verdade, a maior parte do trabalho acontece ao vivo. Se eu estou sozinho, estou fazendo as minhas músicas. Se estou com alguém, então estou fazendo músicas com alguém, naquele momento. As melhores músicas nascem assim, pelo menos.
Perguntamos pela curiosidade mesmo – especialmente pensando que você trabalha com artistas diferentes, que são amigas, mas cujo público muitas vezes se vê como rival.
Não, não funciona assim. Esses pensamentos externos realmente não existem quando estamos no estúdio, trabalhando. É quase como se estivéssemos numa ilha, isolados do resto do mundo.
Vamos voltar naquele ponto do começo que você falou sobre estar compondo sobre o presente. Quando ouvimos o Bleachers, há uma sensação bastante nostálgica, como se você estivesse falando de uma América de outros tempos, que talvez não exista mais – talvez os Estados Unidos de Bruce Springsteen e Clarence Clemons, especialmente em músicas como “Modern Girl”. Você acha que faz sentido?
Faz. É algo muito presente. Existe uma obsessão atual pela discussão se os Estados Unidos estão mudando, se os Estados Unidos que conhecemos morreram… É uma conversa que existe na cultura hoje em dia. Para mim, parte disso parece datado, mas também gosto de usar elementos de outras eras para falar e pensar sobre o futuro.
Como você se sente sobre os Estados Unidos hoje em dia?
O conceito do que são os Estados Unidos mudou muito ao longo da última década. Estou um pouco cansado a respeito de como as coisas estão hoje, mas também busco sinais de esperança pro futuro. Acho que as pessoas ao meu redor estão assim também: cansadas da mesma merda de sempre. Às vezes, o tédio e o ruído são tristes, mas às vezes também ajudam a criar alguma esperança, uma esperança discreta. É exaustivo ver as mesmas merdas acontecendo. Há muitas coisas que são absurdas, mas também há espaço e beleza, é difícil de entender. É uma grande dualidade. Viajo por muitas partes desse país enorme e vejo muitas coisas. Às vezes, vejo coisas que me fazem ter vontade de apagar as luzes e dormir pra sempre. E, às vezes, vejo coisas que me fazem sentir muita esperança com o mundo. E essas duas coisas acontecem todos os dias.
Estamos quase chegando ao fim do nosso tempo, mas ainda há algumas perguntas na lista. Primeiro: você já trabalhou com muita gente de diferentes gerações, de Diana Ross a St. Vincent, além dos nomes já citados aqui.
Eu sou um homem de diferentes gerações!
Mas com quem você ainda não trabalhou e gostaria?
Ninguém. Sou muito feliz com meu time. Não tenho sonhos de trabalhar com ninguém, eu tenho sonhos com as pessoas que já conheço e com o que podemos criar juntos.
A segunda pergunta é um clássico do Programa de Indie, bem ao estilo “Alta Fidelidade”. Quais seriam os cinco discos que você levaria para uma ilha deserta?
Tom Waits, “The Heart of Saturday Night”. Hmm… “Tunnel of Love”, do Bruce Springsteen. “Bitches Brew”, do Miles Davis. “Sunset Tree”, dos Mountain Goats. E… acho que levaria um disco da Bjork, mas não sei qual agora.
Muito bom. Acho que você é a pessoa mais rápida a responder essa pergunta em todas as nossas entrevistas.
Acho que quando alguém me pergunta do que gosto, tento apenas dizer como me sinto. Não quero ficar fazendo uma curadoria da minha própria resposta. (risos).
Pra fechar: alguma chance da gente te ver aqui no Brasil?
Sim! Eu prometo! Nunca fui e mal posso esperar. Eu me sinto mal por nunca ter ido, sempre vejo os fãs online e acho o máximo. Mal posso esperar para estar aí.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.