entrevista por Leonardo Vinhas
“Sempre senti que [The War on Drugs] era o tipo de nome com o qual eu poderia gravar todos os tipos de música sem qualquer tipo de previsibilidade inerente ao nome”, declarou Adam Granduciel ao blog Pop Headwound em 2012. Ele estava certo: embora sua banda tenha criado uma identidade marcante graças às suas melodias e sua sonoridade, não dá para dizer que você sabe o que esperar de um disco do The War on Drugs.
Ok, dá para sacar que Granduciel sempre vai se empenhar para honrar suas maiores referências musicais: Bob Dylan, Bruce Springsteen, Tom Petty… Mas há mais, como ele revela na bem-humorada e sincera entrevista que se segue.
“I Don’t Live Here Anymore” consolidou e enriqueceu essa obra. Lançado em outubro de 2021, o álbum não só encontrou grande resposta positiva junto aos fãs de longa data como ampliou o alcance da banda, hoje um septeto. Mais: gerou uma conexão emocional intensa, graças a uma capacidade de traduzir os sentimentos nebulosos e algo densos que se instalaram na maior parte das pessoas durante a pandemia da Covid-19. Além da sonoridade, contribuiu muito para isso a prosa direta, mas nem por isso menos poética, empregada nas letras.
“The War On Drugs é a banda mais importante dos últimos 30 anos”, me disse o músico uruguaio Nicolás Molina em uma conversa sobre a banda. Um exagero, claro, ainda que certamente corroborada pelos fãs. Porém, mesmo um olhar isento não terá problemas em admitir que a banda fundada por Adam Granduciel em 2005 construiu um dos corpos de obra mais belos, consistentes e longevos dos últimos anos.
A banda vem ao Brasil para o C6 Fest, nas edições carioca e paulista (respectivamente, 20 e 21 de maio). A dois meses de sua primeira turnê por um país sul-americano, a gravadora Warner abriu a agenda de Adam Granduciel para falar, via Zoom, com a imprensa local. Dispondo de não mais que 10 minutos, o Scream & Yell foi conversar com o frontman sobre o processo de criação que faz com que suas canções tenham tanto impacto emocional e artístico.
Quando a assessora abre a sala do Zoom, a imagem de Adam Granduciel ainda não está visível. O repórter, então, pergunta:
O Adam já chegou?
Tô no espaço. (Granduciel escolheu um backdrop “cósmico”, com o planeta Terra ao fundo, para a conversa). Tô bem aqui, acima de você. É que eu às vezes não gosto de ficar no mesmo lugar.
Que bom, porque em breve vocês estarão na América do Sul….
Ah, meu Deus, eu sei! Estou com essa banda há quinze anos e a gente sempre quis tocar aí, mas nunca conseguiu, então é muito empolgante!
Bem, na verdade, a turnê vai passar só pelo Brasil, em São Paulo e no Rio. Mas, não sei se você sabe, a notícia da vinda de vocês provocou furor até nos países vizinhos. Se formos acreditar nas redes sociais, tem gente da Argentina e do Uruguai que vai vir pra cá para ver The War on Drugs.
Isso é realmente empolgante! E, sabe, durante esse tempo de existência da banda, as pessoas sempre falaram que os fãs de música na América do Sul iriam gostar do nosso som. Porque ele é todo conduzido pelas guitarras, é rock, essas coisas. Sempre tivemos essa sensação de que tínhamos que botar o pezinho na água e ir até aí pra ver qual é. Se você nunca esteve em um lugar, você não pode presumir que vai chegar lá e vai ser tão fácil excursionar quanto é nos EUA. A gente já fez 20 turnês pelos Estados Unidos! Então essa vai ser a nossa primeira vez aí, mas esperamos que na seguinte possamos ir e tocar em mais países. Mas estamos animados de verdade, porque todo mundo, no mundo inteiro, fala do quanto os fãs sul-americanos são passionais. Mesmo sendo só dois shows, acho que vai ser realmente especial.
Já que estamos falando sobre a América do Sul, vamos falar de “Buenos Aires Beach” (presente no álbum de estreia da banda). Sei que é até meio tolo perguntar sobre o significado de canções, mas eu imagino que, quando você a compôs, sabia que Buenos Aires não tem praia. Então gostaria de saber qual a imagem que você queria evocar.
Bom, na verdade, eu acho que eu não sabia disso quando a escrevi (risos).
Não?!
Não… Eu a escrevi há muito tempo, acho que há uns 20 anos, e acho que eu deduzi que Buenos Aires era uma bela cidade litorânea. Mas algum tempo depois, ainda no começo das mídias sociais, as pessoas me disseram que não era uma cidade com praias. Eu gostaria de poder lembrar de onde essa canção veio. É uma das minhas favoritas, e ainda a tocamos ao vivo. Eu posso tocá-la sozinho ao violão, posso tocar com a banda tendo uma formação de trio, e dá para expandir para a formação de sete músicos. Dá para fazer em pequenos teatros e em grandes arenas. É uma forma muito pura de canção, o tipo de canção que faz você desejar que pudesse escrever umas 50 como ela ao longo da vida.
Desde essa época, The War on Drugs é uma banda que vai expandindo sua base de fãs. Cada álbum, cada turnê, parecia alargar os horizontes de vocês com o público. Mas “I Don’t Live Here Anymore” parece ter levado isso a um outro nível. A resposta das pessoas ao disco foi muito sobre ter uma conexão emocional e íntima com as canções. O que levou a essa conexão, no seu entender?
Eu acho… (hesita) Eu trabalho duro nos discos, sabe? Quer dizer, eu tenho orgulho real das músicas que lançamos e das histórias que elas contam, espero que elas convidem as pessoas a um mundo do qual elas podem desfrutar por mais ou menos uma hora, quando elas colocam seus fones de ouvido. Simplesmente foco apenas na música. Quando saiu o “Lost In The Dream” (2014) e aumentamos a banda para seis pessoas, foi porque eu meio que queria dar às canções o que elas mereciam. Eu queria tocá-las da maneira que elas deveriam soar, e nós meio que crescemos nos espaços em que nos convidavam a tocar, e meio que continuamos crescendo… Ficamos realmente famintos enquanto banda. Eu também acho que eu queria continuar fazendo discos de um jeito que eles fossem melhores que o anterior. É isso que eu sempre tentei fazer, de verdade – só focar nas coisas que me inspiram e escrever canções. É aquela coisa: você tem que escrever para você mesmo. Você não pode compor para mais ninguém. Você tem que simplesmente trabalhar direito e reagir à música que te gera uma resposta, que você gosta. Você não tem que se preocupar com o que as pessoas podem vir a gostar, ou o que você fazia antes disso, ou ao que já foi popular. Você simplesmente compõe a música que te inspira. E os fãs da música vão encontrá-la. Temos muita sorte de termos encontrado um grande grupo de fãs, e os respeitamos demais. Eles nos veem no palco, tocando as canções, em um tipo de relação que eu acho realmente ótima.
Falando das músicas que você gosta e que te inspiram: não é segredo para quem acompanha a banda que suas maiores referências estão nas obras de Bob Dylan, Bruce Springsteen e Tom Petty. Mas muitos críticos da imprensa norte-americana, e mesmo de outros lugares, associaram a sonoridade desse último álbum ao “yacht rock” (termo recente, mas já de uso amplo, que faz referência às bandas de “adult oriented rock” (rock direcionado para adultos) e soft rock dos anos 1970 e 1980). A Rolling Stone USA até soltou uma manchete infame, dizendo que vocês inventaram o “yacht rock” indie. Ao meu ver, essa associação é descabida, mas queria saber como você olha para isso.
Eu odeio yacht rock. Nem ouço… Quer dizer, não consigo nem imaginar porque alguém escreve um lance desses, porque não está nem perto de ser verdadeiro. Eles devem ter olhado para uma foto nossa, viram alguém tocando um saxofone ali, e pensaram: “ah, eles devem soar meio yacht rock”. As pessoas são preguiçosas. Não tenho qualquer interesse nisso. Gosto do Talk Talk, e isso rima com “yacht rock”, mas… (bufa) Eu nunca me preocupei demais com esse tipo de coisa, porque jornalistas têm o trabalho deles, eles escrevem o dia inteiro sobre coisas sobre as quais talvez não estejam interessados, têm que preencher uma cota de textos e escrevem qualquer coisa. Mas eu não penso nisso, eu realmente odeio yacht rock.
Ouvindo o álbum na época do lançamento, eu percebi uma grande influência de Bruce Springsteen no que diz respeito a timbres e produção. Como que diferentes épocas da carreira dele oferecendo influências e referências para o que vocês estavam buscando. Havia, sim, algumas coisas oitentistas nesse sentido, mas talvez algo mais na linha de “ok, eu gosto disso, mas deixa eu fazer do meu jeito”.
Sim, com certeza. Eu não entro no estúdio com uma ideia clara de como eu quero que seja. Eu tenho um monte de equipamentos, coleciono uma porção de que eu gosto, e muitas dessas coisas foram muito usadas nos anos 1980 e um tanto nos 1990. Acho que tem uma certa potência sonora com a qual gosto de trabalhar, mas, no fim das contas, estou interessado mesmo é na performance, em qual é a performance certa da bateria, em como a pessoa que vai tocar vai afetar aquele som. Porque é como um batimento cardíaco: é pessoal. A batida pode ser a mesma, mas o jeito que cada um toca vai torná-la diferente. Estou mais interessado em coisas assim, e em me assegurar que estou honrando o sentimento das canções que estou tentando produzir. Mas, inevitavelmente, por causa da quantidade de equipamentos que tenho, tem coisas que vão soar oitentistas, porque eu posso estar usando uma LinnDrum (nota: também conhecida como LM-2, é uma drum machine que foi fabricada entre 1982 e 1985) ou um [sintetizador] Juno, e uso muitos efeitos, chorus e tal. Isso pode mesmo te fazer lembrar de certas épocas. O som de um teclado Korg pode evocar os anos 80, um certo timbre de bateria remeter aos 70, mas eu amo música de todos os tipos e de todas as eras. Sou inspirado por músicas que soam amplas e pelas que soam intimistas, e definitivamente não sou anti-nostalgia. Não me importo que algo invoque uma memória em alguém. “Ah, isso soa como Tears for Fears”, e isso é bacana, porque eu me lembro de ter crescido com as canções dos anos 80, um pop gigante, com grande produção sonora. Mesmo que, em retrospecto, essas coisas soem datadas, eu simplesmente me lembro de como uma canção “cheia” te faz sentir, e eu meio que estou procurando por isso ainda.
Uma última pergunta: falamos há pouco sobre o último álbum ter se conectado de uma maneira especialmente próxima das pessoas, e eu acredito que o disco conseguiu o raro feito de capturar o espírito do momento, do estado de confusão sentimental e angústia que as pessoas estavam vivendo. Queria que você se debruçasse um pouco mais sobre isso, porque realmente acho que são raros os momentos em que um disco consegue algo do tipo.
Uma boa parte do disco foi gravada antes da pandemia, mas não tinha sido finalizada. Ao longo do ano seguinte, com o confinamento, entramos no estúdio com Shawn [Everett, co-produtor], todos com máscaras e tal, e todos paranoicos… Continuamos trabalhando, meio que tirando camadas, e não tínhamos uma data de lançamento. Por que iríamos lançá-lo se não poderíamos sair em turnê? Então eu tive um ano a mais para trabalhar nele sem maiores consequências. Ninguém sabia o que estava acontecendo, então eu tinha mais tempo. Se a canção não soava bem, eu voltava à pele antiga dela, botava tudo no mudo, deixava só aquela coisa do piano novamente, meio uma coisa Springsteen… Aí vinha um clique e eu achava outro caminho, as faixas ficaram bem diferentes do que eram inicialmente. E com a ansiedade do lockdown, a ansiedade de criar um filho pequeno e não ficar… Quer dizer, uma hora nós pensamos que nunca mais sairíamos em turnê novamente, porque a ideia de entrar em uma casa noturna parecia tão maluca… Achamos que o vírus nunca mais deixaria a gente tocar ao vivo novamente. E isso, a grana, esse medo, tudo isso encontrou seu caminho na música, sem dúvida. Veio esse sentimento de inquietação e de estar perdendo o controle da sua vida e das coisas que você quer alcançar, sabe? Mesmo hoje em dia, durante a turnê, quando paramos em um bar e recordamos aquele tempo, vemos que tudo era… confuso. Todos estávamos confusos e assustados, mas encontramos uma maneira de terminar o álbum.
– Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).