entrevista por Leonardo Vinhas
Em sua vigésima edição, o Capital Moto Week traz uma programação com mais de 100 bandas, em um leque que vai da emulação cowpunk do Hilbilly Rawhide ao pop lindamente torto do Pato Fu, passando pelo classic metal do Angra ou o punk pop do Inimigos do Fim. O mesmo lineup tem também Jota Quest, Supla e os Punks de Boutique e bandas covers a rodo. Bizarro?
Talvez não. O Moto Week é o maior evento de motociclismo da América Latina, e talvez por ser tão focado no lifestyle de motoclubes e afins, costuma passar despercebido pela cobertura musical, que o trata mais como uma atração na programação turística do Distrito Federal do que um festival propriamente dito. Mas o fato é que a música sempre foi parte importante e indissociável do evento, com uma extensa programação.
O lineup está longe de formar um panorama amplo e completo da produção roqueira nacional, mas certamente traz um recorte dela. Alguns diriam que é um recorte do aspecto mais caricato, enquanto outros poderiam dizer que traz justamente os estilos que ainda encontram diferentes graus de reconhecimento imediato para um público de massa. E – isso precisa ser dito – com mais espaço para iniciantes que muito festival roqueiro por aí.
A organização estima um público de 800 mil pessoas (“e 350 mil motos”, como frisa o release) ao longo de todo o evento, que o corre no Parque de Exposições Granja do Torto, em Brasília, de 20 a 29 de julho (ingressos aqui). O Scream & Yell conversou com Pedro Franco, um dos organizadores do Moto Week, para entender como funciona a curadoria musical do Moto Week.
O Capital Moto Week atua em várias frentes, a música é apenas uma delas. Ainda assim, ela ocupa parte importante da programação. Qual o papel que ela desempenha no evento?
A música no Capital Moto Week é a trilha sonora – trilha sonora da liberdade, das experiências do festival. Claro que, como em qualquer festival multiplataforma, a música desempenha um papel importantíssimo, e a gente tem um palco principal e quatro temáticos, todos com o cuidado de ter variações dessas vertentes do rock, do blues, do folk, para agradar todos os gostos.
A curadoria privilegia o rock e vertentes associadas a ele, combinando nomes consagrados, midstream e nomes novos. Quais os critérios que orientam a seleção desses nomes?
A curadoria vai sempre olhar pro rock, folk, blues e suas vertentes. Essa é a trilha sonora desses 20 anos de liberdade. Em relação à seleção das bandas, a gente abre um chamamento por e-mail, e recebemos anualmente centenas de materiais. Nesse ano, inclusive, tivemos não só bandas de todos os Estados brasileiros, mas até de outros países. Após a seleção dos headliners de cada noite, a gente procura manter a coerência musical no palco principal. Ao mesmo tempo, nos outros quatro palcos temáticos, a intenção é realizar um contraponto. Se eu tenho uma banda mais pop no palco principal, talvez eu trabalhe algo de classic rock ou um blues mais carregado no Saloon, um punk rock no Moto Bar, e assim por diante. A intenção com isso é entregar opções de shows para todos em todos os dias do evento. É importante ressaltar que, independente da quantidade de materiais recebidos, a curadoria olha com muito carinho para todos os materiais enviados. Se avança pra próxima etapa ou não, aí leva em conta todos os critérios de qualidade musical e o encaixe com o lineup naquele ano.
Esse ano, todas as atrações são nacionais. Existe a possibilidade de o festival incluir nomes internacionais, mesmo que menos conhecidos, em seu lineup?
Esse ano todos os headliners são nacionais, mas a evolução pro artístico internacional é inevitável no caminho que estamos tomando. A base sonora do lifestyle do público do festival é o rock clássico norte-americano, e portanto temos essa pretensão. Mas essas etapas têm que ser muito bem planejadas, não só por cachê, mas por todo o investimento em logística e por estar operando em dólar. Trazer bandas internacionais menos conhecidas é algo que é da nossa vontade, mas talvez não faça muito sentido levar isso a cabo, porque o público do festival é acima de 30 anos, e não é um público que está necessariamente interessado no que está em alta ou no que está em ascensão. A referência dele está em bandas mais estabelecidas. Mas enfim, isso é algo que depende de vários fatores, mas que está em um futuro próximo para nós.
Hoje existe uma associação do rock com o conservadorismo – seja o conservadorismo musical, de estar pouco aberto a nomes novos, seja um conservadorismo de costumes ou política. Não deixa de ser curioso, pois é uma antítese do gênero. Boa parte da cultura em torno da moto também tem essa associação. Posto isso, pergunto: essa é uma cultura que o festival endossa ou incentiva, de forma direta?
O nosso papel é o entretenimento. Dentro do festival a gente assume esses estilos todos como trilha sonora, e isso por si só traz um som bastante eclético. Mas por mais que o rock tenha em sua base a crítica social, nem o rock nem o festival estão associados a alguma ideologia em particular. Até por ser um festival para todos, temos o posicionamento de respeitar a todos, e reforçar a experiência de vida de quem nos prestigia ano após ano.
A maior parte do lineup é, compreensivelmente, do DF e estados vizinhos. Que bandas dessa cena local você consideraria merecedora de uma atenção especial por parte do público?
O DF tem uma cena musical muito rica, com excelentes artistas e excelentes músicos. É sempre um desafio para nós selecionar as bandas que são daqui, e isso é um problema bom, por assim dizer. Dito isso, todos têm destaque e tratamento igual no Moto Week, independente de ser uma banda iniciante ou um artista em destaque.
Há várias bandas-tributo ou de covers no lineup. Isso não acaba diluindo um pouco a proposta de valorizar a música autoral?
Tem pra todos os gostos. Claro que trazer clássicos faz parte até do perfil do público, o que a gente incentiva é que as bandas coloquem seu som autoral no setlist. Uma prerrogativa pra incentivar isso é a de que bandas que abrem para os headliners precisam ter trabalho autoral e ser da cena local, justamente para a gente incentivar e promover esse encontro, com os artistas mais conhecidos e com os empresários que estão no backstage. O Moto Week acabou de se tornar uma vitrine para esses artistas, por ser um palco que valoriza a cena autoral, e estamos trazendo bandas de diversos estados, o que reforça a importância disso. Mas o cover faz parte também, anima o público. Só que ele sempre vai estar presente em meio à música autoral.
– Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).