entrevista por Sarah Quines
Carioca radicada em São Paulo, Silvia Machete está em turnê com o álbum “Rhonda”, lançado durante a pandemia, na metade de 2020. A mudança de ares do Rio de Janeiro para a capital paulista se reflete no quarto disco autoral, em que a cantora deixa de lado o estilo flamboyant e tropical dos trabalhos anteriores e mergulha numa persona mais cool e introspectiva.
Com onze faixas, “Rhonda” (que ganhou edição em vinil translúcido) é fruto da parceria de Silvia com o produtor e arranjador Alberto Continentino – os dois assinam a maior parte das composições, que passeiam entre o jazz e o soul. Todas as músicas são cantadas em inglês, e entre elas está a versão de “With No One Else Around” de Tim Maia, que deixaria o síndico orgulhoso.
No palco, “Rhonda” ganha uma outra camada, e o repertório intimista é muito bem dosado com o lado performer e desinibido da cantora, que iniciou a carreira como artista de rua na França e nos Estados Unidos. No teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo, Silvia (ou Rhonda?) entra borrifando uma garrafinha com “trauma” escrito no rótulo e transporta o público para algum lugar do passado enquanto canta sobre amores e saudades.
Confira um trecho da entrevista de Silvia Machete para o canal Garimpo Sonoro:
“Rhonda” é um disco todo cantado em inglês. A escolha de um outro idioma que não o português ajudou a entrar mais nessa personagem?
Com certeza. Eu gosto de falar que eu trabalho com ficção. Você ter esse desafio de atuar como uma pessoa diferente de quem você é, é um desafio, né? Eu tô interpretando essas canções de uma outra forma, como se fosse uma outra voz também, porque automaticamente quando você canta em inglês você acaba ganhando uma nova voz porque você canta de uma forma diferente por causa da fonética da língua. O português é uma voz mais do peito, mais anasalada, e o inglês a sua voz já tá mais colocada de uma forma correta, então tem também uma suavidade de cantar em inglês. E as melodias do “Rhonda” fogem da nossa música brasileira, são mais jazzísticas então eu sinto realmente que eu ganhei uma nova voz com “Rhonda”, um novo corpo.
E é um trabalho criado no contexto da pandemia né? Quando vai pro palco ganha uma outra dimensão?
É bem curioso assim, na verdade eu comecei a escrever as letras antes da pandemia e é impressionante como elas combinam com todo nosso período pandêmico. Não só as letras mas também pelo ambiente mais introspectivo. E as letras assim, “I love missing you, Forget to forget”, é como se eu já estivesse na quarentena. Bem louco isso assim, mas foi pura coincidência. E quando a gente fez o primeiro show que aconteceu agora em março de 2022, eu não sabia ainda como a “Rhonda” ia se comportar, foi ao longo deste ano desde março que eu to desenvolvendo essa personagem, ela tá se encontrando ainda com o público, até onde ela pode ir na loucura dela.
São 11 faixas neste trabalho, queria que você comentasse sobre o processo de criação. Algumas você começou a compor antes da pandemia, outras durante…e quem são as suas parcerias aí no disco.
Eu comecei a compor logo que me mudei do Rio pra São Paulo e isso me ajudou muito na minha inspiração, porque quando a gente muda de um lugar pro outro a gente corre esse risco da inspiração, porque tudo é uma novidade. Mesmo eu já conhecendo super bem São Paulo, foi uma novidade morar em São Paulo, nunca tinha morado em São Paulo. Então veio uma inspiração, veio um amor gigante também, eu tava muito apaixonada. E a ideia também de cantar em inglês, porque São Paulo é tão diferente do Rio, que eu tava me sentindo fora do Brasil. E a língua mais natural pra mim fora do Brasil é o inglês. E eu comecei a compor com o Alberto Continentino e o Emerson Villani, que são dois grandes músicos brasileiros. O Alberto é um músico com quem eu já convivo e toco há muitos anos, inclusive em outros discos, já esteve tocando comigo em outros shows, então a gente divide um universo musical muito parecido, a gente coleciona referências sonoras também, então ele sabe as melodias que eu quero cantar, ele sabe o tipo de música que eu quero cantar. Quando eu abordei ele pra fazer o disco, eu me lembro que eu falei pra ele “eu quero fazer um disco de jazz”. Mas como seria fazer um disco de jazz? Seria standards? Eu sinto que eu amo jazz, é muito presente no meu estudo como cantora essas referências, mas fazer um disco de jazz moderno e eu acho que ele entendeu isso muito bem, porque tem ali todas as referências do rhythm’n’blues, do soul, do folk, de quem eu sou muito fã, e ouço Joni Mitchell, Joan Baez e todas essa cantoras. Então a gente conseguiu criar essa sonoridade juntos, essa atmosfera vintage, essa coisa sessentista, setentista, que remete a gente a uma outra época.
Abaixo, o vídeo com a entrevista completa. Assista:
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Sobre o Garimpo Sonoro :com roteiro, apresentação e edição de Sarah Quines, o Garimpo Sonoro é um canal para quem gosta de garimpar músicas por aí e descobrir as histórias por trás dos sons. Um lugar onde a música não tem limitações de estilos, nem de épocas ou fronteiras geográficas. Vale toda música, artista, álbum, instrumento, gênero e movimento do Brasil e do mundo, atual ou do passado, que tenha uma boa história para contar. Toda terça-feira às 20h no youtube e na quarta-feira também no Scream & Yell.
– Sarah Quines (@sarahquines) é jornalista e criadora do canal Garimpo Sonoro