textos por Marcelo Costa
“Alguém Que Eu Costumava Conhecer”, de Dave Franco (2023)
(“Somebody I Used to Know”)
Ally é a criadora e responsável (a showrunner) de um reality show idiota (redundância?) que fez um grande sucesso na primeira temporada, mas desceu a ladeira de audiência nas duas seguintes, a ponto de não ser renovada para uma quarta temporada, o que serve de gatilho para uma crise na vida da “pobre” moça. Ela abandonou namorado, a mãe e a pequena cidade natal com influências bávaras de Leavenworth, no condado de Chelan, em Washington, 10 anos antes para ir atrás de seu sonho de ser cineasta e documentarista em Los Angeles, e a dispensa do canal de TV a deixa completamente perdida. Para esfriar a cabeça, ela decide visitar a mãe, reencontra o ex-namorado e começa a cogitar que fez a escolha errada ao abandonar tudo. O ponto de partida de “Somebody I Used to Know”, que estreou em fevereiro na Amazon Prime Video, não é lá muito original, e esse é só um dos senões do segundo filme que traz na direção Dave Franco, irmão de James Franco e marido de Alison Brie, atriz que se destacou como Trudy Campbell em “Mad Men” e Annie Edison em “Community”, e que aqui não consegue inspirar como Ally, pois tanto é difícil simpatizar com ela (na verdade, ela é tão desagradável que o espectador torce para que ela se ferre) quanto o roteiro (assinado pelo casal) é fraco e obvio, e a montagem é pouco ágil. Existem filmes com boas ideias que sobrevivem a falhas técnicas, mas esse não é o caso de “Alguém Que Eu Costumava Conhecer”, pois, aparentemente, Brie a Franco parecem não conhecer a personagem que tentaram desenvolver, uma mulher que ostenta posteres de Sleater Kinney e Beat Happening na parede, improvisa rimas tolas com os amigos, é chata e completamente tola e vazia. Nas redes sociais, Alison Brie tenta atrair atenção ao filme destacando suas cenas de nudez, o que dá o tom para uma comédia romântica sem alma que falha terrivelmente tanto em ser cômica quanto em ser romântica.
Nota: 3
“Gato de Botas 2: O Último Pedido”, de Joel Crawford (2022)
(“Puss in Boots: The Last Wish”)
12 anos após “Gato de Botas 1” (2011) faturar 555 milhões de dólares e 326 anos depois de ter nascido num conto de fadas europeu de 1697, o fugitivo da lei Gato de Botas está prestes a perder a última de suas nove vidas (ok, uma explicação rápida: os brasileiros dizem que gatos tem sete vidas por uma herança cultural árabe e turca vinda através da península ibérica. Os anglo-saxões, porém, defendem que os gatos têm nove vidas devido a, muito provavelmente, uma lenda surgida na Idade Média). Ao invés de jogar xadrez com uma Morte que, convenha-se, é bem mais assustadora do que a de Bergman, nosso adorável amante felino decide fugir e se esconder em um tedioso retiro para gatos, local em que deixa a barba crescer, faz amizade com um Perrito e onde será buscado “docemente” por Cachinhos Dourados e sua família de ursos que quer recrutá-lo para ajudar a encontrar a Estrela do Pedido, que concede um único desejo a quem tiver o mapa de sua localização. Já imaginou o que um Gato que perdeu oito de nove vidas desejaria? Começa então a aventura, que ainda contará com participações especialíssimas de Kitty Pata Mansa e João Trombeta. Desde que chegou aos cinemas, no final de dezembro nos EUA e em janeiro no Brasil, “Gato de Botas 2: O Último Pedido” já arrecadou mais de 400 milhões de dólares, sendo a segunda maior bilheteria das animações em 2022, atrás apenas de “Minions 2 – A Origem de Gru”. Isso é tanto uma grande injustiça quanto demonstra que o mundo está realmente todo errado, pois enquanto sobra tédio e roteiro preguiçoso no filme dos serzinhos amarelinhos fofos, “Gato de Botas 2: O Último Pedido” é divertido, poético, levemente assustador e ainda dá um show em passagens de lutas em “câmera lenta” e com uma coloração diferenciada e especial num resultado que pode até fazer com que algumas crianças se escondam atrás do corpo dos pais nas passagens mais macabras, mas diverte e manda toda família sorrindo feliz pra casa ao final. Precisa mais?
Nota: 8
“Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, de Alejandro González Iñarritu (2022)
(“Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades”)
Silvério Gama é um famoso jornalista e documentarista mexicano que vive há cerca de 20 anos nos Estados Unidos. Na terra das oportunidades, Silverio firmou seu nome a ponto de estar prestes a receber um importante prêmio jornalístico, mas, inevitavelmente, ele sente falta de sua terra natal, uma sensação que se acentuará assim que ele pisar novamente na Cidade do México, agregando memórias e questões intimas sobre carreira, sucesso, identidade, medos, história pessoal e nacional, incertezas e mortalidade, entre muitas outras. O tema escolhido para o sétimo projeto de uma carreira portentosa (cuja filmografia conta com “Amores Brutos”, “21 Gramas”, “Babel”, “Biutiful”, “Birdman” e “O Regresso”) por um dos cineastas mexicanos mais premiados na indústria estadunidense ecoa tanto como uma provocação quanto como quase uma (falsa?) autobiografia (com algumas verdades), e o formato belamente onírico do filme conecta “Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades” com “Oito e Meio” (1963), de Fellini, “Memórias” (1980), de Woody Allen, e “Sinédoque Nova York” (2009), de Charlie Kaufman, mas se diferencia pela questão identitária muito mais aprofundada, de forma até bastante crítica, o que talvez explique o fato da Academia ter ignorado solenemente o filme (de um cinco vezes vencedor do Oscar), que só foi indicado na categoria Melhor Fotografia, pois, aparentemente, os Estados Unidos podem até defender e premiar cidadãos mexicanos, mas incomoda vê-los valorizando a pátria amada e empoderando nacionalidade enquanto desdenham do american way of life do qual se lambuzaram até a alma. Poesia visual psicodélica tanto dramática quanto sarcástica, “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” é delirante e flagra Iñarritu acertando sedutoramente e errando maravilhosamente num filme que coapta esses erros e acertos para contar uma história que soa lindamente perfeita em suas imperfeições. Com algumas das cenas mais belas da temporada, “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” é grande arte.
Nota: 9
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Oscar 2023:
– Desavergonhadamente engraçado, “Os Banshees de Inisherin” merece ser vistos no cinema
– “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” mistura humor pastelão, filosofia e multiversos
– Cate Blanchett surge esplendorosa em “Tár”, filme que mostra que a música é belíssima, já os musicistas…
– Ainda que desequilibrado e exagerado, “Triângulo da Tristeza” é um grande filme que merece atenção
– “Top Gun – Maverick” soa cafona, mas funciona e engrandece a importância da experiência na sala de cinema
– Desprezível, “A Baleia”, de Darren Aronofsky, é um exercício de desrespeito e falta de sensibilidade
– Apesar do lodo existencial e da alegórica recriação de homens podres, “Blonde” tem Ana de Armas
– “Gato de Botas 2: O Último Pedido” é divertido, poético e dá um show em passagens de lutas em câmera lenta
– “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” flagra Iñarritu numa história perfeita em suas imperfeições
– Apesar de chapa branca, “Elvis”, cinebiografia espalhafatosa de Baz Luhrmann, é homenagem plena
– Formulaico e óbvio, “Os Fabelmans” é muito pouco para um realizador do nível de Steven Spielberg
– “Aftersun” é um belo e doloroso filme sobre memórias familiares
– Em “The Batman”, o diretor Matt Reeves aposta no menos é mais
– “Pantera Negra: Wakanda para Sempre” é um filme sobre Chadwick Boseman e a falta que o ator faz
– “Glass Onion” é divertido e esquecível, aquele tipo de piada esquecível que dura 2 horas e 19 minutos
– “Argentina, 1985” é muito mais um bom filme sobre uma grande história do que um bom filme
– “Close” é um poderoso filme sobre amizade – e sobre como o patriarcado destrói coisas belas