texto de Marco Antonio Barbosa
fotos de Daniel Croce
Os Arctic Monkeys iniciaram em agosto último a turnê de lançamento de seu sétimo álbum, “The Car”. A banda tinha um desafio à frente: encaixar o repertório novo (cool, sardônico, majoritariamente lento, quase sem guitarras) na inevitável lista de hits (energéticos, sincerões, barulhentos) que compõe a maior parte do set list. Pelo visto & ouvido no show que os britânicos fizeram na Jeunesse Arena (RJ) um dia antes de se apresentarem no Primavera Sound São Paulo, com abertura do Interpol, o desafio foi superado com ampla vantagem.
Isso foi possível porque Alex Turner & cia. usaram com sábia parcimônia quatro músicas novas – e duas do anterior “Tranquility Base Hotel + Casino” (2018) – para dar dinâmica ao espetáculo. (Na última vez em que vi a banda ao vivo, na turnê de “AM”, de 2013, eles tocaram nada menos que nove canções do disco mais recente.) Os grooves sutis, as melodias sinuosas e os arranjos elaborados das músicas da fase atual fizeram um bom contraponto à barulheira juvenil dos sucessos antigos.
E não faltou sucesso no show. Quer dizer, faltou, mas não se pode ter tudo. Após a abertura com a nova “There’d Better Be a Mirrorball”, os Monkeys esbanjaram cinco antigas, dosando muito bem a adrenalina: de uma furiosa “Brianstorm”, foram baixando a bola até chegar em uma insinuante “Why’d You Only Call Me When You’re High”… para retornar ao disco novo, com “Body Paint” e sua mistura glam/r’n’b.
Com o jogo ganho, eles se deram ao luxo de fazer firulas antes de tocar pro gol. E aí fizeram valer a convocação dos músicos de apoio Tom Rowley (teclados, guitarra), Tyler Parkford (teclados) e Davey Latter (percussão), que engordaram o som de Turner, Jamie Cook (guitarra), Matt Helders (bateria) e Nick O’Malley (baixo). “Four out of Five” ganha um arranjo ainda mais cool, de balanço meio latino; “Arabella” é encerrada com uma citação marota a “War Pigs”, do Black Sabbath; “Cornerstone” perde um pouco da sinceridade original e se transforma num quase-irônico número de bailinho. Encerrando o set antes do bis, “505” também surge de cara nova, mostrando uma inesperada conexão entre o som “clássico” da banda e a estética dos dois últimos discos. Quem ficou para o bis ainda ouviu a estreia ao vivo de “Sculptures of Anything Goes”, do disco novo, e as inevitáveis “I Bet that You Look Good on the Dancefloor” e “R U Mine?”
O público carioca recebeu tudo isso – novas, antigas, rápidas, lentas – com a mesma euforia. Como dito lá em cima, não via os Monkeys ao vivo há anos, e me espantei ao constatar que não há mais sobreviventes indies em sua plateia. A massa na Jeunesse Arena quase lotada é composta por patricinhas (que suspiram a cada requebro de Turner) e playboys (daqueles que dão trombadas afetuosas e cheias de testosterona uns nos outros). À parte uma mínima queda na temperatura durante as músicas menos conhecidas, o público protagonizou cenas dignas de beatlemania para recepcionar os britânicos.
Já o Interpol, quanta diferença… O (ainda mirrado) público presente ao show de abertura recebeu bem o quarteto, que retribuiu com um set desajeitado – confirmando a fama de serem ruins ao vivo. OK, a banda liderada por Paul Banks sofreu com um som ruim, no qual o reverb na bateria engoliu as guitarras em baixo volume. E com uma iluminação esquisita. Nada disso é desculpa para a claudicante performance e a tímida presença de palco, amplificada pelo contraste com a energia dos Monkeys. Mesmo clássicos como “Evil”, “C’Mere” e “Obstacle 1” soaram em um clima de ensaio, com hesitações no andamento e nos vocais. Quando parecia que iria engrenar, com “PDA” (o som tinha melhorado e a banda soava mais confiante)… já estávamos na penúltima música.
– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br).
– Daniel Croce é fotógrafo (instagram.com/toscroce/) e cedeu cordialmente as fotos que foram feitas para o amigo Marcos Bragatto, do site Rock em Geral (leia a resenha dele sobre o show aqui)