O Ben para todo mal: semana 3 em SP com Kiko Zambianchi, Marcello Pompeu, Tibira, Nenê Altro e Bianca Jhordão

por Homero Pivotto Jr.

Um dos hits de Kiko Zambianchi, a faixa ‘Primeiros Erros (Chove)’, diz “mas só chove e chove”. Por sorte, o clima de São Paulo colaborou com nosso período de gravações para a nova temporada d’O Ben para todo mal: foram 20 dias com poucas precipitações vindas do céu. Os aguaceiros que rolaram durante nossa estadia na cidade foram à noite ou em momentos que não interferiram nas filmagens.

Na segunda-feira, 22 de agosto, data em que fomos bater um papo com Kiko em seu home studio – montado na casa onde mora –, o sol brilhava no horizonte. Aliás, o músico e compositor – que atua em carreira solo, cria temas para colegas e já fez parte do Capital Inicial – revelou que curte observar o firmamento em busca de ovnis ou outros sinais de que não estamos sozinhos no universo.

Foi em meio às conjecturas e divagações sobre os mistérios do cosmos que conversamos sobre paternidade. Kiko é pai de quatro meninas: Paola (43), Beatriz (42, cujo vínculo sanguíneo foi descoberto só recentemente), Ana Júlia (31) e Giovanna (30). Além disso, é avô do Lucas (23), da Sofia (8) e do Felipe (5). Ele nos conduziu por uma viagem no tempo, lembrou que os pais não o apoiaram no trabalho com a música e destacou um encontro, no começo da carreira, em que João Bosco o tratou com carinho quase paterno. O artista fez, ainda, uma autoavaliação de seu papel como progenitor, falou sobre os projetos musicais e artísticos das meninas que seguiram no ramo cultural e contou sobre sua relação com os netos.

“Eu não tinha noção, estava com 18 anos quando nasceu a Paola. Não sabia o que fazer. Eu era moleque não tinha responsabilidade, nenhuma noção de o que era ter um filho. O que impactou é a vontade de trabalhar. Um filho te dá isso, você precisa arrumar dinheiro. Eu sei o tanto que eu fui mal e o tanto que eu fui bom como pai. Ninguém é perfeito, a gente tem de aceitar o que foi”, ponderou Kiko.

Kiko Zambianchi

Na terça-feira retornamos ao Fenda 315 para gravar com Marcello Pompeu, vocalista do Korzus e produtor musical. Segundo ele, ser adotado pela galera de metal desde muito jovem o colocou na correria do som pesado, algo que levou para a vida. De acordo com Pompeu, a música pesada ajudou até a reforçar a parceria para além dos “ties of blood” (laços de sangue) com os três filhos: Lyon (25), Allan (20) e Otto (10). Na conversa que tivemos, o músico tratou de assuntos como conquistar respeito dentro da própria família, ajudar os pais com dinheiro recebido por meio da banda e aprendizados por ter sido pai cedo.

“Quando eu consegui algumas realizações com a banda, a relação com a minha família mudou de figura e é muito boa até hoje. Quando eu voltei da Europa, nos anos 1990, praticamente quitei as prestações de uma casa com o dinheiro da turnê. É a casa onde vivo, e foi a que meus pais compraram. Foi ali que eu entendi que tinha de viver desse rock. E assim é até os dias de hoje. Têm altos e baixos, é gangorra”, contou Pompeu, que complementou sobre a satisfação de trocar experiências sobre música com os filhos que são adeptos do heavy metal:

“Sou um cara que tem um lado old school, anos 1980. Mas, pelos meus filhos serem jovens e viverem o heavy metal da época deles, ouvem outras bandas. E eu tenho a possibilidade de escutar isso também, ficar sabendo o que acontece e ter oportunidade de viver o movimento jovem do heavy metal.”

Marcello Pompeu

Ainda na terça-feira, tivemos uma charla com José Tibiriça, mais conhecido como Tibira, empresário da noite e do ramo de antiquários, além de produtor de eventos. Tibira é pai do Matheus (26) e avô da Nayla. Figura representativa do cenário noturno paulistano, já foi dono de casas como Vegas e Z Carniceria, teve um reality sobre colecionismo e antiguidade no History Channel – chamado Caos, mesmo nome de uma loja que teve à época – e movimentou a efervescência do entretenimento na terra da garoa. Um dos assuntos do nosso papo foi, justamente, o impacto de um trampo noturno na família. O agitador cultural também lembrou do filho pedindo para ouvir Ratos de Porão quando moleque, da vez que não pode entrar com o garoto em um show do Sonic Youth e como tatuagem e disciplina estão relacionadas.

“Ele (Matheus) era desenhista e tinha de fazer alguma coisa, porque ele nunca gostou de escola. Falei: ‘legal, você vai fazer um curso de desenho e vai trabalhar numa loja de tattoo de um amigo meu’. Mas vai ser faxineiro primeiro, né, queridão? Vai ralar limpando bico, buscando café pros caras. Não chegar tatuando. Foi aí que ele aprendeu a tatuar, vendo o esquema da loja. E foi uma puta escola pra ele. Ele reclamava, não queria ir, e eu dizia que tinha de ir e pronto. Hoje ele tá superbem, em Miami”, orgulhou-se Tibira, acrescentando:

“A gente ganhou ingresso, chegamos lá no Sonic Youth e não deixaram entrar porque ele era menor. Tinha censura de uns 12 anos, e o Matheus tinha uns nove ou 10. Foi no Jockey Club. Tinha um amigo meu que morava perto, aí tive de levar o moleque na casa do cara e voltar, porque a gente não ia perder o show.”

Tibira

A quarta-feira foi de gravações externas. A equipe registrou abertura e cenas do cotidiano em SP pela região da Avenida Paulista e Praça Roosevelt.

Na quinta-feira, nossa dança dos dias teve a participação de Nenê Altro, vocalista do Dance of Days, e a pai – como diz uma de suas filhas – da Juliana (29), da Yara (26) e do Bryan (16) – filho biológico da atual companheira. Fortalecida no meio punk e dona de uma lírica poética forte, Nenê aceitou-se mulher trans em 2020, depois de uma jornada de vida conturbada. Buscando uma rotina mais serena fora da loucura da metrópole, Nenê foi morar numa praia próxima ao Paraná e vem a SP, onde viveu por quase 50 anos, para ensaiar ou quando tem algum outro compromisso. Foi antes de praticar com o DoD que ela nos recebeu no Estúdio Zapata. Nenê nos contou um pouco sobre sua caminhada pessoal e musical até aqui, falou sobre a criação sincera que tenta manter com os filhos e analisou a relação quase maternal que estabeleceu com os fãs do Dance.

“Um filho ou uma filha é uma jornada. Quando você entra numa jornada, ela te transforma. Você já não é a mesma pessoa que deu o primeiro passo. Cada momento, seja da minha filha mais velha, da do meio ou até mesmo agora do meu filho, é uma transformação que causa um impacto profundo na gente. Quando eu era mais nova, as coisas foram acontecendo, e a gente vai aprendendo no caminho. E vamos entendendo como funciona a vida. Porque queira ou não, também estamos na nossa jornada”, refletiu Nenê, que também mencionou sua transição:

“Não houve mais como esconder porque é uma coisa que veio gritando dentro de mim. Eu sei disso desde a pré-adolescência, mas por “n” motivos e repressões fui calando dentro de mim e isso gerou uma depressão absurda de uns 25 anos. Me levou ao alcoolismo e a muitas outras coisas. E quando não consegui mais calar isso, foi quando consegui pela primeira vez respirar. Ao contar para as minhas filhas, a mais velha disse: ‘você precisava só me contar essa novidade, porque eu já sabia’. A minha do meio, falou: ‘Então você é minha papai?’, e aceitou também. E o Bryan me aceitou assim desde o começo, é um menino de coração aberto.”

Nenê Altro

A última entrevista da gira rolou na sexta-feira (26) com Bianca Jhordão, vocalista e guitarrista do Leela e comunicadora. Mãe do Theo, com quem divide o gosto pela música e por jogos eletrônicos, Bianca nos recebeu no estúdio que mantém em casa com o companheiro de vida e de banda – o músico Rodrigo Brandão, pai do Theo. Enquanto trocamos ideia, o menino, atualmente com 10 anos, jogava vídeo game em outro cômodo da residência.

Sabendo que o tempo é diferente vendo o filho crescer, Bianca tenta aproveitar ao máximo os momentos em família. No diálogo que tivemos, a musicista falou sobre os prós e contras de dividir a rotina musical e cuidados com o filhote junto ao marido, tempo gasto com telas e de como arte pode ser educativa.

“A gente não tem família em São Paulo, então é bem difícil organizar. Pró é que o Rodrigo é muito firmeza, ele sempre ajuda. Juntos a gente consegue criar estratégias criativas para dar conta do Theo e da rotina do dia a dia. Só que, agora, já conseguimos levá-lo aos shows e até dar funções e responsabilidades para ele trabalhar com a gente ganhando cachê – que ele gasta tudo em game, claro”, pontou Bianca.

Ela ainda refletiu sobre o cotidiano, um tanto fora do comum para boa parte das pessoas, de quem trampa com arte:

“Ele tem muita noção de como é a rotina de músico, de artista, que não é algo fácil. A gente sempre passa por muitas situações emocionais. Aqui em casa tem sempre uma emoção diferente, a rotina nunca é igual. Por exemplo: jantar 1h30min da madrugada e depois dormir até as 14h. Eu até gostaria, às vezes, de ter uma rotina mais normal, mas não temos. Há quem se preocupe com essa questão do horário, mas não vejo problema. Não necessariamente você precisa acordar cedo, mas sim dormir as horas necessárias para descansar. Eu acho que ele (Theo) se diverte com isso. Os amigos dele sabem que temos uma rotina diferente, que nossa casa respira arte, música e agitação”.

Bianca Jhordão

Agora é editar o material captado para, o mais breve possível, disponibilizar os novos episódios na programação do Music Box Brazil. Um salve para todos que nos acolheram nessa trip. Muito obrigado, de coração, a quem abriu as portas da própria casa ou de seus espaços criativos para se emocionar lembrando histórias de quando criança ou como figuras parentais.

E um agradecimento especial ao time: Sérgio Caldas (diretor), Luiz Argimon (câmera) e Vini Lima (som). Esses “guri do surf” souberam como fazer tudo caprichado, com uma pilha contagiante. E é isso que se pretende mostrar na tela. Segue a gente nas redes sociais e saiba quais os próximos passos dessa empreitada gestada com carinho. Temos perfis d’O Ben para todo mal no Instagram e no Facebook.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

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