entrevista por Bruno Lisboa
Idealizado com projeto individual de André Travassos (ex Câmera e Invisível) em 2016, o Moons vem, no decorrer dos anos, se consolidado como um sexteto formado Jennifer Souza (voz, guitarra e percussão), Pedro Hamdam (bateria e percussão), Bernardo Bauer (voz e baixo), Digo Leite (guitarra), Felipe D’ Angelo (voz, piano, guitarra barítona e sintetizadores) além do próprio André (violão, guitarra e voz).
Com quatro discos lançados, o mais recente é o belo e introspectivo “Best Kept Secret”, que saiu em junho via Balaclava Records em parceria com a Diskunion, do Japão. Produzido pela banda ao lado de Leonardo Marques, o álbum foi gravado no estúdio Ilha do Corvo. Diferente do trabalho anterior (“Dreaming Fully Awake”, 2019), no qual as canções foram gravadas ao vivo, aqui cada instrumento foi registrado de forma separada, o que rendeu uma sonoridade ainda mais nítida e rica em detalhes.
Musicalmente, “Best Kept Secret” tem a nobre missão de oferecer conforto para o ouvinte, uma necessidade fundamental em tempos tempestuosos como os nossos. Em entrevista concedida por e-mail, André fala sobre as intenções artísticas para com o novo disco, seu processo de pré / pós produção, o retorno aos palcos, a importância de se posicionar politicamente, a parceria com a Balaclava, paternidade e muito mais. Leia abaixo!
“Best Kept Secret” é um disco belo, introspectivo que, para mim, funcionou como remédio / antítese aos nossos tempos nos quais a turbulência é alta por demais. Quais foram as intenções que vocês buscaram construir a partir desse disco?
Depois de dois anos conturbados em meio a uma pandemia sem precedentes e sob a tutela do pior governo que o Brasil teve em sua história recente, a gente precisava de um respiro. A gente quis fazer um disco leve, que servisse como uma válvula de escape pra toda essa loucura. Mas, ao mesmo tempo, os temas das letras do disco não conseguem fugir do que vivemos nesse período. Então, de certa forma temos a leveza nas melodias, mas um certa melancolia em algumas letras. Tudo fluiu muito naturalmente, não foi algo premeditado. Foi a música que surgiu do nosso encontro depois de quase dois anos sem tocar e compor juntos.
Outro ponto de atenção positivo do novo disco diz respeito a produção cuidadosa do Léo Marques. A nitidez com que se ouve cada instrumento, mesmo em seu formato digital, é incrível! Nesse sentido como se deu a transição do material bruto e a “regulagem” na mesa de produção?
Diferentemente do nosso disco anterior (“Dreaming Fully Awake”), que foi gravado todo ao vivo, com os seis integrantes tocando na mesma sala, dessa vez a gente gravou as bases juntos (bateria, baixo e violões), mas tudo separadinho. Isso nos trouxe mais possibilidades de experimentar timbres e inserir outros elementos como o vibrafone, as cordas e os sopros. Isso de certa forma facilita o processo de pós produção, pois você tem todos os elementos gravados em canais separados sem sobras nos microfones como costuma ocorrer em gravações ao vivo com todos os elementos na mesma sala.
Falando agora sobre o processo de composição do novo álbum, quais foram as diferenças substanciais que conduziram o que ouvimos em “Best Kept Secret”? Produzir um novo material num período pandêmico interferiu de que maneira?
O primeiro fator foi que nunca havíamos ficado tanto tempo sem nos encontrar pra tocar. Então, durante esse período em casa acumulamos muitos sentimentos que serviram de combustível e inspiração para essas músicas. Além disso, a gente queria fazer um disco um pouco mais minimalista que os anteriores, explorando elementos que nunca havíamos utilizado como o vibrafone, o violão de nylon e também contar com a participação de outros músicos, que acabam por levar as músicas para outras paisagens.
Desde o lançamento do disco você tem feito uma série de apresentações em BH e em casas diversas, indo desde as mais tradicionais, passando por teatros e shows ao ar livre (como no Midnight Roça) e em festivais (como o Balaclava). Como tem sido a experiência de retorno aos palcos? Em que lugar a banda se sente mais à vontade?
Tem sido maravilhoso voltar aos palcos. Compor, arranjar, gravar é muito gostoso mas é no palco que tudo faz sentido. Ali as músicas tomam uma outra proporção. Hoje, com quatro discos, podemos dizer que nos sentimos confortáveis em qualquer situação. Dos shows mais intimistas em teatros até shows em festivais. Isso porque temos a possibilidade de mudar o repertório de acordo com a ocasião.
Ainda falando sobre shows, a apresentação realizada no SESIMINAS, em BH, foi marcada pelo posicionamento político em oposição ao bolsonarismo e ao fato de que o Brasil é um dos países que mais mata ativistas no mundo. Qual a importância de levantar bandeiras e deixar demarcado artisticamente de que lado a banda está?
O que nos motiva é principalmente o desejo de vivermos em um país mais justo e de acreditar que o Brasil tem esse potencial. Então utilizamos o espaço que ocupamos para levantar bandeiras e causas que julgamos importantes. Tudo feito com muita verdade e responsabilidade, sem querer navegar em uma onda progressista. Temos esse canal aberto com o nosso público que, por sua vez, é bastante sensível. Isso nos dá ainda mais confiança para podermos assumir qual lado da história queremos estar.
“Best Kept Secret” é mais um rebento que tem a chancela do selo Balaclava Records. Como se deu a aproximação de vocês e qual a importância de ter um selo independente atuando de forma conjunta a trajetória do grupo?
Já havia uma proximidade com a Balaclava pelo fato do Câmera, minha antiga banda, ter feito parte do casting do selo por muito anos. Quando a gente partiu pro segundo disco e vimos que a gente queria de fato investir na banda fomos atrás de um selo que sabíamos que dialogava com o nosso trabalho e que poderia abrir mais portas pra gente. No Brasil não tinha melhor opção que a Balaclava.
Outro ponto interessante da musicalidade da banda é que, acredito eu, exista uma gama variada de referências que cada um dos seis integrantes tem, mas que quando reunidas geram pérolas como “Let’s Do It All Again”. Nesse sentido, quais foram sons ou artistas que vocês tiveram em mente quando estavam em busca da sonoridade presente no disco?
Nos últimos anos a gente aproximou nosso trabalho e fomos beber na fonte de artistas como Sade, Simply Red, Fleetwood Mac, Everything But the Girl, Air, etc. Em comum entre eles (e o que nos fascina) há o apreço por arranjos leves e simples mas classudos e músicas tão íntimas quanto dançantes. A gente reconhece um pouco disso no nosso trabalho também. Além de serem bandas que temos um relação afetiva enorme, pois estava sempre no som do carro e de festas dos nossos pais.
Trazendo à tona outra faixa que se destaca é a belíssima “Childlike Wisdom”. Ela promove uma ode a paternidade de forma sensível e comovente que, confesso, bateu forte por aqui. Num mundo ainda marcado pela cultura machista, no qual muitos homens tornam-se figuras ausentes na vida de suas crias, como tem sido o exercício da paternidade para vocês? Quais são as preocupações, anseios e alegrias nesse exercício?
A paternidade tem sido um constante aprendizado. E como falamos na música a sensação é que temos aprendido muito mais do que de fato ensinado. Primeiro, há de alguma forma um reencontro com a nossa propria história. A inocência e a sabedoria que vamos perdendo com o passar dos anos e que praticamente se esvai com a chegada da vida adulta. O meu maior desejo enquanto pai é que minha filha desfrute da sua infância e que na medida do possível preserve ao máximo a criança pura, doce e sensível que ela é. Enquanto isso, me esforço pra pavimentar o caminho mais acolhedor possivel pra ela e tornar o mundo um lugar melhor, onde a diversidade é respeitada e celebrada. É um caminho longo, mas sinto que com o seu nascimento esse é o meu propósito na vida
Por fim, com o aquecimento do mercado de shows quais são os planos futuros da banda? Como pretendem conciliar as atividades solo que cada um de você tem?
O desejo enorme de circular o máximo possível e colocar no palco a história que estamos escrevendo ao longo de seis anos e quatro discos. Desde que o Moons se estabeleceu com essa formação temos conseguido conciliar as agendas de todo mundo para que cada um se dedique a projetos que são importantes. Tem rolado bonito e acaba servindo de combustível pro nosso trabalho também já que somos muito fãs do trabalho individual de cada um.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre e fecha o texto são de Lucca Mezzacappa